ENTRE LINHAS
por Brissos Lino
(Professor Universitário)
A opinião pública
A circunstância desta guerra no Iraque permite uma reflexão sobre a natureza volátil da opinião pública portuguesa, ou de como saltamos alegremente de poça em poça, com a graciosidade de uma bailarina.
O país foi fustigado nos últimos tempos com alguns temas altamente mediáticos, e que interferiam, de uma forma ou de outra, na nossa vida colectiva.
Um desses grandes temas é a pedofilia.
Quando algumas figuras públicas começaram a ser detidas e a comunicação social deu voz às supostas vítimas do hediondo crime, abateu-se sobre os pais e encarregados de educação de crianças em Portugal um receio que as fez começar a ter mais cuidado no levar e buscar à escola, e maior atenção e proximidade com os filhos.
O país ficou chocado com a verdadeira extensão do problema, que até aí era completamente imprevisível, e quando os testemunhos de vítimas de abuso sexual começaram a surgir nos telejornais à hora do jantar, então não se falava de outra coisa.
Mas rapidamente se passou ao tema seguinte: descobriu-se que os frangos estavam a ser criados com uma substância cancerígena, os nitrofuranos, em diversos aviários, e suspeitava-se de que muitas outras explorações estivessem a incorrer na mesma prática.
Por momentos os portugueses esqueceram-se do tema pedofilia e passaram a concentrar as suas preocupações na saúde pública, no que podiam e deviam ou não comer, e que dieta alimentar passariam então a utilizar em casa.
Até que começou a tal guerra anunciada, no Iraque.
Agora não se fala de outra coisa nas notícias. Televisões, jornais e rádios parece que decidiram ignorar à uma o que se passa neste pequeno país à beira Atlântico como se só a guerra no longínquo país interessasse.
De facto somos muito voláteis quanto à atenção que prestamos à coisa pública, em especial aos assuntos que se passam ao pé da nossa porta. Bem sei que estamos num mundo cada vez mais global, e que as telecomunicações são cada vez mais rápidas e perfeitas, mas porquê deixarmos de falar de nós, dos nossos problemas, receios, preocupações enquanto cidadãos, não só do mundo, mas muito em especial desta sociedade na qual estamos inseridos à escala local, regional e nacional?
Quem se preocupa hoje, em termos públicos, com o dossier Casa Pia, ou com o caso dos nitrofuranos?
Será que podemos estar mais descansados hoje com as nossas crianças? Que os pedófilos têm a vida mais dificultada?
Será que podemos estar mais descansados hoje com a fiscalização nos aviários, a ponto de podermos comer aves com segurança?
Realmente as coisas são o que são, e uma guerra que envolve a grande superpotência americana é motivo de atenção mediática. Mas não o deveria ser a este ponto de quase paranóia informativa.
Numa coisa, pelo menos, os habitantes de Bagdad já deram uma lição ao mundo. Ensinaram-nos que a vida não pára, mesmo quando correm o risco que o céu lhes desabe literalmente em cima da cabeça, como diria Asterix…