CONECTARTE – TRABALHOS DE GAVETA

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As mãos marcadas na porta da casa de banho, pela pressão e transpiração, como se tivesse ficado presa e quisesse desesperadamente fugir. Na verdade não queria.

Na porta não ficaram as marcas das outras mãos que a seguravam pela cintura, enérgicas.

Mãos de amante.

 Os joelhos surgiram do vestido leve e florido, vestido de Verão, descuidado. Os joelhos e uns centímetros de perna acima, aproveitando essa largueza e soltura do vestido. A pele bronzeada e brilhante dos joelhos, início de um percurso.

 A mulher sentada. O homem de pé fingindo não ver. O autocarro arrastando-se urbanamente entre escapes e semáforos, nas grandes janelas desfilando os corpos de transeuntes nos passeios e as cabeças de condutores afundados no amontoado de janelas de automóveis.

 A mulher sentada olhando para a rua. O homem de pé, a mão no varão, os olhos vendo e fingindo não ver.

O homem pensando nos milhares de histórias protagonizadas por toda esta gente que passa na janela do autocarro pergunta-se se não haverá uma, pelo menos, que seja como no cinema:  olharam-se, surgiu acidentalmente um pretexto de conversa e horas depois são já cúmplices de uma noite de amor imprevisto.

A mulher sentada, olhando para fora sem ver, pensa nos inúmeros afazeres do seu dia, como sempre, planificando mecanicamente para que tudo se cumpra como deve.

 Uma travagem brusca e os passageiros inclinam-se em simultâneo para a frente. Os que vão em pé balançam e o homem quase cai para cima da senhora, não podendo evitar o embate da perna esquerda no joelho da mulher.

 Ela olha bruscamente e ele receia ser mal interpretado. Pede desculpa. Ela responde já virando de novo a cabeça para a rua:

–         Não faz mal.

 Inesperadamente a mulher afasta-se da porta da casa de banho e empurra as mãos do homem:

–         Se não me larga eu grito!

–         Não é preciso, eu saio. Pensei que desejava tanto como eu. Desculpe.

 Saíu do autocarro e foi caminhando no mesmo sentido. Não pôde evitar um olhar de esguelha para a janela quando o veículo passou a seu lado. O rosto da mulher passou por ele mas o olhar não denunciou qualquer atenção especial.

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