[ Dia 08-08-2003 ] – ASSENTO PARLAMENTAR por Humberto Candeias (BE).

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ASSENTO PARLAMENTAR
por Humberto Candeias
(Membro da Concelhia do Barreiro do
Bloco de Esquerda)
 

Cortina de Fumo

Os incêndios verificados ano após ano em Portugal merecem uma profunda discussão pública e política. Ao contrário dos dirigentes partidários dos partidos base do governo que defendem o silêncio e temem “os aproveitamentos políticos” é preciso ter a coragem de romper esta cortina de fumo e identificar as causas próximas e remotas na origem dos incêndios. Reflectir, apurar causas e contribuir para diminuir a probabilidade de acontecerem tragédias tão devastadoras, não é apenas necessário, constitui sobretudo um dever dos cidadãos em geral e dos políticos em particular seja qual for o seu papel e posicionamento.

Silenciar ou aligeirar a tragédia considerando que “existiu um número restrito de vítimas mortais” como afirmam altos responsáveis do PSD, lança a indiferença sobre o sofrimento e o drama vivido pelas populações e cava o fosso, cada vez maior, entre o povo e os políticos. Cabe-nos conhecer, sentir e compreender as consequências da catástrofe. A perda de vidas, das casas, do emprego, da paisagem, exige-nos proximidade, conhecimento, empatia e ajuda na resolução dos problemas emergentes. A estatística não ajuda nada neste momento, apenas adensa a cortina de fumo.

A tentação imediata no apuramento das causas incide naturalmente na eficácia dos meios utilizados no combate aos incêndios. A visibilidade da escassez de meios, sobretudo os aéreos, da falta de coordenação, da ausência de apoio logístico aos bombeiros, impulsiona-nos a discutir e aprofundar esta dimensão do problema. Contudo, por uma questão de oportunidade e de ponderação subjectiva sobre a importância relativa desta causa no conjunto das causas, que no meu entender estão na origem do problema, deixo para outra ocasião o escrutínio político sobre esta dimensão.

A imagem da devastação, o desaparecimento significativo de tão importante riqueza nacional, como a floresta e a paisagem, remetem-me para aquela que considero ser a causa centra-la insustentabilidade do actual modelo de desenvolvimento sócio-económico. A frequência, a extensão e as consequências dos incêndios, não podem, obviamente ficar a dever-se a questões do domínio técnico do combate aos incêndios. São as políticas que têm vindo a ser praticadas, de Ordenamento do Território, Economia, Emprego, Agricultura e Ambiente que enformam as áreas do interior onde ocorreram os incêndios. A desertificação do interior do país, o desinvestimento económico, o desinvestimento na protecção ambiental e florestal, a perda da diversidade florestal em favor da eucaliptalização do país para enriquecimento de meia dúzia, o enfraquecimento do planeamento público territorial, para gáudio dos patos-bravos, contribuem decisivamente para a existência de condições que favorecem a eclosão e manutenção dos habituais incêndios estivais.

Este modelo de desenvolvimento sócio-económico centralista baseado essencialmente no mero crescimento económico, subjugado aos interesses privados tem-nos conduzido ao ponto em que nos encontramos. Isto é, a dimensão ecológica, cultural e política do nosso desenvolvimento afiguram-se cada vez mais residuais, esmagadas pelo dictat económico, seja ele dos colossos privados seja o da Comissão Europeia e o do seu famoso Pacto de Estabilidade.

O desenvolvimento sócio-económico sustentável deve ser organizado numa base local, num contexto de planeamento participado com as populações. O desenvolvimento e modernização, por ex. da Agricultura e da Pesca, promoveria o povoamento equilibrado do território, estimulando funções de regulação e prevenção de situações de risco como é o caso dos incêndios.

O segundo momento de reflexão não pode deixar de equacionar o problema dos incêndios no contexto de outros acidentes a que, infelizmente, nós portugueses somos muito dados. Refiro-me ao drama rodoviário, aos acidentes de trabalho, aos que ocorrem na utilização de equipamentos e espaços desportivos, etc. É evidente que não vivemos numa sociedade que promova uma cultura de Prevenção e Segurança. Por razões históricas e religiosas habituámo-nos a confiar o destino a Deus. Os acidentes são percepcionados como acasos infelizes fruto de factores que não podemos conhecer ou controlar. Cabe ao Estado fomentar uma Educação e Formação para a Prevenção e Segurança que parta de pressupostos bem diferentes. Os acidentes podem muitas vezes ser evitados e quando tal não for possível, podemos enfrentá-los com meios e organização adequados.

O poder público tem aqui uma responsabilidade major na garantia dos direitos dos cidadãos, bem como na fiscalização dos deveres. A defesa do interesse geral, Nacional, passa por um poder público forte e interventivo nesta área, sem dependências dos grandes interesses privados, que muitas vezes conflituam com o interesse do cidadão.

Os incêndios, felizmente, irão terminar, mas a cortina de fumo, essa, certamente irá continuar… seta-4210154