Memória, património e direito à identidade

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No âmbito das cerimónias do 25 de Abril em Sines, uma exposição de docudrama organizada pelo Arquivo Histórico de Sines que incide sobre a duração entre 1926 e 1949 e intitulada Os Excelentes do País.

A iniciativa é fascinante e, na visão geral, destaca-se mesmo por uma originalidade específica. Um património histórico e também social continua a ser do nosso passado recente, composto por inúmeras memórias plurais, que as cerimónias do 25 de Abril, concretamente ao nível do bairro, devem reflectir muito mais do que reflectem.

Mas quando se trata da exposição, as primeiras, a designação – A Bem da Nação – tem uma vibração inusitada. Qual a razão de um título tão equívoco, ainda que baseado na fórmula padrão como a principal comunicação e também as interações do Estado Novo acabadas?

É certo que, se os documentos apresentados são do Arquivo, e também por isso são documentos oficiais, cuidadosamente selecionados, emana uma parte significativa do que foi a vida entre o golpe vitorioso do exército em 1926 e as eleições políticas presidenciais de 1949. A herança docudrama de que estamos falando, é claro, mas também se trata de memórias, que são avaliadas do lado oposto do espelho, revelando claramente a policromia da vida.

Há um exemplo claro disso no evento.

Estes são dois trabalhos daquele tempo terrível, a batalha civil na Espanha, cujos impactos foram sentidos nos próximos anos. Numa delas, o vice-presidente da Câmara denuncia ao comandante de área da PSP um casal espanhol com dois filhos, que permaneceu em Sines. Na outra, o comandante da polícia ordena a sua captura, pois era um agregado de refugiados espanhóis que tinha conseguido escapar à vigilância na Funcheira quando estava a ser levada para a fronteira.

  • Pode-se ver a dramatização destes familiares, com filhos de 2 e 8 anos. A volta à Espanha, entregue à Guarda Civil de Franco, implicava apreensão, separação ou, pior ainda, recapitulação da execução.
  • No entanto, seus nomes foram cuidadosamente removidos pela empresa da exposição – como se hoje, a sessenta anos, ou muito menos, pudesse sugerir qualquer coisa para reconhecer os nomes desta casa de espanhóis, indivíduos reais, com nome e identidade, sofredores no pleno sentimento das ditaduras de Salazar e também de Franco.

Esse critério ridículo de expurgar nomes é muito mais restritivo do que a própria lei de arquivos; norma que, em condições comparáveis, o Instituto dos Arquivos Nacionais/Torre do Tombo não utiliza.

Os expurgos abundam na exposição, como nos 14 nomes que integravam a listagem dos órgãos sociais da atividade desportiva de Lisboa e Sines, que o Governo Civil Federal de Setúbal não teria aprovado depois de passar pelo ecrã dos dados policiais, que detalhes transcritos na frente dos respectivos nomes, atualmente expurgados, de “bem comportado” a “comunista sofisticado”.

  1. Especificou que a alcunha extrema do supervisor de uma fábrica de conservas foi expurgada do local de trabalho onde a PIDE precisava de sua identificação completa.
  2. No entanto, experimenta a vida do evento, expressões da vida económica, social e cultural de Sines.

Assim como a vida política, certamente.

Nos registos referentes a este quase quarto de século, vê-se o procedimento de diferenciação política operado nas elites regionais, o percurso de alguns do Grupo de Defesa dos Interesses de Sines em 1926 ao Grupo Renovação, editor de um jornal de mesmo nome, já para a Parceria Republicano-Socialista;

Percebe-se o poder das famílias Pidwell na situação econômica e cultural do bairro; avalia-se o valor de pessoas como Clemente José Pita ou Higino Espada encontrando o programa em um ambiente pequeno; toma-se a medida do grande ciclone de 1941, arrancando árvores, telhados de casas, irritando o mar…

  • Encontra-se igualmente na exposição uma coleção excecional de fotografias antigas da época, ilustrando Sines bem como os seus ambientes que, fazendo parte do acervo da Câmara Municipal, constituem um elemento valorizador da memória e património de Sines, que deveria ter de ser registrado.
  • Os percursos da memória e do património convergem com os da História e merecem ser alargados, no sentido de recuperar aos bairros vistas sobre o seu passado e também o que dele continua a ser em termos de componentes expositivos, aqui mesmo no contexto da convocação do 25 de abril que derrubou uma ditadura de quase meio século.

Não são, face a estas diferentes memórias sociais, pena ou preocupação dos rótulos, os apelidos daqueles que hoje, em várias escalas e também segundo diferentes estratégias, opções e perspectivas, fazem parte da Background; porque eles, todos eles, tinham vida própria, uma existência genuína, direito a um nome e à posteridade.

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