Os “órfãos” do Zeca continuam a facturar
Há treze anos o País perdia um dos seus símbolos vivos da Liberdade: José Afonso.
A cidade viveu nesse dia 23 de Fevereiro um dos momentos mais importantes em que foi possível afastar os pontos de vista de discórdia, e, em união, todos ficarem em torno da figura do cantautor de “Grândola, Vila Morena”.
Hoje, num quadro do cemitério de Nossa Senhora da Piedade, em Setúbal, repousam os gestos mortais do cantor, cujo túmulo é visitado por poucos mas recordado por muitos. Mas, nos palcos, continuam a facturar os “órfãos” do Zeca.
Na verdade, quer nos anos imediatamente anteriores como nos posteriores ao 25 de Abril de 1974, o panorama da canção portuguesa levou uma volta qualitativa. Estávamos na altura da canção-mensagem, da canção-arma, já numa fase posterior das baladas. José Afonso foi o pioneiro desse tipo de intervenção e por isso, e à sua volta, se reuniram um conjunto de nomes, que nos dispensamos de pronunciar, mas que gravitavam à volta do cantor.
Era o Zeca que lhe dava nome, que pouco a pouco lhes foi dando fama e que lhes deu palco, até porque viviam na sua sombra e nessa altura isso era importante. Iniciaram-se no panorama artístico, mostraram a sua qualidade (que não pomos em dúvida) mas o certo é que depressa se esqueceram do Zeca. Assim, após a sua morte as criaturas começaram a esquecer o criador e, enquanto Zeca cantava por militância e convicção e não por princípios materiais, as criaturas hoje facturam em grande escala, não somente nos espectáculos normais, mas também quando esses espectáculos são em memória ou homenagem ao Zeca. Mesmo quando lhes é solicitada a participação em espectáculos como as “Cantigas do Maio”, não se coíbem de pedir cachets que hoje fariam corar o Zeca.
É evidente que esta critica não é pela forma de levarem dinheiro pelo seu trabalho, mas sim pelo facto de nem a memória do seu criador respeitarem, muito embora nunca se esquecerem de dizer da sua estreita ligação ao autor de “Os vampiros”.
Na verdade, e salvo excepções, os “órfãos” do Zeca continuam a facturar à sombra da sua memória, as criaturas, treze anos depois, continuam a viver à sombra do nome do seu criador. Mas a viver melhor, muito melhor, com algum aburguesamento à mistura, com a habitual dose de ‘socialite’, defendendo um tipo de sociedade totalmente oposta àquela que o Zeca defendia. Apreciação que é extensiva e critica também àqueles que integravam o círculo de amigos e que pouco vão fazendo pela memória dele.
Também Setúbal, terra que escolheu para viver e onde está sepultado, lhe tem sido madrasta. Depois de criar condições para que as “Cantigas do Maio” deixassem de ser feitas na cidade, deixaram que se fechasse o Círculo Cultural de Setúbal, que o Zeca ajudou a fundar e pelo qual nutria especial carinho. Mais grave no entanto é ter sido dado o nome de José Afonso a um Parque, que, em vez de local nobre, é das artérias mais controvérsias da cidade, um verdadeiro mini-kosovo. Por isso temos feito nossa uma luta que deveria ser também, não só da Associação José Afonso, como de todos os democratas, pela dignificação do Parque que está ao abandono, sendo afectado pela chuva no Inverno e pelo pó no Verão. O nome do Zeca deve ser dignificado e não obstante as constantes promessas da Câmara Municipal de Setúbal, a situação continua na mesma: o Parque José Afonso é a vergonha da cidade. Todos os leitores deveriam, agora, que se comemora mais um aniversário da morte do Zeca, escrever ao Presidente da Câmara Municipal de Setúbal pedindo urgência na recuperação do Parque José Afonso.
Destas criticas escapam os jovens; escapam aqueles que, sem o terem visto nem o terem conhecido, mantém viva a sua memória, comprando os seus discos, decorando as suas canções e fazendo dele um ídolo. É a juventude que mantém viva a memória e os ensinamentos do Zeca porque dos seus seguidores e dos seus amigos pouco há a esperar.
Em treze anos sem o Zeca, o País perdeu uma das vozes mais autorizadas e respeitadas na defesa dos explorados e oprimidos, luta que mesmo hoje, os seus seguidores vão amolecendo através do “diálogo” que tem anestesiado muita gente.
Mas o Zeca continua vivo e presente.