Setúbal na Rede – Como é que surgiu a encabeçar a lista do PS às eleições de 2001?
Carlos Beato – Surgi a encabeçar a lista do PS em Grândola como independente devido a dois factores, primeiro um convite formal endereçado pelo Partido Socialista, segundo porque houve um grande apelo, uma vaga de fundo da sociedade civil, para que eu me candidatasse. À parte os méritos do meu projecto, houve da parte da população de Grândola uma grande vontade de mudança, que justificou a minha vitória a 17 de Dezembro de 2001.
SR – Quando partiu para esse desafio, estava convicto de que poderia ganhar as eleições?
CB – Se eu estivesse convicto de que iria ganhar logo à partida, não era uma pessoa responsável, algo que eu considero ser. Porém, tinha a convicção de que com um projecto que consubstanciasse novos rumos e novas apostas e com uma equipa credível para executar esse projecto, uma equipa e um projecto onde a sociedade civil se revisse, eu tinha a percepção de que era possível chegar lá, o que de facto aconteceu.
SR – Quando foram conhecidos os resultados, qual foi a reacção?
CB – Este foi um projecto participado pelas pessoas, foi construído e partilhado pelos destinatários, que são os cidadãos de Grândola. Foi um projecto que teve a participação de diversos sectores do concelho. Nesse processo de construção, existiram várias situações únicas. A minha apresentação pública, no dia 1 de Junho de 2001, foi a maior apresentação de sempre em Grândola. O meu jantar de apresentação teve mais de 500 pessoas e muitas delas perguntaram-me se eu não estava a pôr a fasquia alta demais. Eu respondi que quem quer ser presidente de câmara tem que pôr a fasquia alta, é esse o confronto que quero ter com a população em geral.
Fomos andando e falando todos os dias com as pessoas. Ao contrário do que acontecia com os projectos das outras forças políticas, nós fizemos tudo de dia e pelas nossa próprias mãos, nós saíamos às 40 e 50 pessoas pelas ruas do concelho, falávamos, colávamos cartazes, distribuíamos panfletos, tudo durante o dia. Existe a prática, nomeadamente após o 25 de Abril, de levar a cabo esse tipo de acções durante a noite, mas nós não fizemo-lo de dia. Dissemos que tínhamos um projecto diferente, com ideias diferentes, uma postura inovadora e as pessoas gostaram de ver os rostos de quem construiu o processo.
Depois, na própria campanha, limitámo-nos a combater ideias e não pessoas, apenas criticámos projectos e omissões. Tínhamos uma equipa que na sua esmagadora maioria era composta por independentes, pessoas sem partido, com várias sensibilidades políticas, pois havia pessoas do PSD, do PS, da CDU, do Bloco de Esquerda e do CDS. Eram pessoas que se identificavam com esses partidos, mas não eram militantes. Foi essa abrangência política que abanou o concelho de Grândola.
SR – O PS local viu com bons olhos essa abrangência e a participação de independentes?
CB – Devido ao facto de ser um projecto inovador houve momentos em que não foi fácil, mas devo dizer com toda a justiça, que os dirigentes concelhios do PS aceitaram e envolveram-se em todo o processo com uma visão muito aberta. O processo de criação desta lista foi considerado modelar ao nível do país, porque não é fácil que, existindo um partido político por trás, uma lista concorrente à Câmara Municipal apenas tivesse um militante do PS e um da JS no meio de onze nomes. Isso não é habitualmente pacífico, mas aqui foi ao nível dos dirigentes, sendo que essa postura contribuiu para a vitória.
Na construção do nosso projecto as pessoas foram chamadas a discutir connosco as mais variadas questões, desde o ambiente ao turismo, o desenvolvimento, problemas de urbanismo, da área agrícola, de transportes, de educação. Tudo isto foi partilhado com as instituições. Perante esta situação, quando chegou o dia 17 de Dezembro, depois de almoço, percebi que a vitória do novo ciclo em Grândola era irreversível, isto porque a afluência às urnas apenas era comparável à das primeiras eleições a seguir ao 25 de Abril, o que apenas poderia indicar um desejo de mudança. Não fazia sentido que o povo que ali se deslocou em grande número, e que fez diminuir em 10% a abstenção em Grândola, não tivesse apostado na mudança de rumo político. No dia 17 de Dezembro deu-se a queda de um velho e caduco ciclo político.
SR – De qualquer forma, o resultado das eleições não foi assim tão expressivo, já que a separar o PS da CDU houve pouco mais de 1% dos votos.
CB – Em democracia por um voto se ganha e por um se perde, e a verdade é que a minha equipa ganhou com maioria absoluta de votos. Isso foi a expressão da vontade dos munícipes e do eleitorado.
SR – Quando partiu para as eleições, considerava que conhecia bem a realidade do concelho de Grândola?
CB – Sim, eu sou estou ligado a este concelho há cerca de 30 anos, cheguei em 1972. Casei aqui e sempre tive uma grande ligação a esta região. Houve também a coincidência de eu ter partido na madrugada do 25 de Abril, na coluna do Salgueiro Maia, ao som da música “Grândola Vila Morena”, o que não deixa de ser importante para a minha vida pessoal e política. Os meus filhos também cresceram aqui, vinham passar férias à casa dos avós, eu vinha muitas vezes ao fim de semana. Esta era uma terra e uma sociedade que eu conhecia bem e pelos vistos as pessoas também me conheciam, pelo que apostaram em mim. Hoje considero que estar em Grândola é como estar na minha própria terra.
SR – Qual foi a realidade que encontrou na câmara e no concelho?
CB – A realidade que encontrei na câmara deixou-me, e ainda hoje me deixa, apreensivo. Encontrei uma câmara municipal em situação económica e financeira muito delicada. Só no ano de 2001 foram contraídos empréstimos à banca de médio e longo prazo de valor superior a um milhão de contos. Também encontrei dívidas de curto prazo a fornecedores na ordem dos 500 mil contos, o que, com algumas surpresas que fui tendo pelo caminho, perfaz uma dívida global de cerca de dois milhões de contos. Se lhe disser que o orçamento da câmara ronda os três milhões de contos e os custos com pessoal andam próximos de um milhão de contos, será fácil de perceber que a situação é de difícil gestão. Apenas com muito trabalho, muita sistematização, rigor financeiro e muito planeamento é possível manter a situação controlada, uma vez que não podemos ultrapassá-la de imediato.
Ainda dentro da Câmara, encontrei uma casa com poucos hábitos de trabalho e pouca disciplina. Com o exemplo que eu e os meus colaboradores temos dado, tem havido da parte do pessoal uma resposta notável, pelo que não tenho nenhuma queixa a fazer quanto ao empenhamento e motivação dos funcionários nesta nova gestão municipal. A confirmar isso está a feira de Agosto que aqui se realiza e que este ano teve mais de 75 mil visitantes, um evento que ilustra a capacidade de trabalho desta equipa.
SR – Perante o cenário que descreveu, qual a sua prioridade para este mandato?
CB – A primeira prioridade, tal como tenho dito, é arrumar a casa, e nesse sentido foi feito um estudo económico-financeiro, projectámos fazer uma auditoria, mas acabámos por optar pelo estudo, uma vez que conseguimos obter o ponto de situação nas grandes linhas do município e é muito mais económico em termos financeiros. A segunda prioridade é pôr os projectos que estavam parados ou em lume brando, a andar.
Outra prioridade é criar convergência entre os vários agentes económicos. Eu defendo que o progresso e a qualidade de vida têm que ser partilhados com os agentes económicos, dado que eles são a mola chave para os grandes passos que precisamos dar. Neste aspecto contamos também com a administração central para nos ajudar e agilizar os processos, particularmente no eixo principal do nosso desenvolvimento, que é o turismo. Precisamos por isso de consertar esforços entre a administração local e o Governo no sentido de colocarmos em marcha alguns processos que estão parados há muitos anos.
De Tróia a Melides temos uma magnífica costa, um magnifico ambiente, uma localização invejável a uma hora do Aeroporto e a meio caminho do Algarve, uma gastronomia de qualidade, pessoas que gostam e sabem receber e grandes grupos económicos do país com projectos de qualidade. Por tudo isso temos condições para construirmos um destino turístico alternativo de qualidade. Essa é a nossa grande preocupação e é por aí que passa uma importante fatia da nossa estratégia.
SR – Para além do turismo, que outros projectos tem para a autarquia?
CB – A autarquia tem um projecto próprio, que está neste momento a dinamizar em parceria com Associação dos Empresários do Distrito de Setúbal, e que consiste na criação de uma grande área de localização empresarial. Com a nossa localização geográfica, estamos por trás do Porto de Sines, a um passo do novo terminal de aviação civil de Beja e com as potencialidades que temos a vários níveis, acreditamos ter condições estratégicas para criarmos um grande pólo empresarial entre o IP8 e o nó de saída da auto-estrada. Este pretende ser o segundo factor de desenvolvimento do concelho.
SR – Os dois projectos que acabou de enumerar, o desenvolvimento turístico e o pólo empresarial, não estarão concluídos dentro deste mandato. Vai recandidatar-se para concluir o que está agora a começar?
CB – Devido às dificuldades que tenho tido durante os últimos seis meses, que me obrigam a ficar mais de dezasseis horas por dia na autarquia, não tenho, neste momento, nenhuma vontade de me recandidatar nem tão pouco de pensar no assunto. Algumas pessoas têm ficado aborrecidas por eu dizer isto, mas só quem está aqui a trabalhar como eu, com todas as dificuldades financeiras, de organização e a começar quase todos os projectos do início, consegue perceber o quanto este é um trabalho árduo, ainda que tenha algo de empolgante trabalhar em prol da população. Com toda a honestidade, hoje não me recandidato.
SR – Não gostaria de terminar os seus projectos e de deixar a sua assinatura na inauguração de algumas das obras que tem em curso?
CB – O que realmente me interessa é criar bases e alicerces para que seja possível fazer deste concelho, que tem potencialidades e história, um concelho moderno, apelativo, competitivo. Eu acredito que durante este mandato vou conseguir criar os alicerces desse concelho. Se o conseguir fazer, sinto-me gratificado por todo o trabalho, pelas dores de cabeça, pelas horas que tenho roubado ao sono, à família e aos amigos. Vim para este cargo para colocar Grândola em primeiro lugar, inclusivamente à frente do partido, e se conseguir integrar Grândola no contexto do Litoral Alentejano, isso para mim já é gratificante. Com isto não quero dizer que quando chegar a devida altura, que não é agora, não possa tomar outra decisão.
SR – Nos objectivos que traçou para Grândola, qual o papel que a oposição desempenha?
CB – Eu gostava que a oposição desempenhasse um papel, que não a vejo com capacidade nem iniciativa para desempenhar. A oposição, passados seis meses sobre o início do mandato, tem-se preocupado só em dizer mal. Passados apenas seis meses a oposição preocupa-se em perguntar onde estão os novos projectos, onde está afinal a mudança, as novas ideias, sendo que o pior cego é o que não quer ver. A oposição ainda não percebeu que o mais normal, depois de 27 anos de poder, é sair do poder. Com este tipo de oposição é difícil partir de mãos dadas para a criação de uma nova Grândola, de uma nova imagem para o concelho. Da minha parte estou disponível para que a construção se faça em conjunto, porque todos não somos demais para criar um concelho com força renovada, que não renegue os princípios da democracia e da liberdade.
SR – O facto do líder da oposição ser o anterior presidente e de terem surgido algumas trocas de palavras menos amistosas, não prejudicam o trabalho em equipa e até mesmo a imagem da autarquia?
CB – A presença do anterior presidente da câmara não acrescenta valor aos projectos que o novo ciclo político quer implementar no concelho.
SR – Falou-se da saída de Grândola da Associação de Municípios do Litoral Alentejano (AMLA). A acontecer, essa saída não seria prejudicial para o concelho?
CB – Esse é um processo que ainda está sobre a mesa e nós só não avançámos com a saída porque somos autarcas responsáveis, temos projectos em comum que nos têm merecido ponderação e reflexão. Este é um processo que mostra que a CDU está mais interessada na sua estratégia político-partidária do que na estratégia de desenvolvimento e consolidação de um projecto para o Litoral Alentejano. Nós somos cinco municípios, com uma posição política de três para a CDU e dois para o PS, retirámos a maioria absoluta à CDU em Santiago do Cacém, o que fragilizou a posição da CDU, pelo que não faz sentido que o nome do novo administrador delegado da AMLA não obtenha consenso. Em nome do desenvolvimento do Litoral Alentejano, da confiança e da mobilização, essa situação não faz sentido.
Considero que é politicamente reprovável e eticamente inaceitável que o mesmo vereador que de manhã, nas sessões de câmara, põe em causa a estratégia deste poder executivo, seja de tarde o executor de uma estratégia delineada pelas cinco autarquias que compõem a associação. No entanto, pode ser que com o advento das comunidades urbanas se encontrem novas soluções. Com a criação das novas áreas metropolitanas, os municípios podem aderir a essa comunidade desde que sejam pelo menos cinco e que sejam contíguos. Creio que poderá estar sobre a mesa uma nova comunidade urbana que possa contribuir para se dar passos numa outra organização do Baixo Alentejo e do Alentejo Litoral, e que faça com que os autarcas da CDU reflictam melhor nos interesses dos munícipes e da região.
SR – Como é que vê os 25 anos de poder local democrático?
CB – Os 25 anos de poder local democrático são a maior homenagem, a maior conquista do movimento dos capitães. Perante a obra que, pelo país fora, os autarcas das juntas de freguesia e das assembleias de freguesia que ninguém conhece, têm desenvolvido em prol das populações, com sacrifício, com entusiasmo, só por isso teria valido a pena ter feito o 25 de Abril. Hoje, como presidente de câmara, tenho o maior gosto em expressar o meu agradecimento a todos os autarcas que, de Norte a Sul de Portugal, muito fizeram para credibilizar o 25 de Abril e a democracia.