Ode ao Cristo das Janelas Verdes Quem te pintou triste e secreto,Ó Cristo de olhar vendado,Ó Cristo misterioso,AbandonadoNo Museu das Janelas Verdes,Quem te pintou saudoso,Talvez do Céu, talvez do Homem,Talvez da criação antes da prova,Quem te pintou assim, sereno e encoberto,Imagem novaQue um povo a ti votadoUm dia descobriu?Ninguém conhece o mestre que te viuEnigmático, silencioso,Um Deus, dir-se-ia, envergonhado,Mais que humilhado,VexadoPorque a palavra se cumpriu,Porque na hora precisaOs seus irmãos eleitosO julgaram,O feriram,O mataramE porque ao longo deste tempo interminável,Após a crucifixão,Após a ressurreiçãoO julgamento prossegue,A tortura, o crime,A traição,O deicídio constantemente perpetradoAo sabor da existência quotidiana.Ninguém conhece o pintor, o iniciado,O sabedor do mistérioQue é o longo movimento necessárioDo nosso universo imaginário,Onde tudo é signo e símbolo,Onde o olhar de Jesus, encoberto,Ensina a suprema perfeiçãoDe um Deus capaz de amarE de chorar,De um Deus assassinado capaz de ressurgirE de voltarSem parábolas, sem cifras, sem véusNa plenitude da final revelação.Ah, não, bizantinos sonhadores,Não estetas da Itália,Da França,Mestres da Flandria,Da fria Inglaterra,Da férrea Germânia,Não pintores da Espanha,Vossa não podia ser a exata imagemQue um português criou e jaz sepultaNo Museu das janelas Verdes, em Lisboa!De Ti, sábio Jesus,Promotor do movimento necessário,Homem secreto do futuro cumprido,De Ti fizeram um diáfano celesteDe ouro ornado e neste mundo perdido,Um reflexo do maravilhoso céu sonhado,Entre nós caídoPara que místicamente o contemplássemos…De Ti fizeram um Orfeu ou um Apolo,Querendo idealizar-te à helênica medida,A finita estruturaDo sedutor, estético humanismo…De Ti fizeram um racional justiceiro,Um implacável profeta, um missionárioDa Lei divina,Um Rei,Um General,Um Papa,De Ti fizeram ainda um comerciante de almasDemasiado carnal,Demasiado terreno em cenas burguesas,Em habituais paisagens holandesas,De Ti fizeram um transcendente imperadorQue pela vontade e nela inteligênciaOs homens foi capaz, de dominar…De Ti fizeram um humano angustiado,Primeiro Ator do teatro do mundo,Aflito protagonisa de tragédia…Mas Tu não choras, ó Cristo,Pelo Teu padecimento,Não sais fora de Ti em esgares de sofrimento,Não és o magro asceta castelhano,O torturado místico envolto em sombras,O cadaveroso deformado! |
António Quadros
“Rosto de Deus”, Michaelangelo |