Setúbal na Rede – Durante mais quantos anos vai durar a actividade da Secil no Parque Natural da Arrábida?
Joaquim Dias Cardoso – Em primeiro lugar, gostaria de dizer que a Secil é proprietária dos mais de quatrocentos hectares onde está instalada a sua actividade, desde a fundação da empresa. Só por curiosidade, a Secil forneceu a pedra que ajudou na reconstrução de Lisboa depois do terramoto de 1755, portanto já está aqui implantada há muitos anos. Actualmente temos uma pedreira e um plano de lavra que tem validade para mais trinta anos, aproximadamente, isto se continuarmos a exploração ao ritmo actual, porém, o ritmo não vai ser o mesmo. Atendendo a que um plano de lavra permite a extracção de toneladas de pedra, se reduzirmos a exploração para metade, o prazo aumentará para o dobro do tempo, e isto significa que a duração do plano de lavra depende directamente do volume de extracção.
No entanto, ao volume de extracção podem sobrepor-se questões políticas ou ambientais. A questão ambiental que se põe agora era já previsível nos anos oitenta, a nível mundial, pelo que as cimenteiras podem trabalhar em determinado local desde que o poder político entenda que elas podem continuar ali. Há nove anos a empresa foi comprada por accionistas que tinham determinadas expectativas. Para resolver a questão, o Governo terá que voltar a comprar a empresa, dado que o accionista tem pleno direito de estar neste local, porque ele foi negociado.
SR – É viável a deslocalização da Secil?
JDC – Eu penso que não. No que respeita à questão da co-incineração, ninguém a quer “dentro de casa”, pelo que não sei para onde é que a empresa poderia ser deslocada. Há alguns anos tivemos apalavrada a criação de uma fábrica em Cantanhede e o negócio foi abortado porque ninguém a quis lá. A deslocalização da Secil parece-me muito difícil, até porque seria necessário construir uma fábrica de raiz noutro local. Sobre esta questão, levanta-se também o problema dos recursos humanos que serão necessários noutro local, caso se pretenda edificar uma fábrica nova.
SR – Quais os custos que poderia ter o encerramento desta fábrica e a eventual construção noutro local?
JDC – Seria o custo de uma fábrica nova, não só do equipamento mas também de todo o material de apoio, o que ascenderia certamente a alguns milhões de contos. Para além do equipamento, existe também a questão das expectativas comerciais do accionista principal quando adquiriu esta unidade industrial. Atendendo a que a actividade cimenteira implica despesas brutais, é necessário fazer investimentos constantes, enquanto as vendas ascendem a cerca de um terço do valor da fábrica. O custo da deslocação da empresa seria o de uma fábrica nova e além disso teria que ter capacidade para recrutar pessoas que em alguns casos têm que ser altamente especializadas.
SR – As expectativas para a empresa são boas, mesmo em época de crise?
JDC – Actualmente a indústria cimenteira é ameaçada pela importação. No entanto, por mais importações que se façam, nenhuma consegue ter preços ao nível dos nossos. Nesta actividade, todas as fábricas exportam produto, ainda que a custos variáveis, porque entre ter uma fábrica parada e vender uma parte para o mercado interno e exportar o resto, é preferível esta última opção, já que ajuda a cobrir algumas despesas. Quando o produto é importado, e atendendo a que o custo de compra é variável, essas empresas vão ter que aumentar os preços finais para conseguirem fazer face às despesas, mantendo um preço médio. No nosso caso, como já estamos instalados, os nossos preços são mais constantes e por isso mais competitivos. É provável que as margens de lucro vão diminuindo e as vendas também, mas a actividade continua.
SR – O cimento continua a ser consumido ao mesmo ritmo?
JDC – Sem dúvida que continua a ser consumido. Neste momento, em Portugal, o consumo ronda uma tonelada por habitante, o que é brutal em relação à Europa desenvolvida, uma vez que são utilizados apenas cerca de quinhentos a seiscentos quilos de cimento por habitante. Devido ao nosso atraso, temos uma capitação demasiado elevada que se mantém também devido aos fundos comunitários, no entanto eu penso que a pouco e pouco nos iremos aproximar das médias europeias.
Para compreendermos melhor, vamos voltar ao problema ambiental. A grande guerra do mundo actual são os problemas ambientais e o efeito de estufa, mas na realidade os grandes emissores de CO2 são os veículos e as casas de habitação, que em Portugal não têm que ser construídas mediante uma legislação de protecção ambiental. Nos Estados Unidos essa legislação é rigorosa e na Europa já foram demolidas algumas casas para que fossem construídas outras de acordo com as regras de protecção ambiental, uma situação que poderá ter que ocorrer em Portugal. Se no nosso país a construção civil representa quase toda a economia, na Europa ela é um importante motor de desenvolvimento, pelo que a União Europeia tem absoluta necessidade de criar regras para que a construção civil avance e se consuma cimento, dado que o seu consumo gera postos de trabalho. Neste momento atravessamos uma época de crise, mas por certo que o cimento terá sempre um patamar em que se irá vender.
Em Portugal, nós já esperávamos por esta crise há alguns anos. É uma consequência da diminuição dos fundos comunitários que implica uma diminuição da construção de infra-estruturas e, por outro lado, também já foram construídas muitas coisas, pelo que as necessidades também são menores. Em relação ao parque habitacional já há excedentes, porque as casas não estão localizadas nos locais onde deveriam estar. Ao construirmos casas que obrigam as pessoas a fazerem grandes deslocações de automóvel estamos cada vez mais a contribuir para aumentar a emissão de CO2 para a atmosfera. A política de construir fora de Lisboa, em vez de recuperar a cidade, foi um maná para toda a gente, mas foi uma política errada. O nosso desenvolvimento foi mal planeado e hoje já temos casas a mais. Actualmente, muitas das pessoas de Lisboa têm uma casa de fim-de-semana, mas isto chega a uma altura em que não há dinheiro para tanto.
SR – O ambiente é a grande questão que se põe à Secil. O facto de estar a operar num Parque Natural, condiciona a actividade?
JDC – Ambientalmente, o único problema que temos é o da pedreira. Sob o ponto de vista da emissão de gases e de poeiras é uma questão que não se põe, até porque a actividade cimenteira, actualmente, tem um sistema de filtragem que é perfeitamente seguro em termos de protecção atmosférica.
SR – Uma das vantagens que se apresentava com a co-incineração era a diminuição da poluição através da introdução dos filtros de manga. Isso significa que antes as fábricas poluíam mais, porque não recorriam a este sistema?
JDC – Os níveis de poluição eram maiores no que respeita à emissão de poeiras, já que numa fábrica de cimento a emissão de dioxinas é quase insignificante, porque as dioxinas são eliminadas quando sujeitas a temperaturas muito elevadas. No que respeita à co-incineração, estou convencido que daqui a alguns anos as cimenteiras, as siderurgias e as vidreiras vão mesmo ser obrigadas a queimar lixo, porque têm as máquinas adaptadas para fazer desaparecer grande parte dos resíduos. Não vai haver espaço livre para construir as ETAR’s e as lixeiras necessárias para a eliminação do lixo que produzimos e eu acredito que a queima de resíduos nas cimenteiras será muito mais vantajoso porque existe uma monitorização em continuo, o que não acontece, por exemplo, numa ETAR que tem que ser controlada durante cerca de trinta anos sem termos noção do que pode vir a acontecer num espaço de tempo tão dilatado.
Ao nível da União Europeia começa-se a preferir os meios que permitam a monitorização continua em detrimento dos outros meios. É preferível verificar continuamente a emissão dos poluentes ao nível das chaminés. Em Portugal, o problema é a falta de confiança demonstrada pelos agentes, mas essa é uma questão que é possível ultrapassar caso queiramos todos.
Voltando atrás, o problema da Secil era de facto a emissão de poeiras e não de dioxinas, até porque, segundo um estudo recente, grande parte da poluição de Setúbal vem de Lisboa. Curiosamente, nesse estudo foram verificados os líquenes que reagem à poluição e verificou-se que os que estão em melhor estado são os da zona do Outão, o que deita por terra a teoria de que a cimenteira é o maior poluidor.
SR – Toda a polémica das poeiras e das dioxinas emitidas pela Secil surgiu com a co-incineração. Acha que a Secil pagou um preço social elevado com a co-incineração?
JDC – Claro que sim, mas neste processo todos nós fomos culpados devido à falta de experiência em lidar com a situação. Porém, o facto de termos pago um elevado preço social devido à co-incineração também teve um lado positivo, já que aprendemos muito e apesar de tudo tivemos que fazer coisas que nos prepararam para a co-incineração. O porquê de pagarmos um preço social tão elevado prende-se com a nossa falta de experiência e com a falta de experiência de quem esteve ligado a este processo. A co-incineração está a ser retomada na Europa, ao contrário daquilo que se quer fazer querer, porém existem lobbies ligados à incineração dedicada a quem não interessa que a co-incineração avance.
SR – Isso significa que, além dos problemas ambientais, a co-incineração também é um negócio. Era um bom negócio para a Secil?
JDC – Não era um bom negócio, era fundamental. Quando se queimam lixos temos que receber algum dinheiro por esse serviço, dado que somos obrigados a fazer um controlo muito mais apertado e temos que fazer investimentos que não faríamos noutra situação. Neste caso, os resultados provêm do facto de, no lugar de queimarmos combustível, queimarmos lixo, recebermos algum dinheiro por isso e ainda pouparmos combustível. Este é um sistema de sobrevivência que todos estão a utilizar e quem não o fizer está tramado. Nós não somos uma empresa de caridade, estamos aqui para ganhar dinheiro e quando não o fizermos, acabamos.
No que toca à co-incineração, perdemos alguns milhares de contos. Não pedimos indemnizações a ninguém porque consideramos que o país não estava “maduro” para esta questão, mas algum dia irá estar. Acredito que mais cedo ou mais tarde a co-incineração vai ser uma realidade, seja ela feita nas vidreiras, nas siderurgias ou nas cimenteiras, porque este é o processo que toda a Europa está a utilizar. Foi pena que ninguém se tivesse disponibilizado para nos acompanhar numa viagem pela Europa para verificar como decorre o processo noutros países, pois nós organizámos várias viagens. A co-incineração foi um problema institucional e político que nós não conseguimos contornar e onde houve, acima de tudo, uma grande falha de comunicação.
SR – A sociedade civil está a exigir mais cuidado ambiental da Secil?
JDC – Eu estou convencido que a Secil é hoje uma das melhores empresas a nível europeu no que toca às questões ambientais. No início deste ano vamos fazer uma reunião para a qual convidámos as entidades que consideramos mais representativas na região, como é o caso da Câmara Municipal, das Juntas de Freguesia, entre outras, no sentido de criarmos uma comissão que permita esclarecer o que somos em termos ambientais.
SR – Qual foi a reacção das entidades ao convite para a comissão de acompanhamento?
JDC – Penso que foi boa porque todas aceitaram. Nestas questões, as pessoas têm sempre algumas reservas, até porque em Portugal não é hábito a existência deste tipo de comissões e nós fomos, de facto, a primeira empresa de grandes dimensões a criá-la. O que nós pretendemos é colmatar os problemas de comunicação que têm persistido entre a Secil e a população de Setúbal. Um dos grandes problemas da empresa é o de não conseguir convencer as pessoas da sua seriedade porque ninguém acredita em nada. A Secil é uma empresa que não tem nada a temer em termos ambientais porque cumpre todas as regras que lhe são exigidas, temos inclusivamente aberto as portas a todas as escolas que pretendem visitar a empresa e realizar trabalhos sobre ela.
SR – Quais são os objectivos da comissão de acompanhamento?
JDC – O que nós pretendemos é mostrar às pessoas aquilo que somos. Depois, cada um tire as ilações que quiser. A comissão de acompanhamento é constituída por quinze entidades, sendo que nós somos um dos parceiros dentro desses quinze. A comissão poderá eleger um porta-voz e transmitir aquilo que achar mais acertado, que nós não temos rigorosamente nada a ver com isso. Esta comissão não é remunerada para que os resultados não sejam tendenciosos. Vamos abrir as portas a estas pessoas para que possam entrar quando quiserem e verificarem por si o funcionamento da empresa. O que pretendemos é mostrar a verdade aos sectores da sociedade que são considerados idóneos pela população. Nós tomámos a iniciativa de criar esta comissão, mas ela é que terá que determinar as formas de verificação que quer utilizar e as pessoas que pretende envolver no processo. A Secil disponibiliza também uma verba para os ensaios que a comissão pretenda fazer. A empresa vai estar de portas abertas para que os setubalenses a possam conhecer melhor.
SR – Qual é a relação da Secil com o Parque Natural da Arrábida?
JDC – É uma relação que considero boa, já que eles fazem o papel deles e nós fazemos o nosso. Quando eu vim para a Secil em 1980, o director do Parque Natural era uma pessoa extremamente exigente, com ideias muito bem definidas e que não dava um minuto de folga. Actualmente, está perfeitamente claro o que são as nossas obrigações e o que são as deles. Nós temos um plano de quinze anos em relação à pedreira e posteriormente serão feitos planos de três em três anos, com uma garantia bancária subscrita à Câmara de modo a garantir que fazemos a recuperação da área. Aliás, a primeira legislação sobre pedreiras foi feita com base na Secil e fomos a primeira empresa em Portugal a ganhar um prémio internacional de ambiente, tal como fomos a primeira pedreira do país a fazer exploração por ciclos para que fosse possível fazer a recuperação da pedreira durante a sua vida. No dia em que abandonarmos este espaço temos a recuperação praticamente feita. Voltando à relação com o Parque, ela é boa, até porque a Secil se tem pautado sempre por um comportamento correcto quer em relação aos trabalhadores, quer às entidades com quem se relaciona.
SR – Já falou da reflorestação que está a ser praticada. Acha que a actividade da Secil não compromete a classificação da Arrábida como Património da Humanidade?
JDC – Eu penso que não, até porque há muitos Parques Naturais no mundo onde existe actividade industrial. No entanto, nós não escondemos que se a Secil não estivesse aqui seria muito melhor para a actividade turística, ainda que eu não saiba que tipo de turismo querem praticar aqui. Todas as actividades que o ser humano pratica são predadoras, nós temos é que definir o que nos traz ou não mais valias.
SR – A Secil é uma presença incómoda para o turismo?
JDC – Sentimos que somos incómodos mas não nos sentimos agredidos por essa posição, porque entendemos aquilo que as pessoas pensam mas também entendemos que já existíamos antes da criação do Parque Natural. Se as autoridades competentes entenderem que devemos sair, deverão ir ter com os accionistas e discutir com eles essa questão. Isso irá depender do que se considera ser prioridade para o país. Eu, como cidadão, tenho dúvidas sobre o que é mais problemático, se a Secil ou a Mitrena, mas ninguém fala dessa zona porque está mais escondida.
SR – Porque é que acha que há tantas vozes contra a Secil?
JDC – Há quem afirme que existem interesses imobiliários fortes nesta zona. Eu acredito que se pode praticar aqui turismo, mas tenho dúvidas em relação ao turismo de massas, sob pena de termos uma situação idêntica à do Algarve, que está completamente assassinado. Espero que isso não aconteça aqui. Por outro lado, ninguém vem fazer turismo para esta zona apenas para ver a paisagem da Arrábida, mas têm que haver mais contrapartidas. Existe um tipo de turismo praticado por pessoas que apenas querem tomar uns banhos de mar, mas a grande aposta actualmente é o turismo cultural, que implica a construção de restaurantes e hotéis de qualidade. Em vários países europeus já se acrescenta aos circuitos turísticos uma componente cultural que é fundamental. Há algum tempo, uma figura importante do país afirmou que era um crime retirar a Secil da Arrábida, porque culturalmente ela já faz parte da serra. É importante que as entidades competentes pensem o que querem para o futuro de Setúbal.
SR – Desde há algum tempo que a Secil tem colaborado em várias actividades na cidade, inclusivamente com o patrocínio ao Vitória de Setúbal. Isso faz parte de uma estratégia para limpar a imagem e comprar a simpatia dos setubalenses?
JDC – Não, o que acontece é que nós temos consciência que causamos incómodos por estarmos instalados onde estamos, daí que consideramos que devemos alguma coisa à sociedade que nos circunda. Nós achamos que temos o dever de darmos algumas contrapartidas ao meio em que estamos envolvidos e é nesse sentido que apoiamos o Vitória, que apoiamos alguns espectáculos e que o Hospital do Outão tem tido o nosso apoio. Nós sabemos que as pessoas olham para nós como uns predadores e uma forma de nos defendermos é mostrarmos aquilo que fazemos, pois assim não passamos despercebidos.
SR – Que peso social e económico tem a Secil para a região?
JDC – Neste momento temos cerca de 270 postos de trabalho directos, mas além disso teremos cerca de mais oitocentos postos de trabalho contando com todas as empresas que giram à nossa volta. Temos compras na região no valor de vinte milhões de euros e movimentamos cerca de 800 mil toneladas de mercadorias no Porto de Setúbal, sendo que somos a empresa que faz mais movimento neste porto. Entendemos que damos um importante contributo para a região, apesar de todos os incómodos.