ASSENTO PARLAMENTAR
por Vítor Manuel Cavalinhos
(Coordenador do Bloco de Esquerda do Seixal)
No ano da graça de 2003, foi dado à estampa uma obra, que perdurará através dos séculos como em esteio da língua portuguesa, de seu nome “Comunicar”, manual de língua portuguesa do 10º ano. Na obra em referência surge o regulamento do Big-Brother, com fotos de ex-concorrentes, propondo-se aos alunos que refiram o que conhecem sobre o concurso e elaborem um parecer sobre o mesmo.
Um administrador da editora diz ser normal que os autores destes livros “façam experiências pedagógicas” e acrescenta que o concurso existe – nem tínhamos dado por isso! – está na televisão e é bom que os alunos conheçam o regulamento.
A cereja em cima do bolo, é uma senhora da Associação de Professores de Português que diz que “os exercícios vão ajudar a explicar a distinção entre o bom e o mau, desde que se fale sobre os aspectos negativos dos programas”.
Parafraseando o Solnado “tá-se mesmo a ver não tá-se!”
A colocação de professores é outro escândalo. Faltam colocar centenas de professores e há milhares de alunos sem aulas.
Porque a Direcção Geral da Administração Educativa (DGAE), em vez de colocar todos os professores, colocou no seu “site” a lista graduada de docentes não colocados e as escolas vêem-se obrigadas a contactar telefonicamente um a um os docentes, muitos dos quais não concorreram para a escola que lhes telefona ou terão já sido colocados noutra que lhes telefonou antes. Há escolas que se queixam de ter de percorrer 730 pessoas.
Na Secundária Gil Vicente foram destacados dois funcionários para fazer telefonemas; como precisavam de um professor de Ciências Naturais, foram à lista graduada com todos os professores não colocados do Minho ao Algarve. Lá para o fim do ano lectivo talvez consigam o tão almejado prof.
E depois há professores que já receberam mais de 50 chamadas. A eficiência barrosista poupa nos ordenados dos professores não colocados e gasta em telefone. Era anedótico, se não fosse uma irresponsabilidade que colide com o direito a aprender e ensinar de milhares de alunos e professores.
Certamente para conciliar a poupança com a inovação pedagógica, há escolas com turmas de matemática do 12º ano, com cerca de 30 alunos oriundos de diversos agrupamentos. E também as há de Sociologia com igual número de alunos. Onde fica o ensino personalizado? Que possibilidades de sucesso têm estes alunos?
E ainda as propinas. O actual governo tem batido na tecla da competitividade para justificar este aumento brutal das propinas do ensino superior dos anteriores 356.60 € para um mínimo de 463.58 e um máximo de 852 € – aumentos que oscilam entre 30% e 139%. A consequência óbvia deste aumento é tornar o ensino superior ainda mais elitista, regredindo aos tempos em que entrar numa universidade era um luxo quase exclusivo dos ricos; e se, dos alunos matriculados, hoje apenas 50% concluem os seus cursos, no futuro muitos mais irão ficar pelo caminho. Ou seja: a política do governo do PSD-PP põe Portugal a competir directamente com o terceiro mundo e não nos integra no “processo de Bolonha” de criação de um espaço universitário europeu. Em sete países da EU, entre eles a Áustria, a Finlândia ou a Alemanha não se pagam propinas, enquanto Portugal gasta menos de metade da média dos países da OCDE com o ensino superior – atrás de nós, só a Grécia e a Turquia.
O argumento da justiça social é o mais perverso, mas também o mais revelador, considerando o ensino superior um privilégio; este deveria ser pago pelos privilegiados que a ele acedem e que por essa via terão amanhã uma rica vida. Em que país estamos? No das muitas dezenas de milhares de licenciados no desemprego, a caminho das caixas dos supermercados e da proletarização – sem que isso envolva qualquer juízo de valor negativo – ou, como Alice, no país das maravilhas?
Sabe-se quem paga impostos neste país, basicamente os trabalhadores por conta de outrem, os mais castigados pelo aumento das propinas. Se os poderosos deste país, a começar pela banca, pagassem impostos a sério, todos poderiam estudar de graça nas universidades e ainda sobraria muito dinheiro para investigação e desenvolvimento. Como tal não acontece, mais uma vez os trabalhadores são duplamente penalizados pois os seus filhos, nalguns casos, terão de abandonar os estudos. Quanto aos subsídios e bolsas de acção social escolar, basta dizer que uma mãe que viva sozinha com um filho e ganhe o ‘ordenadão’ de 140 contos – 700 euros, já não tem direito a nada.
Quem hoje considerar o ensino superior um luxo, devia era ter vergonha de falar de progresso e competitividade.
Com a direita no poder, a Educação é o “saber” em vias de extinção.