[ Dia 24-07-2002 ] – ASSENTO PARLAMENTAR por Heloísa Apolónia.

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24-07-2002 

ASSENTO PARLAMENTAR
por Heloísa Apolónia
(Deputada de “Os verdes” eleita pelo distrito de Setúbal)


Agir pelo ambiente… para quando?

É inconcebível que, face a situações de grave ameaça à saúde pública, o Governo continue a aguardar e a não tomar medidas para a sua rápida resolução.

Toneladas e toneladas de farinhas de aves e bovinos continuam armazenadas pelo país, em condições desadequadas, à espera de uma solução. Algumas dessas toneladas correspondem ao abate de animais contaminados com BSE, e muitas encontram-se em elevado estado de putrefacção. Os cheiros nauseabundos, que quem se aproxima ou reside ou trabalha nas proximidades sente, são insuportáveis e, neste momento, em muitos locais coloca-se mesmo a questão da contaminação de solos que pode já estar a ocorrer.

Tive oportunidade de questionar quer o Governo do PS quer, agora, o Governo do PSD/PP sobre esta matéria e, se nos preocupava o facto de no anterior Governo assistirmos a respostas contraditórias por parte do Ministério da Agricultura, que afirmava aguardar a co-incineração para queimar as farinhas, e do Ministério do Ambiente, que afinal aguardava pelos aterros para resíduos industriais banais porque assegurava não se tratarem de resíduos perigosos, preocupa-nos sobremaneira, também, as fugas às respostas que o actual Governo tem feito, resultando daí que não tenhamos informação sobre o que este executivo pensa fazer de facto em relação àqueles resíduos.

Entretanto, as toneladas vão crescendo, os armazéns vão esgotando a sua capacidade e os aterros para resíduos sólidos urbanos vão recebendo diariamente mais de 200 toneladas de farinhas animais, solução que todos consideram desadequada, mas que o Governo mantém como prática. Por outro lado, não conhecemos as negociações do INIA com a Administração do Centro Integrado de Tratamento de Resíduos Industriais, em Setúbal, com vista à deposição da produção diária em aterro de resíduos industriais banais, sendo que relativamente aos resíduos em putrefacção e contaminados, depositados na Mitrena, a mesma Administração já garantiu que no seu aterro não entra nem um quilo. Não sabemos também que alternativas estão a ser pensadas e, nomeadamente, se nelas se incluem ou não a valorização orgânica.

Esta situação já atinge há muito tempo proporções verdadeiramente preocupantes e é tempo de o Governo tomar medidas adequadas para a resolução do problema. Exige-se já deste Governo que o faça.

Outra ameaça à saúde pública que não se compadece com mais demoras são os solos contaminados, que têm sido objecto de grande inacção por parte dos Governos e dessas omissões resultaram já suspeitas sérias de contaminação de aquíferos, que podem ter proporções muito graves, na medida em que muitos são recursos hídricos onde se faz captação de água para consumo humano. A incúria das autoridades é verdadeiramente preocupante: lembremo-nos do que se passou em relação à Metalimex, onde durante cerca de 10 anos estiveram depositadas cerca de 43 000 toneladas de escórias de alumínio a céu aberto. No final do seu reenvio, para tratamento, procedeu-se à análise dos solos concluindo-se pela sua contaminação, mas não se atribuindo relação directa com as escórias, evitando assim a sua descontaminação. Lembremo-nos também, por exemplo, do susto que os residentes do concelho do Seixal tiveram não há muito tempo quando se suspeitou da contaminação do aquífero que abastece a população.

Segundo dados da Agência Europeia do Ambiente, só na península de Setúbal, foram identificados 50 locais potencialmente contaminados, o que é bastante significativo.

A Lagoa da Palmeira, onde durante cerca de 30 anos a Siderurgia despejou óleos e lamas químicas, foi objecto de tantas promessas por parte de responsáveis governamentais pela política de ambiente, estabelecendo-se inclusivamente prazos para a solução do problema! Porém, hoje continua nos mesmos termos.

Outro exemplo é a Margueira, de onde a Lisnave saiu, onde esteve activa durante décadas, e aqui parece-me justo saudar a iniciativa célere da Câmara Municipal de Almada pelas acções que tem tomado para garantir a descontaminação daqueles solos, de modo a rapidamente se proceder à reabilitação daquela zona ribeirinha.

Poderíamos dar muitos exemplos por esse país fora, nomeadamente onde a actividade industrial foi ou é mais concentrada e onde as práticas agrícolas são mais intensivas. Mas o que é fundamental fazer é aquilo que a lei 22/2000 claramente estabelece, isto é, que se proceda à publicação da listagem de locais contaminados com resíduos industriais e as medidas de emergência tomadas para a sua identificação, vedação e descontaminação.

Sobre isto o actual Governo não deu resposta relativamente ao que está a fazer, numa área onde é tão urgente proceder, desde logo, à ordenação dos locais por ordem de prioridade de descontaminação.

Nesta exposição, onde me tenho detido sobre alguns atentados à saúde pública, não poderia evidentemente deixar de referir os processos judiciais que a Comissão Europeia decidiu intentar contra Portugal, pelo facto do nosso país não ter cumprido um conjunto de directivas que se relacionam com a qualidade das águas, decorrendo desse incumprimento um conjunto de situações reais que a Comissão considera que põem em causa a saúde pública.

A directiva relativa a substâncias perigosas exige a realização de controlos das descargas poluentes das indústrias e de outras actividades, e Portugal ainda não forneceu os dados relativos aos programas de redução da poluição relativas a cerca de uma centena de substâncias perigosas.

Por outro lado, a directiva relativa aos nitratos tem como objectivo complementar o tratamento de efluentes líquidos, através nomeadamente da redução da poluição proveniente do sector agrícola. Portugal, para além da falta de rigor que atribuiu a alguns limites impostos à quantidade de determinadas substâncias, ainda não designou as mais de duas dezenas de zonas vulneráveis a nitratos identificadas pela Comissão, em áreas tão sensíveis, como por exemplo zonas estuarinas.

Por último, a directiva relativa às águas destinadas ao consumo humano é aquela a cuja infracção a Comissão mais directamente atribui a ameaça à saúde pública. Portugal tem índices de poluição inaceitáveis nalguns parâmetros, especialmente no que diz respeito a coliformes fecais e coliformes totais, expondo as populações a bactérias e vírus desencadeadores de doenças.

A situação em Portugal não deixa de ser preocupante quando, de acordo com relatórios oficiais, se garante que um conjunto da população é servida com água praticamente sem controlo da qualidade microbiológica, cerca de 21% da população é abastecida por sistemas que denotam deficiências de controlo da qualidade da água, quando alguns parâmetros de análise chegam a atingir faltas na ordem dos 50% nalguns locais. Em 2000, cerca de 202 000 habitantes foram abastecidos com água que apresentava contaminação microbiológica e cerca de 33 000 foram servidos com água contaminada com nitratos. Isto dá mais ou menos ideia do panorama que legitimamente suscita grandes preocupações em termos de saúde pública.

A situação é preocupante a vários níveis. É por exemplo grave verificar que, para além da ainda grande carência do país em termos de ETAR, muitas das que existem funcionam mal. É muito preocupante a falta de qualidade das águas balneares. Seria importante ter em conta o estudo realizado pela DECO que confirma a situação precária da qualidade das águas das praias fluviais e a falta de informação ao público. Mas também algumas praias do litoral apresentam níveis preocupantes de poluição, sendo que esta época balnear já assistiu à interdição de frequência de certas praias como Albarquel, Ourigo, Gondarém, Castelo do Queijo, entre outras.

O problema da contaminação das águas para diferentes fins deve constituir uma prioridade de intervenção deste Governo e a defesa da saúde pública não se compadece com mais demoras de acção nem com eventuais desculpas de contenção de despesas.

Nas vésperas da cimeira de Joanesburgo, onde se debaterá o desenvolvimento sustentável nas suas 4 vertentes – ambiental, social, económica e institucional –, é importante que se reflicta sobre as prioridades necessárias para garantir saúde e qualidade de vida aos cidadãos. O que tem acontecido, a continuar a acontecer, levará à maior degradação das condições ambientais do país, com um remendo aqui e outro ali.

Se pensarmos que das 15 áreas sobre as quais Portugal cometeu infracções em relação a directivas europeias, 55% são apenas numa – a área do ambiente precisamente – percebemos a pouca importância que se tem dado à melhoria das condições ambientais do país, e consequentemente à melhoria das condições de vida das pessoas.

É justamente na exigência dessa melhoria de condições de vida que é preciso agir. seta-9968604