[ Dia 09-08-2002 ] – ASSENTO PARLAMENTAR por Luis Filipe Pereira (BE).

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09-08-2002 

ASSENTO PARLAMENTAR
por Luís Filipe Pereira
(membro do Grupo Coordenador de Almada
do Bloco de Esquerda)


Arsenal do Alfeite

O Arsenal que conhecemos implantou-se nesta margem em 1939, foi um estaleiro que durante décadas garantiu milhares de postos de trabalho. Não é difícil encontrar uma sucessão de gerações de avós, pais e filhos que foram recebendo e passando o testemunho dos conhecimentos e experiência adquirida.

O Arsenal do Alfeite, estaleiro de Construção Naval, foi gerador de mão-de-obra qualificada e especializada. A muitos Arsenalistas que procuravam melhores soluções de emprego sobretudo no que diz respeito ao salário, bastava-lhes referir que eram ou tinham sido trabalhadores do Arsenal do Alfeite, para serem admitidos, por vezes sem ter que fazer qualquer tipo de exame. Desde sempre que os Arsenalistas procuraram melhores soluções de emprego, sobretudo devido aos baixos salários que sempre existiram no Arsenal. Foi assim por alturas do arranque em força da Lisnave. O Arsenal viu sair muitos profissionais, que ingressaram nos quadros da Lisnave nos seus tempos aúreos. O mesmo acontecia nas paragens da FISIPE, na CUF do Barreiro, na Siderurgia, em navios estrangeiros ancorados no mar da palha, onde trabalhadores do Arsenal do Alfeite, utilizando os seus dias de licença, faziam trabalhos de reconhecida qualidade e assim conseguiam suplementos interessantes aos seus parcos salários.

Era lugar comum dizer-se que o Arsenal era uma Escola, só não aprendia a trabalhar quem não queria. Os velhos Arsenalistas embora não revelassem todos os segredos, foram responsáveis pela transmissão de sabedoria profissional (deve notar-se que em muitos casos o nível de habilitação literária era apenas a instrução primária).

Eram pessoas muito dedicadas, e de extrema entrega à profissão. A partir da necessidade que sentiram de conhecimentos tecnológicos, criaram Bibliotecas nas oficinas. Estas Bibliotecas (que ainda hoje existem) reuniam não só exemplares de livros técnicos, mas também todo o tipo de literatura que era consumida com regularidade.

Na minha opinião, o Arsenal continua a ser uma Escola. Com resultados muito positivos revelados em trabalhos de qualidade que se realizam diariamente! O Arsenal trabalha para a Marinha, precisa da Marinha! A Marinha também precisa do Arsenal!

Se o Oceano Atlântico continuar a fustigar a nossa costa, se as águas não se separarem a ponto de podermos atravessar o oceano de automóvel, então os navios vão continuar a ser a única solução. Reparar e manter operacionais os velhos, e construir novos, são cenários inevitáveis.

Há quem defenda que o Arsenal não tem hipótese, está obsoleto, não se actualizou nem consegue actualizar-se, dizem também que estrategicamente está mal situado, em Sines é que estava bem! Estas opiniões surgem porque alguém que se coloque sobre os terrenos da Margueira (e que tenha aí interesses… grandes interesses) vê com apetites milionários os terrenos do Arsenal e do Alfeite. “Eles batem leve levemente” como quem tem objectivos, de condomínios privados de muitos milhões, para quem tem muitos milhões e pretende usufruir exclusivamente de toda uma zona privilegiada em termos de situação geográfica. Roubando o acesso ao rio a todo um povo que cresceu e com ele manteve fortes ligações; assim retira-se toda a zona do Alfeite do PDM, num dado momento, dizendo que não há perigo, é uma medida meramente administrativa. Os governos vão adiando investimentos, no fundo o desenho é fácil de analisar: quanto mais tarde se tomarem medidas, mais custos, depois o País está mal, não tem dinheiro, modernizar é caro… e estes terrenos tão apetitosos… Quantos Milhões?!

Vem e vai o PS; vai e vem o PSD… Mas a política, continua a mesma! Trabalhadores quantos são? 1700… já foram mais… isso resolve-se! Que se lixem os trabalhadores! Porque os milhões são mais que eles.

Resistir, não embarcar na conversa da treta, é uma luta dos trabalhadores!

Enquanto trabalhador do Arsenal do Alfeite, já com longos anos percorridos nestes caminhos, tendo aprendido quase tudo o que sei aqui (e ainda é aqui que estou e é aqui que vou continuar!), devo dizer que acredito que é preciso ter atitude, não basta o talento, o problema está na atitude. Os trabalhadores têm direito à formação, não podemos estagnar. Mas o direito à formação também é lutar por ela! Temos que ser exigentes com o nosso profissionalismo. Não podemos acreditar que sabemos tudo ou que a tarefa que realizamos há anos da mesma forma é ainda a melhor maneira de fazer.

Não baixar os braços, não cair em facilitismos armadilhados que se viram contra os trabalhadores. Exigir a ferramenta adequada, o equipamento mais seguro, também é uma luta dos trabalhadores.

Como não tenho uma encomenda de construção de navios para o Arsenal do Alfeite (mas tenho pena), deixo aqui a minha resumida opinião sobre um Estaleiro com tradições no plano da construção naval e em lutas operárias, que foram também escola de vontades de homens e mulheres que mesmo quando deixam o Arsenal não deixam de ser Arsenalistas.  seta-2822723