[ Dia 29-05-2002 ] – Grupo de Teatro O Bando fala de eutanásia através de Miguel Torga.

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Grupo de Teatro O Bando fala de eutanásia
através de Miguel Torga

“Remeter para a ideia de sonho ou pesadelo luminoso, dependendo da sensibilidade de cada um, isto apesar de o conto ter a morte como tema”, é o efeito que pretende conseguir João Brites, director do teatro O Bando, na apresentação do espectáculo “Alma Grande”, que estreia amanhã (30 de Maio), em Vale de Barris, Palmela. “Alma Grande” é a adaptação cénica de um conto de Miguel Torga, incluído na obra “Novos Contos da Montanha”. Esta é a segunda obra deste autor que O Bando leva à cena, a primeira foi “Os Bichos”.

Ao encenar “Alma Grande”, João Brites diz que não pretende “passar nenhuma mensagem em especial”, até porque na arte “a liberdade implica que a mensagem seja o que fica registado na mente de cada espectador”, e muitas vezes o que fica “são apenas imagens, fragmentos do trabalho de um actor”. No entanto o encenador acha que o tema desta peça pode ser uma “desmistificação, de modo a que a morte seja encarada de uma forma mais natural”.

“Alma Grande” é um conto que fala de uma figura que dava o golpe de misericórdia nos moribundos, os textos etnográficos “consultados indicam que se tratava de uma população de cristãos novos, que queriam continuar a manter os seus rituais de morte, como aliás acontece em várias civilizações”, porém este conto pode ser “apenas uma história”, afirma João Brites, que não considera que o personagem principal tenha uma conotação tão negativa, “prestava apenas um serviço à comunidade”.

Apesar do conto “Alma Grande” se debruçar sobre a morte assistida, uma vez que o abafador, como é apelidado o personagem central, era chamado para minorar o sofrimento dos doentes já desiludidos pelo médico, o director do Bando, refere que “muito provavelmente Torga não terá pensado propriamente em eutanásia”, no entanto esta “possibilidade não é de descartar dado que, como médico, Miguel Torga deverá ter-se confrontado com esta realidade”.

Para o encenador “mais chocante que a eutanásia, é as pessoas recorrerem ao suicídio para minorar o sofrimento, um acto trágico e solitário”, como ainda hoje é praticado no Alentejo, por muitas pessoas idosas. “A sociedade deveria encontrar soluções mais dignas, que servissem de alternativas a estas pessoas”, salienta João Brites.

Para o director de O Bando, a escolha deste texto, para além de se debruçar sobre um tema actual, tem a ver com o facto “da morte ser uma parte integrante da vida, que deveria ser encarada de forma mais natural e menos aflita”.

O público vai assistir ao conto de Miguel Torga representado por dez actores e três músicos, suspensos numa estrutura metálica e ao ar livre, como aliás é prática deste grupo em Vale de Barris. O espectáculo já foi apresentado no “Cantigas do Maio”, no Seixal, ainda que em condições diferentes, “mas o público parece ter reagido bem”, pelo que João Brites espera ter muitas pessoas a assistir a Alma Grande durante o mês de Junho.

Depois de um mês em exibição em Vale de Barris, O Bando espera poder levar o seu trabalho pelo país e para o estrangeiro, até porque é necessário recuperar algum do investimento, sendo que uma produção desta envergadura “atinge perto de 100 mil euros”, explica João Brites. seta-2642078