CRÓNICA DE OPINIÃO
por João Bárbara
(Membro do Movimento dos Cidadãos pela Arrábida)
O charme (pouco) discreto da hipocrisia
A visita surpresa efectuada ao Outão pelo Ministro do Ambiente José Sócrates, a propósito do desmantelamento da fábrica velha e de um suposto programa de requalificação ambiental promovido pela empresa Secil, teve os contornos de uma manobra mediática de charme, ao mesmo tempo reveladora de uma hipocrisia sem limites.
Hipócrita, porque se sabe que a fábrica velha já está desactivada há muitos anos. De modo que desmantelá-la agora não é fazer favor a ninguém.
Hipócrita, porque a Secil e o Ministro sabem que do ponto de vista contratual, a Secil está obrigada a reflorestar a imensa área que destruiu.
Hipócrita, porque não há requalificação possível para reparar todos os danos que a Secil causou à Serra da Arrábida, que é parte integrante de um parque natural inscrito na rede Natura 2000.
Hipócrita, quando se pretende apresentar a co–incineração de resíduos industriais tóxicos e perigosos como parte integrante desse processo de requalificação.
Hipócrita, porque a Secil sabe e o Ministro também, e se não sabe devia saber, que a Secil está a fazer descargas supostamente ilegais de carvão e de clinquer no cais das antigas instalações da Eurominas (a montante no rio, perto da Setenave ), e não o faz no seu próprio cais porque ( como é um processo muito poluente) perderia a classificação ISO 9000, que como se sabe, foi um dos critérios que fez com a co-incineração lhe fosse atribuída.
Hipócrita, quando se sabe que a Secil foi uma das empresas que financiou o Partido Socialista. Partido que está actualmente no Governo, na autarquia de Setúbal e a que o Ministro Sócrates pertence. Questionado sobre esta matéria o Sr. Queirós Pereira, administrador da Secil, diz que está tudo legal e que a Secil financia os partidos que têm um projecto de sociedade mais de acordo os seus ideais. Esclarecedor! ( Supõe-se que um dos ideais de sociedade do Partido Socialista que A Secil compartilha, é o de colocar co-incineradoras em parques naturais).
Hipócrita, porque resulta claro que ninguém optará por Setúbal como destino turístico, quando souber que na região está instalada uma co-incineradora de resíduos tóxicos e perigosos.
Hipócrita e arrogante, a atitude do Ministro quando considera a co-incineração um facto consumado. Ora, numa altura em que se está em fase de consulta pública, é caso para perguntar para o que é que esta serve?
Finalmente hipócrita, porque pretendendo-se requalificadora, não se percebe como é que um sistema de co-incineração de resíduos tóxicos e perigosos se irá compatibilizar com o desenvolvimento sustentado da região. Para mais quando se sabe que estão projectadas uma série de industrias químicas tóxicas para a zona da Sapec ( mais ou menos subsidiárias da co-incineração), como é o caso do Aterro de Resíduos Industriais e outras como o Terminal de Líquidos a Granel, a Lisnave, a Quimigal, a Tecnogomes, etc.
Com tanta e óbvia hipocrisia, estou certo que a população de Setúbal e dos concelhos envolventes não se deixarão envolver por cantos de sereias tão desafinados e saberão dar a resposta adequada no momento oportuno.