CARTAS DE MAREAR
por Mendes Ferreira (ortopedista e médico do trabalho) Em nome da esperança Sou da geração que ainda tem na memória o que representou de esperança aquela madrugada em abril de 74.
Sou dos que imaginaram que a liberdade devolvida aos cidadãos lhes iria trazer a felicidade natural que representa o ser inteiro.
Sou dos que pensa que a democracia é o “modus vivendi” natural.
Mas, fazendo uma viagem retrospectiva devemos também fazer um balanço ao comemorar esta data.
Que fizemos nós da liberdade?
Podemos falar livremente?
E o que muda quando falamos?
Podemos eleger livremente os nossos representantes?
E o que fazem eles com o nosso voto?
Pagamos mais ou menos impostos?
E o que fazem eles com o nosso dinheiro?
Estamos num país mais justo?
E o que acontece aos criminosos? – São presos ou libertados?
Os nossos filhos têm melhor acesso ao ensino?
E o que lhes acontece depois?
Foram construídos mais hospitais?
Gasta-se mais dinheiro na saúde?
E como somos tratados se estamos doentes?
Construíram-se mais estradas e auto-estradas e podemos comprar carros melhores e mais seguros?
Mas, morre-se mais ou menos ao volante?
A habitação e construção aumentou?
A sinistralidade no trabalho diminuiu?
Deixámos de estar “orgulhosamente sós”. Mas, o que acontece quando nos comparamos com os nossos parceiros?
Se o conjunto de respostas a estas e muitas outras questões não foi inteiramente do seu agrado pode ter a certeza que você é co-responsável.
É mais cómodo dizer que a culpa é do governo dos patrões…, dos sindicatos…, da polícia…, dos magistrados…, dos médicos…, dos alunos…, dos professores………
Dá uma sensação de alívio porque nos vitimiza. Mas não resolve o problema.
Tudo isto funciona mal porque caímos todos num grande equívoco.
Em 25 de Abril de 74 deveríamos ter tomado nas mãos não a liberdade mas sim a cidadania. Aquela então viria por inevitabilidade.
Tratam-nos por contribuintes e não como cidadãos, porque o permitimos.
Tratam-nos como utentes e não como doentes, porque como cidadãos o abdicamos.
Tratam-nos como papalvos em tempo de eleições porque o cidadão fecha os olhos.
A crise de que hoje nos queixamos é tão somente uma crise de cidadania. Que cada um de nós assuma o controlo do que os deveres e os direitos de cidadão lhe impõe. E então sim!
“O Povo é quem mais ordena”
Porque você – cidadão – o exige.