[ Dia 31-07-2003 ] – ASSENTO PARLAMENTAR por João Titta Maurício (PP).

0
Rate this post

31-07-2003 

ASSENTO PARLAMENTAR
por João Titta Mauricio
(Professor Universitário e Vice-Presidente
da Comissão Política Distrital do CDS-PP/Setúbal)



Porque muita informação nem sempre é sinal de compreensão! 

A interminável busca pela informação é uma das exigências de cidadania numa democracia que se quer participativa. E é (ou deverá ser) uma tarefa individual a cumprir por cada um de nós. Com o surgimento da Internet surgiu uma nova ferramenta que proporciona um manancial quase inesgotável de dados, numa quantidade nunca vista. E tudo ao alcance de um dedo! Desde que, claro, municiado com um computador, um monitor, um modem e um rato (e as indispensáveis ligações a uma fonte de energia, a uma rede de comunicações e a um servidor).

Todo este excurso inicial serve apenas para parabenizar aqueles que, não obstante terem nascido e crescido numa era pré-digital, não deixam de (com meritório esforço) aderir e procurar ser capazes de “navegar” com a ajuda de tais novos instrumentos.

Mas, sejamos claros: nem sempre a possibilidade de acesso a muita informação é sinal de esclarecimento. Para tanto requere-se ponderação, reflexão e muita honestidade intelectual. E, por vezes, para alguns, por mais informação que disponham, não conseguem nunca deixar de lado os pré-conceitos e dedicam-se a “torcer” os dados por forma a que estes se “ajustem” às conclusões que sempre foram as suas. E como aquelas pessoas que sempre andaram de carroça e que mesmo quando dispõem de um automóvel persistem em conduzir à bucólica velocidade do burro e sempre pelos mesmos “caminhos de cabras” – pois são apenas os que conhecem!

Só assim se compreende que, descoberta a “maravilha” do universo Internet, se “misturem alhos com bugalhos” e se entenda como possível que, «de uma forma geral», aqueles que são pela proibição do aborto e da eutanásia (e, já agora, acrescento eu, a não despenalização do consumo de drogas), simultaneamente, defendem a pena de morte. O que eu não compreendo é que se não veja que há dois grupos que são filosoficamente incompatíveis.

Confesso: lutei (e voltaria a lutar) contra a despenalização do aborto ou da eutanásia, todavia não sou defensor da aplicação da pena de morte. Nem tampouco conheço quem haja aderido, ao mesmo tempo, a ambos os grupos. Mas, como a pertença é uma decisão individual (e eu não tenho a pretensão de conhecer todas as pessoas), admito a possibilidade – que é mínima, mas real. Porém, afirmar que «de uma forma geral os militantes contra o aborto e a morte assistida, que a si próprios se justificam como defensores do direito à vida, são, paradoxalmente a favor da pena de morte», é uma provocação (baseada em dados não demonstráveis nem sequer verdadeiros) que tresanda a desonestidade intelectual!

Quanto à pena de morte (por cadeira eléctrica, usando a guilhotina ou o internamento em campos de reeducação para os “traídores da classe operária”), não a defendendo, mas resulta da aplicação do princípio da responsabilidade individual: qualquer penalização prevista num código penal, quando aplicada, é a consequência necessária de uma decisão, livre e consciente, de praticar um acto criminoso. Ninguém o obrigou a praticá-lo e, sabendo das consequências, conformou-se com elas e agiu! O dano que causou reflectiu-se na vida ou no património de terceiros inocentes. E a sanção que sofre, só ao criminoso é aplicada!

E será difícil perceber que a luta contra o aborto e a eutanásia é uma luta contra aqueles que se julgam no direito de decidir matar terceiros inocentes de qualquer acto criminal voluntário e culposo, os quais (no caso do aborto) ainda não podem manifestar a sua opinião ou que (no caso da eutanásia activa) já não podem emitir uma vontade consciente e atendível? Poderá alguém, honestamente, afirmar que a decisão do doente seria livre e consciente? Quereria ele morrer ou simplesmente afastar o insuportável sofrimento de que padece (onde a morte lhe parece ser ou a única ou a mais fácil das soluções)? E, no caso do aborto, como se pode, em sã consciência, justificar a morte de um ser humano simplesmente porque aquela – que deveria exercer o sagrado dever de de tudo a proteger – optou por, egoisticamente, se livrar dela. E isto num “ocidente” que (melhor que o resto do mundo) estuda, aprende e sabe como cientificamente se processa o milagre da vida e que estuda, aprende e sabe como evitá-lo!?!

(Além disso, os da campanha pró-despenalização do aborto não afirmavam também que eram contra o aborto, e apenas a favor do direito a decidirem e poderem realizá-lo na segurança e no conforto de um hospital público?!? Ou seria só por dizer?)

São, por isso, manifestações de vontade não atendíveis. Porque, no aborto, os seus efeitos se reproduzem, exclusivamente, contra a vida e os direitos de terceiros (a lógica eugénica dos argumentos dos seus defensores, a ser aplicada na sua totalidade, necessariamente deveria culminar na eliminação de seres humanos nascidos com deficiências – e ainda acusam os outros de pretender regressar à barbárie?!?). E porque, na eutanásia, a voz do doente é a voz da dor e não a da razão! Não seria mais «em direcção à grande fraternidade humana» defender que se investigue novos meios de cura, ou, no mínimo, meios de aliviar a dor? É bem verdade: «o seu contrário, o regresso à barbárie, dado o incomensurável e perverso desenvolvimento das técnicas de destruição da vida, é em boa verdade também um caminho, o da autodestruição». É bem verdade que, quer o aborto que a morte assistida, fazem parte da história da humanidade. Sendo verdade que há uma humana tendência para os praticar, a sua permissão legal é uma demonstração de desistência social no combate a um flagelo que ninguém quer manter! Não resisto a mais uma citação: quem assim escreveu, indirectamente defendendo o aborto  e a eutanásia, usa «as apoltranadas aramas macias dos plumitivos sentados, a canetas servis de aplaudir o regresso ao passado, à barbárie, à força [contra indefesos] como argumento e à mentira com estratégia geral de apodrecimento global»!

Hoje vivemos num mundo onde é real a defesa de «um exercício da liberdade sem limites», onde real é a “bandalheira” ao nível da moral e dos comportamentos. Onde real é a vida com base em “valores”, que são fluidos, que são viscosos, que são degradantes, e que são os principais responsáveis por uma vida da qual todos nos queixamos e com a qual todos sofremos. Onde real é a negação das Virtudes em que sempre vivemos e que foram, são e sempre serão a única sustentação válida da Sociedade em que desejamos voltar a viver: uma Sociedade onde a Pessoa Humana seja valorizada, num contexto de Tradição, de Respeito, de Ordem.

A actual situação que se vive em Portugal e em quase todo o Ocidente chama à atenção para a urgência da retoma de «um quadro civilizacional de valores culturais [e morais] que possa constituir o pano de fundo a proporcionar aos católicos e a toda a sociedade um juízo dos factos e das situações, na perspectiva da doutrina da Igreja sobre a pessoa humana e sobre a sociedade» e a recusa do relativismo moral reinante, o qual impede que subsista «um padrão ético de valores, que, num quadro cultural, defina um projecto e um ideal», e que nega a validade de um homogéneo padrão colectivo de comportamento que sirva de referencial não só para o comportamento individual do ser moral que é o Homem, mas também (e muito mais grave) que sirva como «inspiração para as Leis e o sentido global da vida individual e comunitária». São evidentes (e recentemente denunciados pela Conferência Episcopal Portuguesa), «na sociedade portuguesa [e Ocidental], um conjunto de factos e de fenómenos que [devem ser considerados] sintomas preocupantes de uma alteração cultural que anuncia uma crise de civilização». A mesma nota pastoral denuncia a existência, na sociedade portuguesa (e Ocidental), de «manifestações da defesa do exercício da liberdade, sem exigência da respectiva responsabilidade». A liberdade sexual é, hoje, um tabu, onde ninguém ousa tocar, mesmo numa perspectiva envolvente e global de educação para a responsabilidade.

E apesar dos problemas sociais e humanos decorrentes e adjacentes como as doenças sexualmente transmissíveis, o crescente aumento de adolescentes que engravidam, o aborto, «as soluções protagonizadas pela legislação procuram precaver ou remediar os efeitos, sem tocar na questão de fundo, que seria a promoção de uma sexualidade generosa e responsável. Universaliza-se o preservativo, facilita-se o acesso à chamada pílula do dia seguinte, criam-se salas de injecção assistida para os toxicodependentes, trocam-se gratuitamente seringas, e, nas campanhas de promoção ou dos prémios justificativos das leis, nunca se diz uma palavra que vá na linha de sugerir uma responsabilidade no exercício da liberdade». É importante referir que «admitir a irresponsabilidade num aspecto da vida, significa comprometer toda a educação para a responsabilidade. Como queremos, então, promover a responsabilidade pessoal e colectiva, na economia, nas obrigações fiscais, na fidelidade aos deveres profissionais, na circulação rodoviária e no respeito pelos bens que são da comunidade»? A política tem de «assentar num projecto de valores a promover e a defender. Deveria ser esse projecto cultural a definir as propostas políticas da sociedade a apresentar aos portugueses para a sua escolha democrática».

 seta-5158539

[email protected]
[email protected]