Andy Warhol
As actividades artísticas de Warhol baseavam-se num conceito alargado de arte. No entanto, as suas premissas não eram universalistas, faltando-lhes a dimensão utópica. Warhol foi o único dos grandes artistas pop que não elevou as imagens da cultura de massas através dos meios estéticos; deixou ficar esses monumentos de papel, cartão e lata com toda a sua brutalidade e banalidade, chegando mesmo a intensificá-los, colocando-os em séries de filas e multiplicando-os. Empilhando simples embalagens inutilizadas, produziu esculturas que pareciam anunciar já os alvores da estética rígida da Arte Minimal.
Com latas de sopa, construiu pirâmides representando a superabundância e elevou Marilyn Monroe, o anjo do pecado dos filmes de Hollywood, ao nível da Mona Lisa de Leonardo da Vinci.
«Tudo é belo», era a sua divisa, e a atitude de distância — fictícia ou real — de impassibilidade e desinteresse que apresentava em público, com a indiferença abúlica de um drogado, tornou-o a viva personificação do homem médio que se limita a encolher os ombros perante as notícias de eventuais catástrofes. (…) Warhol só registava os factos.
Para Jean Baudrillad, o estudioso francês da civilização, a verdadeira desgraça consiste já no facto de poder ocorrer uma desgraça. (…) Warhol compreendeu que a agitação através da arte servia apenas para manter activa uma gigantesca máquina do espectáculo. Centenas de retratos de Marilyn destroem o aparente carácter único da imagem que, como imagem fotográfica, apenas simula, de antemão, a realidade. Só quando ela se torna independente, quando se liberta daquele a quem deve a sua existência é que se torna um factor autónomo da moderna sociedade de consumo. A imagem absorve literalmente o seu modelo, fá-lo desaparecer. A morte física de Marilyn Monroe, por mais trágicas que tivessem sido as circunstâncias que a rodearam, confirma a superioridade da imagem; porém, as suas características individuais e as suas exigências ficam reduzidas a amáveis ou inoportunos caprichos, conforme o ponto de vista que se adoptar.
Warhol é o primeiro artista de pós-vanguarda. A sua criação artística reflecte o devir daquela realidade paralela constituída não só pelas peças de cenário da paisagem tecnológica mediática, como também pelos slogans da sociedade de consumo. Contudo, Warhol foi quem compreendeu primeiro as consequências desta evolução para a arte contemporânea e tornou-se o seu promotor. Como americano pragmático, embora ainda capaz de contemplar o seu país e a sua civilização com os olhos surpreendidos de um estrangeiro, procurou influenciar todo o processo, em vez de se deixar esmagar por ele.
Ao lançar a revista de arte Interview, que veio a assumir uma grande importância, criou um instrumento que conciliava os domínios da estética erudita e o da cultura de massas, que se haviam distanciado um do outro. Durante algum tempo, dirigiu mesmo um célebre grupo de música Pop, o Velvet Underground. Possuía um extraordinário instinto para detectar a vitalidade de um movimento cultural em que audazes inovações se combinavam com modelos triviais e padronizados, fórmulas comerciais com puras criações de Vanguarda, o sentamentalismo piegas, temperado com claros apelos à razão. Warhol colocou-se à frente deste movimento, emprestando, assim, uma essência prática ao conceito da Vanguarda. Para isso, Warhol teve de encontrar um difícil equilíbrio, no que foi ajudado pelo seu instinto inato para se mover em ambientes artificiais. Mesmo o repugnante ataque que uma célebre feminista extremista perpetrou contra Warhol e contra a legendária «Factory», essa fábrica de produtos estéticos e comerciais, não pareceu mais do que uma espectacular encenação — embora desta vez fosse totalmente involuntária.
Ao contrário de Beuys, Warhol não considerava a transformação da vida para a cena artística uma grande perda e também não lamentava a naturalidade e a espontaneidade perdidas. Aceitava a natureza artificial da realidade, da qual fez tomar consciência através de uma estratégia de reprodução repetitiva e infinita (…). Os seus retratos de Beuys revelam como era um bom observador da cena artística. Na galeria das celebridades de Warhol, Beuys surge em pé de igualdade com estrelas e superestrelas do mundo do espectáculo, da política, da economia e da história. A mensagem de Warhol era esta: ninguém pode escapar ao turbilhão dos mass media comerciais, a não ser que renuncie à divulgação das suas ideias, caso contrário, terá, necessariamente de fazer o seu jogo.
Warhol dominava este jogo até à perfeição. Era a força motriz e o objecto do jogo e da máquina que prometia uns breves momentos de glória. Segundo os seus amigos, foi esta ideia da glória — ou melhor, de publicidade — que impulsionou o artista desde o princípio. Realizou perfeitamente o jogo, o único que tem o reconhecimento ilimitado da sociedade ocidental. Fez o jogo com mais honestidade do que qualquer político ou estrela de cinema — sem utilizar qualquer cobertura moral ou autocompaixão. Deverá um artista ser moralmente íntegro para ser aceite como tal? Esta questão era absolutamente irrelevante para Warhol. O seu mundo artístico não era um mundo sem moral, era um mundo que estava para além da tradicional moral, um mundo de sósias e de pessoas perfeitamente idênticas que desempenhavam sempre novos papéis sem, no entanto, perder de vista o seu objectivo de constituírem o foco das atenções gerais.
«Andy executou quadros e desenhos, produziu esculturas e filmes. Escreveu uma peça de teatro e um romance. Ilustrou um livro de cozinha e participou em filmes. Possuía um clube nocturno e publicou uma revista. Foi realizador de filmes publicitários para a televisão, participando mesmo nalguns. Tornou-se fotógrafo e modelo. A única coisa que tentou, sem nunca obter êxito, foi, talvez, ser estrela de rock. O próprio Andy contou ter formado um grupo em conjunto com Walter de Maria, Lucas Samaras e Patti Oldenburg, mas estes, ao fim de alguns ensaios, não o deixaram cantar mais. Daí ter-se tornado empresário do Velvet Underground» (Gleen O’Brian).
Warhol citava e assimilava os mitos do mundo de consumo resplandecente que se apoderam da pessoa, mas que não a inquietam como os mitos há muito esquecidos da história da humanidade. A fotografia deu forma a esses mitos e é no aspecto brilhante e superficial da fotografia que se manifesta a sua natureza: assim que é tirada, a fotografia torna-se logo passado; fugaz e, simultaneamente, duradoura, como um reflexo ilusório. Destinada a um rápido consumo, mas susceptível de repetição, pronta para um novo consumo.
Warhol abriu as portas da arte à moda, mas ao fazê-lo, apenas legitimou o que já era aceite. Foi o protagonista mais perfeito da cultura americana, essa estrutura fascinante onde o parecer e o ser se fundem, o modelo e a cópia são permutáveis entre si, já que a imagem fotográfica está logo «ali», tão perto do modelo, anulando toda a distância temporal, de tal modo que, muitas vezes, parece o seu próprio sósia. A profusão de estímulos visuais, o predomínio do presente, o excesso de produtos de consumo, os rituais artificiais da comunicação humana, o desaparecimento da singularidade pela repetição e pela fragmentação — esses fenómenos que atrás se apresentaram resumidamente, sob a forma de tópicos, fundiram-se numa imagem cultural chamada «America» graças às estratégias artísticas de Warhol.
Alemanha/Europa e América, culturas quase opostas: estará uma dominada por obscuros pressentimentos, perante uma realidade desconcertadamente contraditória, com um sentimento básico de catástrofe, procurando refúgio nos mitos do passado, enquanto a outra parece estalar, pejada com um obcecante presente e um brutal optimismo? Beuys, o mágico, e Warhol, o empresário genial da era tecnológica? Os chavões são úteis quando se trata de criar marcas comerciais, mas constituem um obstáculo a uma análise diferenciada. (…)No caso de Warhol, sinais da solidão e do vazio que constituem a base do seu mundo artificial. O ponto comum a ambos os artistas consiste na sua relação com o mito, só que o situam em épocas diferentes. O mito é um resumo da história dos povos pré-históricos, épocas sem história, no sentido historiográfico do termo. Foi na mitologia que se formaram as primitivas experiências do homem que mergulharam nas profundezas do inconsciente. No mito da civilização industrial da moderna sociedade do bem-estar, concentram-se os desejos reprimidos e as secretas ansiedades, os devaneios compensatórios e a nostalgia do paraíso terrestre que se exprimem em símbolos e em imagens metafóricas e que, apesar de toda a cultura escrita, proclamam o poder inquebrável das imagens.
Beuys e Warhol introduziram um novo capítulo na história da arte contemporânea. Nem todas as suas ideias caíram em solo fértil e poucos foram os artistas que compreenderam totalmente a estrutura do seu pensamento estético. Conforme o exigido pela arte dos anos 60, reuniram em si próprios a arte e a vida; um com uma tendência mais para a vida, o outro revelando maior empenho na arte ou, mais exactamente, na artificialidade da vida. É indubitável que construíram pontes para além dos becos sem saída da estética minimalista – um mérito que será sempre deles.
No entanto, com a sua morte termina também um período da arte contemporânea. Beuys ainda criou anti-imagens em oposição à realidade da experiência quotidiana, com suas sedutoras promessas e constantes ameaças; Warhol ultrapassou, porém, essa realidade e como que a neutralizou nas suas «super» imagens. Naturalmente também os seus quadros anti-imagens, mas que se «alimentam» das imagens de uma realidade em segunda mão, produzidas pelos mass media, portanto imagens que reflectem a realidade empírica espelho da «arte» e do glamour.
Excerto adaptado do livro “Arte contemporânea” de Klaus Honnef