[ Edição Nº 137 ] – DA CAIXA DE PANDORA por Domingos da Costa Xavier.

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DA CAIXA DE PANDORA
por Domingos da Costa Xavier
(médico veterinário)

Um açaime para alguns donos!

          Aficcionado (e devoto) que sou, não tenho memória de que alguém tenha expressado sentimentos odiosos, porque por puro infortúnio do toureiro, um toiro o brindou com uma cornada. Dizemos até resignados que os toiros dão as cornadas e que Deus as reparte.

Quero com isto dizer, que é pacífico e aceite entre gente bem formada, que os animais em respeito à sua idiossincrasia e atávico instinto, assumam comportamentos lesivos ao homem, até porque sabemos antecipadamente os riscos que corremos ao enfrentá-los. Que vos diga que na minha prática clínica já tenho sido brindado com uns bons sustos, e assumo que a culpa é exclusivamente minha, ou porque confiei, ou porque negligenciei, ou até porque me transmitiram informações erróneas em que com alguma dose de ingenuidade acreditei.

É óbvio, que não é por acaso que profissionalmente me dediquei aos denominados grandes animais; quando frequentava os bancos da Escola Veterinária, bem cedo me apercebi que o problema do cãozinho e do gatinho muitas vezes não residia no pobre bicho, mas no seu dono(a), e confesso que não tenho saco. Em regra, malgrado as alterações de saúde dos animais existam, ao demandarem a consulta, os proprietários transferem para os animais os seus próprios problemas, e, é difícil filtrar o que dizem. O dono cardíaco imagina sintomas do foro para o seu cão, o diabético faz o mesmo e por aí fora; não raro necessitamos de um questionário contraditório para apurar a verdade, um pouco como os pediatras são obrigados a fazer para se livrarem da “sabia” opinião de algumas avós.

Importa também que se considerem as questões do foro puramente afectivo, e posso-vos garantir que é um caso muito sério, quando por exemplo, um clínico se vê obrigado a recomendar um abate. Na clientela dos grandes animais é muito mais lógica a aceitabilidade do desaire, mesmo quando existem em relação ao animal boas doses de afecto, como frequentemente ocorre com os proprietários de cavalos.

Isto acontece assim, porque para com os grandes animais raro existem transferências de sentimentos, ao invés do que acontece com a posse dos pequenos, os chamados animais de companhia, em que frequentemente de forma doentia, por vezes nem sabemos quem é quem, tal transferência existe apesar dos possuidores serem de vários tipos.

O rural em regra é o mais racional dos donos, mas na fauna urbana de proprietários as coisas complicam-se. Desde a velhota para quem o animal é mesmo companhia (e substituto de carinhos de família) ao proprietário novo rico para quem é importante o animal de “boa marca” e que considera que um “cuidado com o cão” afixado no portão da casa nova lhe reforça o estatuto, ele há de tudo.

É esta última camada e seus seguidores e acólitos que constitui o maior problema, visto que o que lhes dá gozo possuir, é o bicho que de imediato possibilite se veja que custou uns bons cifrões, e acontece que alimentar tal procura tem justificado os mais inefandos erros. Produz-se para a moda, e a moda agora são as feras. Tantos são os cães de ataque que por aí andam, armas mortíferas sem patilha de segurança, que devia ser obrigatório, em analogia com o que se passa com as armas, que os donos possuíssem licença de uso e porte de cão.

A sociabilidade dos cães é coisa que traduz a personalidade dos donos, e mesmo os cães que são geneticamente perigosos se podem revelar bons amigos, se para tanto forem educados. Mas não, que gozo é que um palerma pode ter em andar a passear uma fera que não meta medo a ninguém?

Quando passeiam têm que se sentir os donos do cão e os donos do mundo, têm que justificar em impância o custo das latas de alimento que carregam do supermercado para casa, que aquilo pesa que se farta; ora essa, o que é bom e está a dar, é andar por aí a curtir os medos alheios, que enquanto tal acontece talvez se esqueçam os próprios. Interessa parecer importante via cão, e é claro que cada um escolhe para parecer as vias porque melhor se sente a andar.

Enfim, é lá com eles, e só é pena que as consequências sejam sentidas por terceiros. Há pouco noticiavam os jornais que um Pitt Bull tinha de tal maneira amarfanhado o pescoço do dono, um jovem de vinte e tal anos, que o matou. Coisas de família, embora lamentáveis, que lamentabilíssimas seriam se acaso o morto fosse uma infeliz e desprevenida visita.

Nada acontece por acaso, e assim sendo, juro–vos sob palavra de honra, que estou farto de ver maus comportamentos aos donos de tais cães. Palavra que mereciam um açaime.