ASSENTO PARLAMENTAR
por Lígia Penim
(Militante do Bloco de Esquerda )
Estamos bem entregues Há quem se amotine com esta reviravolta na política externa alemã. Dizem, já chegava o provincianismo anti-americano dos franceses e, agora isto, também a Alemanha, pela voz de Schroeder, a afirmar que não está para aventuras bélicas americanas no Iraque. Claro que, para eles, safa-se o Reino Unido de Tony Blair, sempre pronto a qualquer demanda do outro lado do Atlântico.
Pensam, o Conselho de Segurança da ONU deve ‘dar carta branca’ a Bush, tanto mais que os E.U. estendem a sua asa protectora sobre a Europa, que, coitada, não saberia o que quer, nem para onde ia. Não está bem dar-se ao luxo de conciliar árabes e americanos, mas antes, entre Saddan e Bush, escolher o último. Pois, assim ficaria do lado da democracia mundial e não da obscura ditadura do Iraque. Estes argumentos sobem de tom, mas descem de lógica, quando se junta Saddan ao terrorismo mundial dos árabes, em geral, e dos palestinianos, em particular. Será que, nesta escalada de fantasmas, por algum momento pensaram fazer o mesmo raciocínio sobre Bush na sua aliança ao israelita Sharon. Não sou adepta destes raciocínios, mas aquilo que dá legitimidade a um terá de dar também ao outro.
Que confortável e conveniente se traduz para o capitalismo globalizado esta perspectiva. Aquilo que estas posições não têm em conta é que foi exactamente a posição anti-guerra de Gerhard Schroeder que lhe deu a vitória nas urnas. A Europa vive hoje fenómenos eleitorais estranhos, balança-se segundo estações e casos mediáticos, num quadro de crise económica de duração inclassificável, mas muito presente. Apresenta, no entanto, proximidades de outras históricas. Já noutros tempos a crise começou a desenhar-se nos E.U. para, como uma vaga, embater-se na Europa. A visão de Bush não é hoje diferente das historicamente tomadas na política americana. Pensar só no seu umbigo ou no arranjo da sua casa tem sido hábito. Provavelmente, por isto, Herta Dauebler-Gmelin, ministra da justiça alemã, comparou a estratégia de Bush à de Hitler.
“Fazer uma guerra e bombardear inocentes, para emendar os desastres de outra guerra, é uma solução terminal”, dizia Clara Ferreira Alves, no Expresso de 14 de Setembro. Não se pode recorrer à guerra e a ‘bodes expiatórios’ para solucionar marasmos económicos. Bush, talvez saiba ou não, mas ‘morreu’ com o ataque às Torres Gémeas de 11 de Setembro de 2001, porque o não previu e porque, na verdade, as incursões contra a Al-Qaeda foram mal sucedidas, acompanhadas de muito sangue, de muita arbitrariedade, de uma autoridade desmedida e sem julgamento. Ora, Saddan está mesmo a jeito, os discursos contra o seu regime já têm tradição, a identificação do ‘mal’ delineada. Mas não é disso que se trata, é de novo a desproporção bélica, é de novo as populações a morrerem sem saber porquê e, tudo isto, nas mãos de um estado cuja ambição é tomar conta do mundo. Estamos bem entregues…
As questões na Alemanha não podem, por isso, ser isoladas do resto da Europa. Os sociais-democratas foram re-eleitos na Suécia e é provável que o venham a ser na Áustria, mas estas vitórias podem ser perenes. As vozes da esquerda fazem-se ouvir melhor em períodos de crise, a direita deixa a social-democracia recuperar, sem pôr em causa o sistema, amaine os ânimos sociais até ver, porque hoje o desemprego constitui o maior problema europeu e não há economia que se aguente com um nível tão baixo de consumo. Por outro lado, a guerra ficaria à nossa porta, geograficamente tão perto do leste europeu; mas também tão desajustada que salpica toda a Europa de agravamento da crise económica. Ora, foi já em campanha eleitoral que Schoeder teve de enfrentar a maior ‘catástrofe nacional’ desde a 2ª Guerra Mundial, pedindo solidariedade para os desalojados pelas inundações, desenterrando o Estado Previdência na emergência. E, teve como parceiro de coligação o líder alemão mais popular, Joschka Fischer, dos Verdes. O pacifismo precisa-se, é o que quer dizer o eleitorado, deixando indícios fortes ao atribuir uma votação muito significativa nos Verdes.
Isto tudo alerta-nos para um fenómeno novo e particular no eleitorado europeu. Ele pode ter vindo a despolitizar-se, presa de um individualismo céptico e recorrente, mas responde rápido às oscilações que tocam os seus interesses. A Alemanha pode até ser um caso específico. Porém, após as declarações de Schroeder, as incursões militares de Bush perdem toda a eficácia. A França deixou de estar isolada na posição anti-belicista e todos os países que, tal como Portugal, foram excessivamente prestáveis, adquirem um quadro frágil de actuação, tanto interna como externa. A confusão e desinformação que tais posições encerram não passa de desespero que, pelos vistos, nem sempre colhe adeptos entre os eleitores. Cuidado, portanto, políticos, comentadores e jornalistas de direita, talvez precisem de uma reciclagem.