[ Dia 30-01-2003 ] – Maia Miranda, director-geral da Tagol e da Sovena.

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Setúbal na Rede – A Tagol está localizada num local privilegiado à beira rio. A localização da empresa interfere ambientalmente com o Tejo?

Maia Miranda – Tem um impacto reduzido e o nosso historial pode confirmar isso. Podemos ter feito algumas asneiras, mas mesmo essas não são significativas. Tudo o que sai desta fábrica é biodegradável, o que é uma vantagem para nós e para o ambiente. Se for algum pó de farinha para o rio, os peixes até agradecem. Em determinada altura o combustível que utilizávamos poderia ser um problema, mas actualmente já trabalhamos com gás natural. O que polui mais é o pó de farinha, quando são efectuadas as cargas e descargas, porém não temos solução para isso e também não constitui um grave problema. Em relação às águas residuais, temos uma estação de tratamento.

SR – Se fosse hoje, seria possível instalar a empresa aqui?

MM – Para existir uma empresa destas em Portugal, ela tem que estar neste lugar. Não é possível conceber esta empresa sem a parte portuária.

SR – Numa altura em que se tem procedido à recuperação das zonas ribeirinhas do Tejo, nomeadamente da margem norte, com a Expo e as Docas, é possível enquadrar a empresa numa política de recuperação da margem sul?

MM – Queremos emprego ou turismo? Não me parece que haja nenhum país que possa sobreviver só com turismo. Ou temos empresas e temos trabalho, ou então andamos todos a servir à mesa. Na perspectiva do turismo, o que poderíamos ter aqui? Um hotel, uma marina, algumas casas à beira rio e pouco mais.

SR – Qual o papel económico que a empresa tem na região?

MM – Esta empresa constitui uma porta de entrada de vários produtos para a indústria, dá trabalho a cerca de 120 pessoas e tem impactos indirectos na indústria alimentar noutras regiões do país. 

SR – É uma empresa sólida, economicamente?

MM – Tem anos mais sólidos e anos menos sólidos. Estamos integrados num grupo com boa solidez económica, porém, tal como acontece com todas as empresas, há momentos melhores e momentos piores. Vamos ver o que nos espera no futuro.

SR – Pertencer a um grande grupo económico facilita a situação?

MM – Numa determinada altura a empresa encontrou-se numa situação difícil, pelo que só lhe restavam duas alternativas, ou entrava num grupo económico forte ou fechava as portas. Assim, houve um investimento forte com a entrada neste grupo, dado que a empresa já estava muito mal ao nível da maquinaria. Verificaram-se também mudanças ao nível da organização e além disso foi uma mais-valia entrar para um grupo que já trabalha no sector dos óleos há muito tempo.

SR – Isso levou a empresa a integrar-se numa cadeia?

MM – Sim, anteriormente nós trabalhávamos isolados e agora o produto principal, que são os óleos, têm escoamento garantido daqui para a Sovena, no Barreiro, que produz marcas como o óleo Fula, Vegê e Três As. Ou seja, é uma empresa que gere marcas líderes de mercado.

SR – Disse anteriormente que a Tagol teria que estar neste local por causa do rio. A Sovena o que ganha por estar no Barreiro?

MM – Se houvesse espaço, ganharia mais em estar aqui. No fundo estamos a sustentar os transportadores daqui para o Barreiro, o que gera riqueza para a região, mas não para a própria empresa.

SR – Não haveria uma solução que permitisse aproximar as duas empresas?

MM – Isso tem custos. Investiu-se no Barreiro e essa é agora a única solução.

SR – A produção destas empresas representa uma fatia importante do mercado?

MM – Em relação aos óleos, produzimos entre 115 a 120 milhões de litros por ano. No ano passado, a Sovena produziu cerca de 126 milhões de litros, sendo que esta produção não se destina exclusivamente ao mercado interno. Da nossa produção anual, cerca de 25 milhões de litros são exportados para Angola, enquanto o mercado espanhol absorve aproximadamente 10 milhões de litros. Para o mercado nacional vão os restantes 70 a 75 milhões. Temos uma quota importante do mercado, basta dizer que um em cada três portugueses consome óleo Fula. O azeite Oliveira da Serra tem uma quota de 15% do mercado, pelo que temos uma posição forte, quer num quer noutro sector.

SR – A crise actual tem-se reflectido nas vendas?

MM – Reflecte-se um pouco, porém os nossos produtos são bens de primeira necessidade, pelo que a contenção do consumo não nos afecta particularmente.

SR – Também produzem sabão, esta é uma área igualmente importante?

MM – O sabão é uma produção que está para desaparecer há dez anos, mas todas as pessoas gostam de ter um bocado de sabão em casa. Nesta área, cerca de 60% da nossa produção destina-se ao mercado externo, particularmente Angola.

SR – Nesta actividade, aquilo que se poderia chamar de resíduos, acaba por ser também rentabilizado?

MM – No caso do mercado da soja, o chamado resíduo até é o produto principal, sendo uma importante fonte de proteína que pode ser consumida sob a forma de frango ou de um bom bife, uma vez que se destina ao fabrico de rações para animais. No caso do girassol, o seu sub-produto tem algum valor, mas não tem nunca a lógica de resíduo.

SR – Sendo esta uma empresa do ramo alimentar, podemos estar confiantes em relação à qualidade do que consumimos?

MM – Em relação à qualidade dos óleos que produzimos, colocamo-nos ao nível dos melhores da Europa. Do ponto de vista nutricional, podemos sempre comer de tudo desde que sem exagero. Em relação aos óleos e azeites passa-se o mesmo, pois se consumidos em exagero podem fazer mal, porém fazem parte da nossa dieta alimentar. Nós necessitamos de gorduras para vivermos mas se as consumirmos em excesso passamos mal. Em termos de consumo de gordura per capita nós situamo-nos aproximadamente nos 15 quilos por ano, enquanto os americanos consomem cerca de 24 quilos. Em África esse consumo deverá situar-se nos quatro quilos, ainda que esse baixo consumo se deva essencialmente a razões económicas. O consumo de gordura também varia com o clima, pelo que enquanto os países frios consomem mais, os países quentes têm um menor consumo. Mesmo em Portugal, verifica-se que no norte se consomem mais gorduras sólidas, mais margarina, e já no sul o consumo incide mais nas gorduras líquidas, óleo de girassol e azeite. A típica alimentação mediterrânea é hoje considerada a mais equilibrada e passa pelo consumo de óleo, azeite, massas, tomate.

SR – Com as fronteiras abertas, não sofrem uma grande pressão da concorrência?

MM – Claro que sim, se a fronteira está aberta é para os dois lados e nós estamos sempre em desvantagem, porque as empresas portuguesas são mais pequenas. Fala-se muito que os nossos salários são mais baixos, mas a verdade é que os outros conseguem chegar cá com preços muito competitivos. Nós, em termos de Península Ibérica, devemos ser os primeiros em termos de produção, ainda que a discussão ande “taco a taco”. Temos também uma fábrica em Espanha que factura muito porque os espanhóis consomem mais azeite.

SR – Quais são as perspectivas para o futuro?

MM – As perspectivas são de combate, o futuro constrói-se dia a dia com trabalho. Se não andarmos para a frente não sobrevivemos. Os portugueses não querem fábricas nem agricultura, como tal não sei o que vão fazer de futuro. Neste momento, o país mais desenvolvido deverá ser os EUA e são grandes produtores agrícolas, à semelhança do que acontece com a Alemanha. No entanto, nós temos os campos ao abandono.

SR – Em relação ao biodisel, essa será outra possibilidade de negócio no futuro?

MM – Penso que ninguém se vai dar ao trabalho de guardar óleo usado para fazer biodisel. Ao nível da restauração talvez se possa conseguir alguma coisa, mas não vão existir quantidades significativas. Os óleos usados vão ser sempre uma gota no âmbito das necessidades de combustível, pois nunca vai ser possível recuperar óleo suficiente para transformar. No entanto, esta é uma hipótese que se põe para o futuro e nós vamos estar atentos.

SR – Em termos de matéria-prima, vão buscar tudo ao estrangeiro?

MM – Não, nós absorvemos toda a produção nacional, ainda que ela seja pouca. A soja vem toda de fora, mas em relação ao girassol, utilizamos cerca de 15 a 20% de produto nacional. Pode dizer-se que por vezes as crises são benéficas, dado que nos mostram outras oportunidades e por vezes redescobrem-se determinadas actividades. Agora com o Alqueva, vão existir grandes possibilidades de utilizar os campos para regadio. Nós não precisamos de ficar a chorar sobre a crise, temos é que trabalhar. Podemos voltar à agricultura, à agro-indústria, e esse pode ser um pólo de desenvolvimento para o país, uma vez que em relação aos serviços somos pouco credíveis.

SR – Acredita num incremento para a produção de girassol em território nacional de forma a permitir preços mais competitivos?

MM – Os preços só poderão ser competitivos se os produtores forem competitivos com o mercado internacional. De facto, poderia poupar-se, pelo menos, um pouco no transporte, mas temos que ser competitivos ao nível da produção.

SR – Pode concluir-se que o país é pequeno para satisfazer as suas necessidades?

MM – Nós não temos necessidade de andar com choradeiras, estamos num país que só não é viável se a geração actual for incompetente. Na altura dos Descobrimentos não liderámos os conhecimentos tecnológicos? Então, provavelmente, agora estamos a ser preguiçosos. Com trabalho tudo se consegue. seta-5461960