CONECTARTE – FIGURAS

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A  lenda da SeveraAo falar-se de fado antigo, torna-se indispensável falar-se na Severa ou na lenda da Severa.Maria Severa nasceu na Madragoa. Ao contrário do que diz a lenda não era cigana. Sua mãe era mais conhecida pela Barbuda (porque a sua barba era tão densa que a obrigava a usar um lenço) e era dona de uma taberna. Maria Severa morou por pouco tempo no Bairro Alto, mudando-se mais tarde para a Mouraria. Barbuda, sua mãe, era «mulher de faca na liga», uma fadistona de meter medo a qualquer outra que resolvesse fazer-lhe frente. Mas a Severa era bonita, graciosa e bem apresentada. Cantava como ninguém e fumava (o que lhe dava uma fama suspeitosa).Durante o tempo que morou na Mouraria, mais precisamente na Rua da Amendoeira, viveu num primeiro andar que lhe alugou o Conde de Vimioso, pelo qual esta nunca pagou renda. A Severa evidenciava-se pelo seu impudor e fanfarronice, mas tal como ela havia outras. São curiosos os seus nomes; Maria Romana, Umbelina Cega, a Gertrudes Preta (mais conhecida como a preta da pala) , a Bayona, entre outras.Antes do seu romance lendário com o Conde de Vimioso, a Severa teve um «namorico» com um rapaz a quem chamavam o Chico do 10. Passado pouco tempo trocou-o por outro que, raivoso, Chico do 10 assassinou às navalhadas. O pobre Chico do 10 morreu em África enquanto cumpria a sua pena.Logo depois do acidente Severa conheceu o Conde de Vimioso que se sentiu atraído pelo seu doce canto. A Severa cantava na taberna da Rosária dos óculos que ficava num largo a que popularmente chamavam o alto da caganita. Era aí, numa atmosfera pesada, de fumo, bebedeira e música arrastada, que o Conde de Vimioso ia buscar a Severa levando-a consigo. Enquanto durou o romance, Severa andava sempre bem vestida, com lenços de seda, destroçando muitos corações pelo facto de se manter fiel ao Conde. Diz-se que a Severa não foi apenas um capricho do Conde, mas uma verdadeira paixão. Motivado por este sentimento, o Conde de Vimioso chegou a levar a Severa a toiradas em casas de amigos e diz-se que chegou a levá-la ao palácio do Campo Grande onde esta cantou o fado.Diz a lenda que Maria Severa morreu de indigestão pelo facto de beber muito mas, segundo alguns autores, confirma-se que a sua morte foi causada pela prostituição. Em 1850 já tinha morrido a Severa. Nessa altura teria a sua mãe 56 ou 58 anos, e mudou-se definitivamente da Rua da Amendoeira.A propósito da morte da Severa, achámos apropriado citar algumas estrofes a ela dedicadas:

Morreu, já faz hoje um anno,

Das fadistas a rainha.

Com ella o Fado perdeu

O gosto que o Fado tinha.

Chorae, fadistas, Chorae,

Que a Severa se finou.

O gosto que tinha o Fado,

Tudo com ella acabou.

O Conde de Vimioso

Terrivel golpe soffreu,

quando lhe fôram dizer:

«A Severa já morreu».

Na casinha onde habitava

A mundana tão famosa,

A turba silenciosa

Seu cadáver contemplava.

Ali tudo só passava

Em que o seu rosto formoso

Não par`cia angustioso;

E a companhia que estava

Dizia que só faltava

O Conde de Vimioso.

In “FADO, UM MODO DE SER PORTUGUÊS” de Maria Ana Bobone