
(Antropóloga e docente universitária)
Apologia da diferença
Sendo solteira e trintona candidatei-me a tia para toda a vida. Aprecio o meu próprio ritmo felino que invejo nas gatas que tenho. Sei que uma opção de vida tem custos mas também tem os seus benefícios e um deles é ter um sofá grande só para mim.
Se o destino de cada mulher fosse inevitavelmente o casamento e a maternidade, então as solteiras seriam uma verdadeira aberração. Ainda assim, a sociedade continua a achar que “há qualquer coisa que não bate certo” e a verdade é que apesar de estarmos já no século XXI também ainda não sabem bem como lidar connosco, aqueles que ainda não foram “amarrados”.
Vejam o meu caso: vivo numa pequena comunidade que constitui o centro da cidade de Setúbal. Quase todos os moradores desta zona são pessoas idosas e se os jovens escasseiam, as crianças são uma miragem. Às vezes sinto que os meus vizinhos masculinos me olham com desconfiança e murmuram conspirações cinzentas, onde o meu nome está envolto pela brumosa ventania que me traz os boatos.
Uma mulher solteira é um perigo porque é um modelo que pode ser copiado. Imaginem agora que uma rapariga ganha para os seus botões e não tem de os cozer? Claro que depois existem as indagações e os porquês: desgostos de amor, dedicação incansável ao trabalho e à progressão na carreira, preenchimento dos tempos livres com os filhos das amigas, dádiva solidária a múltiplas associações sociais e culturais, partilha da casa com centenas de livros e de roupeiros a abarrotar de roupa e de sapatos, dedicação amorosa à família. Enfim, então e o príncipe encantado, e os netos que não são dados a tempo e a horas a pais desejantes de carinhos – extra? A pressão é muita meus amigos, duríssima!
Todas as sociedades, segundo o seu grau de tolerância, sempre lidaram diversamente com a diferença. Esta incomoda o que já está feito porque é uma ameaça incontornável. Quando a diferença é constatada significa uma brecha que pode levar a uma nova “Idade do Gelo” mas desta vez sem esquilo. O direito à diferente opção sexual de cada um, a decisão políptica minoritária, a religião “importada”, a reconfortante solteirice, a pertença a uma minoria étnica, seja o que for que saia do “caminho” ,é uma chatice para os adeptos do totalitarismo, quer de direita, quer de esquerda. Bem vinda a tolerância, amiga inseparável de uma democracia que se quer activa e mais participativa.
De facto, é caso para perguntar: quem é que ainda não atingiu a maturidade? Aqueles que são a maioria ou as minorias que ultrapassam nomeadamente as fronteiras pré – definidas? Os riscos de penalizações são grandes e quando falo nelas, não me estou a referir a sanções jurídicas, mas por exemplo à opinião pública, que se acha no direito de julgar com um olhar censurador aqueles que usufruem da sua inteira liberdade.
É assim que actualmente faz todo o sentido caminharmos, ou tentarmos caminhar, para uma cada vez maior via humanista, em que cada ser humano não fique circunscrito a uma única faceta, mas que, numa polivalência de opções possa escolher aquela que mais lhe aprouver. Sem ressentimentos nem amarguras, apenas uma escolha assumidamente pessoal e por isso mesmo especial e digna.