Sociólogos desafiam a globalização Especialistas de seis países debatem em Coimbra o projecto “Reinventar a emancipação social” Fernando Madaíl.
Ao contrário do que sustentava o Manifesto do Partido Comunista, de Marx e Engels, não foram os proletários de todo o Mundo que se uniram. Pelo contrário, a aliança foi concretizada pelo capital, que criou uma globalização neoliberal, “tão dinâmica quanto predadora”. Neste pano de fundo, o projecto de investigação “Reinvenção da Emancipação Social”, liderado pelo sociólogo Boaventura Sousa Santos e que conta com financiamento das Fundações MacArthur (Chicago, EUA) e Calouste Gulbenkian, reúne, a partir de hoje, em Coimbra, 60 pessoas ligadas às Ciências Sociais ou líderes de movimentos sociais e membros de organizações não governamentais, que desenvolvem a sua actividade na África do Sul, Brasil, Colômbia, Índia, Moçambique e Portugal. O simpósio, organizado pelo Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra, trata cinco temas que, na opinião de Boaventura Sousa Santos, vão constituir a agenda do conflito Norte-Sul das próximas décadas: democracia participativa; sistemas alternativos de produção; multiculturalismo emancipatório, justiças e cidadanias; biodiversidade, conhecimentos rivais e direitos de propriedade intelectual; novo internacionalismo operário. Os investigadores que integram este projecto, iniciado em Janeiro de 99 e que terminará em Dezembro de 2 001, estudam as alternativas que vão surgindo à globalização capitalista, que tem provocado mais exclusão social, o agravamento da crise ecológica, uma maior desigualdade entre o Norte e o Sul e entre ricos e pobres. O movimento democrático internacional, que se opõe a esta hegemonia, como se viu nas manifestações de Seatle e de Praga, assenta, afinal, em movimentos e iniciativas locais. Em Coimbra, serão apresentados estudos que vão das lutas dos indígenas e dos sem-terra do Brasil às cooperativas de mulheres no Algarve ou em Maputo, passando pelo orçamento participativo em Porto Alegre (Brasil) e o modelo da democracia participativa em Kerala (Índia), a concertação entre sindicatos de blocos regionais (Nafta, UE, Mercosul) e as comunidades de paz da Colômbia, as mutualidades e o microcrédito, o movimento homossexual português e o internacionalismo solidário com Timor, a biopilhagem que as multinacionais farmacêuticas tentam fazer junto dos curandeiros locais e os catadores de papel de Bogotá que eram analfabetos e agora tiram cursos de gestão para zelar pelas suas cooperativas. Boaventura Sousa Santos, que é professor nas universidades de Coimbra e de Wisconsin-Madison (EUA), explica que a escolha destes especialistas também se prende com a necessidade de demonstrar que existe uma importante massa crítica fora dos centros tradicionais de saber. O autor de A Crítica da Razão Indolente considera mesmo que a renovação das Ciências Sociais está a surgir nos países semi-periféricos, já que os centros hegemónicos de produção do conhecimento científico esgotaram a capacidade de criar ideias radicalmente novas. O problema, explica, “é que sempre que falo a colegas americanos ou europeus de tantos e tão ricos trabalhos que estão a ser desenvolvidos por universitários na Índia, eles nunca ouviram falar desta produção científica, apesar de, neste caso, ser escrita em inglês”.
in DN, 23 de Novembro de 2000