[ Dia 28-01-2003 ] – ENTRE LINHAS por Brissos Lino.

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 • 28-01-2003 

ENTRE LINHAS
por Brissos Lino
(Professor Universitário)



A montureira

Em Portugal o futebol está transformado em “mete nojo”. Uma autêntica montureira cada vez mais podre e mal cheirosa. Ao que isto chegou. A que ponto chegou o Desporto no nosso país. Nesta altura do campeonato já a UEFA deve estar a torcer a orelha por nos ter atribuído a organização do Euro 2004.

O futebol está transformado numa montureira onde só os ratos, as gaivotas (a que Lobo Antunes chama “ratos do ar”) e alguns loucos chafurdam com prazer. Pessoas minimamente bem formadas nunca poderão sentir-se bem nesta cloaca em que está transformado o futebol profissional no nosso país. É claro quer os Loureiros e quejandos contestarão sempre esta visão, pelo menos enquanto forem eles a mandar na montureira.

É certamente por isso que o futebol em Portugal perde adeptos a um ritmo impressionante, domingo após domingo, apesar da evidência de que os portugueses apreciam esta modalidade desportiva que elegeram há muito como desporto-rei.

De facto, só uma grande dose de masoquismo poderá explicar que um adepto do clube da sua terra vá ao estádio ver a sua equipa jogar e se aperceba claramente do jogo de bastidores que leva os árbitros a cometer as maiores alarvidades, quer do ponto de vista técnico, quer disciplinar, que valide golos não regulamentares, que anules golos limpos, e sempre em prejuízo do seu clube de eleição, roubando ao desafio toda a verdade desportiva que é o cerne do interesse do futebol.

Se à partida já se sabe quem vai ganhar o jogo, onde está o interesse?  

Há uma semana atrás o treinador Luís Campos disse a quem o quis ouvir que o futebol estava transformado num lixo. Verdade incontornável pela qual pode ainda a vir a ser penalizado disciplinarmente por uma Liga sem moral. Uma semana depois o referido técnico colocava mesmo em causa se ainda valia a pena continuar na profissão. Ao mesmo tempo, o presidente do Vitória de Setúbal, Jorge Goes, afirmava que a sua vontade era voltar à profissão, virando as costas ao futebol, e que só não o fazia por respeito para com o clube que serve e os adeptos que o sustentam.

A verdade é que estamos a construir estádios mais pequenos, para o Europeu 2004, e depois, por este andar, nem sequer temos pessoas para os encher.

A meu ver, a grande responsabilidade do pântano a que chegámos tem rosto e nome. Os dirigentes em geral são os maiores culpados desta situação, em particular os dirigentes dos maiores clubes. E por várias ordens de razões.

Primeiro, pela grande falta de dimensão moral que representam. Se o desporto é importante para os miúdos e jovens, e é suposto funcionar como escola de carácter, então o que vemos é que no vértice dos clubes, a figura primeira revela normalmente todos os vícios de carácter que nós não gostamos de ver nos nossos filhos: mentira, calúnia, manipulação, vaidade, alcoolismo, estupidez e má criação. Alguns deles estão ou estiveram presos, outros deviam estar, mas vão-se safando como podem.

Há dirigentes de clubes que não pagam há mais de três meses aos jogadores e depois proíbem-nos de relatar o facto cá fora, ou de dar entrevistas. E se a equipa não rende no campo, claro que a culpa é assacada aos jogadores. 

Segundo, por causa da sede de protagonismo que evidenciam, e que a comunicação social tristemente lhes confere. Por via de regra pouco têm para dizer, de útil e positivo. Usam a visibilidade que os media lhes dão essencialmente para duas coisas – pressionar os árbitros a seu favor, antes dos jogos mais importantes, e acirrar os ânimos dos seus adeptos contra os adversários, contribuindo para instalar um clima de intimidação e de guerra entre claques e adeptos. São os principais responsáveis pela violência no futebol em Portugal.

Terceiro, devido à promiscuidade com a política e os grandes interesses económicos, abrindo a porta para toda a espécie de negócios lesivos da comunidade ou do Estado. Abriu-se recentemente a caixa de Pandora com os casos de Guimarães e Felgueiras, mas outros estarão na calha. Por este andar vai ser um deus-me-acuda. E o Euro 2004 à porta.

Quarto, pela estratégia de promoção pessoal que tais dirigentes perseguem. Estão nos clubes para se beneficiarem a eles próprios e não ao serviço das instituições. É por isso que devemos realçar os casos de dirigentes de clubes de média e pequena dimensão que não estão no futebol com este espírito, mas sim com o propósito de servir a instituição e por amor ao desporto. São casos infelizmente raros.

É sabido que o poder do futebol está a Norte. Por isso os clubes do Sul têm cada vez mais dificuldade em singrar, são cada vez mais “infelizes” com os árbitros, e o Vitória de Setúbal, cujos dirigentes não são da laia dos que andam por aí, está condenado a descer de divisão mais uma vez, depois de ter vindo a ser clara e consecutivamente prejudicado pelas arbitragens, pelo menos há nove jogos a esta parte. Até porque há dois clubes do Sul (Amadora e Alverca) a bater à porta, para subir à primeira Liga, e começa a ser muito sulista junto…

Ou será que não?

P. S. – O governo vai ter que arregaçar as mangas e intervir, metendo as mãos directamente no lixo. E isto não vai lá com códigos de ética. É com a lei. Já chega de trapalhada.  seta-2872405