• 11-02-2003 • |
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Tenhamos esperança
Os recentes desenvolvimentos do chamado caso da pedofilia, que entre nós eclodiu como um vulcão, merecem algumas reflexões e considerações, com serenidade e com um olhar crítico, para que não tenha sido em vão, terríveis experiências de crianças apanhadas na idade de brincar, apenas com os seus sonhos. Em primeiro lugar convém dizer, que ninguém tem dúvidas de que este fenómeno, fermentava entre nós há longo, longo tempo. Os cheiros pútridos, que dele emanavam, eram branqueados pelos brandos costumes da sociedade que somos. Com uma atitude de “laissez faire, laissez passer”, própria dos que perdidas referências, apelidadas de obsoletas, andam à procura de marcos e faróis, sem os quais, a navegação ou se torna impossível ou não se conduz a bom porto. Interrogamo-nos todos, como foi possível chegar-se até aqui. Nas barbas de todos nós, e sem que nada tivesse acontecido. Parece impossível, que ninguém se tivesse questionado, porque se prostituem crianças, nos sítios do costume, na rua, à frente de milhões dos nossos olhos! Nenhuma autoridade desconfiou! Porquê acontecia, com quem acontecia! São silêncios, pelos quais, todos como ser colectivo, teremos que responder. Também todos nós, no banco dos réus, teremos de nos sentar e responder pela omissão, entretidos que estamos a ver o “Big Brother”. Quem, senão nós, fabricamos políticos insensíveis, distraídos e mais interessados nos seus ‘boys’, do que em pobres crianças desfavorecidas? Poder político que se serve de forças policiais, que acham mais importante aplicar uma pequena multa de estacionamento, do que acções de fundo contra a grande criminalidade. Apenas e só, porque enquanto as primeiras dão dinheiro e pouco trabalho, as outras acções têm exigências, para as quais, ninguém está interessado em responder. E estes equívocos e inacções preocupam-nos a todos. E nem a tentativa de branqueamento, por parte de alguns (i) responsáveis, consegue evitar que a sensação de insegurança seja real. Por motivos reais, é evidente. Mas, o que se passa quando alguém é entregue à justiça? O cidadão comum, o cumpridor, sabe o que daí se pode esperar. Morosidade, amnistias e sentenças, normalmente consideradas desajustadas, à reprovação social dos crimes praticados. Todo este pântano vai criando uma sensação de impunidade, que atinge a sociedade, qual gangrena evolutiva, e assim não é difícil compreender como está cego, surdo e mudo, quem deveria estar atento e vigilante. Nesta terra, os crimes cometem-se com tranquilidade, porque aqui é compensatório cometê-los. E se alguém tiver dúvidas, que interrogue o sentimento colectivo deste povo, que murmura apenas à boca pequena, o que lhe vai na alma. Sabe bem o que pensa de um poder político amorfo, de umas forças policiais, mais interessadas no seu sindicato, do que na defesa das pessoas e bens, a que estão obrigados, e de um sistema judicial que deixa prescrever os processos, dando uma imagem de si próprio, que o cidadão comum sabe bem como rotular. Este caso da Casa Pia de Lisboa, com a entrada em cena de um nome como o de Carlos Cruz, sofre uma mediatização inimaginável, comparada com o que seria se se tratasse de um qualquer Zé dos Anzóis. Embora considerado inocente até trânsito em julgado da sua sentença, aguarda preso o dia do seu julgamento. Para ele ou qualquer outro cidadão, o que se exige é rapidez. Manter em prisão um cidadão não julgado é, em princípio uma violência. É necessário que o poder judicial dê provas de que é competente, eficaz e célere. Competentes, demonstrando ser capazes de executar os eu trabalho sem tibiezas ou álibis. Levando todos os casos até ao fim, não ‘engolindo’ nomes dos processos. E não se contentando apenas com a ponta do iceberg. No fundo é que está o peixe graúdo e os nomes sonantes. Eficaz, se se cumprirem os prazos, não deixando que o cesto dos papéis da prescrição, seja o fim deste caso, como tem sido de tantos outros. Célere, porque celeridade é sinónimo de justiça e o inverso também é verdadeiro: justiça que não é rápida, é apenas uma simulação. Tenhamos a esperança de que a presença de um nome que é um peso pesado da mediatização, seja motivo para que a justiça seja justa. Este caso pode ser um marco. É que enquanto os suspeitos se vão sentar nos bancos dos réus, nos bancos do tribunal da opinião pública vai-se sentar todo o sistema que os vai julgar. Em democracia, e por norma há sempre o controle de uma instituição por outras instituições, para evitar abusos de qualquer espécie. No caso do poder judicial, o controle é uma espécie de pescadinha de rabo na boca. Controlam-se a si próprios, julgam-se a si próprios, sem interferências estranhas.
Apenas não escapam ao julgamento que o povo anónimo faz, do modo como conduzem a coisa pública. Até aqui inócuo, como se vê. Que neste sentar forçado no tribunal da consciência de todos nós, o julgamento seja favorável aos julgadores. E que “per omnia saecula seculorum”, ninguém mais tenha dúvida que a justiça é mesmo uma coisa justa. E de olho bem aberto. E que essa coisa de ser representada com os olhos vendados seja, daqui para a frente, só uma imagem de retórica.