[ Dia 27-04-2001 ] – ENTRE LINHAS por Brissos Lino.

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ENTRE LINHAS
por Brissos Lino (dirigente associativo) A questão religiosa

O que mais admira no meio disto tudo, em matéria de política religiosa, é que tenham sido necessários vinte e sete longos anos para alterar uma lei do marcelismo, e mesmo assim timidamente.

A lei da liberdade religiosa que está na ordem do dia, em sede de poder legislativo, tem o mérito de vir responder a parte das aspirações das minorias religiosas, que tão maltratadas têm sido pelos poderes públicos, tanto no tempo da Ditadura como no regime democrático.

Salazar, acolitado pelo seu amigo Cerejeira, simplesmente ignorava tudo que fosse além do catolicismo, Marcelo Caetano reconheceu na lei dos inícios da década de 70 uma evidência incontestável, isto é, a existência de comunidades religiosas por todo o país, e os governos pós-25 de Abril não têm feito outra coisa senão fechar os olhos à existência e às legítimas aspirações de cidadania de significativas franjas da sociedade portuguesa que se vêm obrigadas a ser uma espécie de cidadãos de segunda classe.

Podemos dizer, portanto, e em tempo de efeméride, que o 25 de Abril ainda não chegou à área religiosa.

Não custa perceber o porquê desta situação. É que todos os políticos, sem excepção, da direita à esquerda do espectro político, têm procurado ser “mais papistas que o papa”, não querem privar-se do voto maioritário dos católicos nem desagradar à igreja tradicional. Só à medida em que se têm vindo a aperceber da força destas minorias, da sua implantação social e do seu valor eleitoral é que começaram a admitir a hipótese de se debruçarem sobre as suas aspirações e necessidades. Recorde-se que o PS falhou a maioria absoluta nas últimas legislativas por um único deputado.

Mas há um outro aspecto não menos relevante que importa registar: a confrangedora ignorância em matéria religiosa, não só da classe política mas também da esmagadora maioria da comunicação social. Basta ver com atenção as legendas dos filmes americanos, por exemplo, ou a recorrente asneira de chamar “evangelistas” aos evangélicos.

Todavia, temos que concordar que grande parte da culpa desta situação só pode ser atribuída às igrejas e religiões que não têm sabido lutar pelos seus direitos, preferindo carpir as mágoas, e que ainda não entenderam que Deus pode estar acima de tudo mas que César também tem o seu lugar.

Habituados ciclicamente à perseguição, à intolerância, à injustiça e à indiferença, por parte dos poderes públicos, as igrejas e religiões preferem uma atitude fatalista, bem ao jeito português, a fazerem ouvir a sua voz.    

Se esta é ou não a melhor lei de liberdade religiosa, não me parece que seja o mais importante a discutir nesta altura.

É um pouco como se perguntássemos a um cego total se gostaria de ver, pelo menos de um olho. Decerto não o recusaria.

Quanto ao outro olho, por este andar, talvez daqui a outros trinta anos…