ASSENTO PARLAMENTAR
por Daniel Arruda
(Membro da mesa nacional do Bloco de Esquerda
e da coordenadora distrital de Setúbal)
Autoeuropa o acordo
O acordo celebrado entre os trabalhadores da Autoeuropa anda nas bocas do país. Ele abre noticiários e é referido por tod@s @s fazedor@s de opinião deste país. E quando digo tod@s é porque o inovador deste acordo é, entre muitas outras coisas, o facto de uma vez o país falar a uma só voz no louvor a este acordo. Desde comentadores ligados ao patronato, passando por conservadores de direita até ás pessoas de esquerda.
Muitos dirão que então algo estará mal. Não é esse o entendimento dos trabalhadores da Autoeuropa se tivermos em conta que no acto referendário que validou o pré acordo entre a Comissão de trabalhadores e a administração cerca de 2/3 (62,31%) deram o seu sim a este acordo e apenas 35,27% o rejeitaram sendo que deve ser registado que este acto referendário teve uma participação de 81% dos trabalhadores. (O maior numero na história da Autoeuropa).
Se calhar neste ponto importa fazer uma pergunta importante.
Porquê este acordo ser elogiado por todos os quadrantes político-sociais do país?
Em primeiro lugar porque é sabida a importância que o polo industrial de Palmela é importante na economia nacional sendo que o factor mais visível desta realidade é o facto de só a Autoeuropa representar 2% do PIB nacional. Em segundo lugar é o facto de se conhecer a situação do país e saber-se que com mais 895 novos desempregados o distrito de Setúbal iria viver uma fase igual se não pior que a vivida na década de 80. Importa realçar neste ponto que em caso de despedimento colectivo na AE o número de desempregados não seria este mas sim multiplicado por pelo menos três pessoas que também perderiam o seu emprego nas empresas que directamente trabalham no parque industrial, ou seja, o número real de desempregados seria de perto de 2700. Um terceiro factor e não menos importante que este é que nestes comentários “aparentemente” favoráveis existe uma clara preocupação de fazer passar a mensagem de descredibilizar e denegrir a imagem dos sindicatos ao fazer tanto alarde da negociação em detrimento da luta.
O que normalmente não é referido é que para além de existirem na CT da Autoeuropa dirigentes sindicais, o sindicato enquanto estrutura na empresa nunca esteve a margem do processo nem deixou de dar opinião sempre que necessário. Aliás esta postura tem estado bem patente nos comentários, por exemplo, do Fernando Madrinha, no Expresso de dia 5-12-2003, em que faz a comparação entre o que se passa actualmente na Carris e a situação que se vive na AE. Foi assumido desde a primeira hora por todos os representantes dos trabalhadores da Autoeuropa que este acordo, tal como o de Março, era um acordo que poderia e deveria ser estudado por todos mas que nunca poderia ser aplicado indiscriminadamente em todo o lado. No que diz respeito a metodologia aplica-se exactamente o mesmo só que com uma nuance, que é a de o patronato português não ser por norma aberto e disponível a negociar como a administração da Volkswagen. E é por causa disso que se aproveitam para passar a mensagem que os sindicatos são maus e que a culpa é toda destes. Pior ainda é a mensagem que passa que desta forma a luta de classes deixa de fazer sentido quando é exactamente o contrario que se passa neste acordo. A luta de classe sai reforçada e unida para lutas que possam existir no futuro.
Este acordo na empresa surge numa altura de clara crise no sector automóvel e de uma ofensiva neo-liberal fortíssima e é nesta perspectiva que ser visto. O que quero dizer com isto é que o acordo não é uma vitória esmagadora dos trabalhadores mas também não representa de todo uma derrota. É o acordo possível na situação actual, ou como dizia o coordenador da CT, António Chora, recentemente, este não é o acordo que os trabalhadores desejavam mas também não é aquele que a administração pretendia”.
Antes de explicar o acordo importa explicar a situação interna da empresa no início desta negociação. A fábrica de Palmela iria passar de uma produção de 132.000 veículos em 2002 para uma produção de cerca de 82 mil carros em 2005. Ou seja menos cerca de 50.000 veículos em 3 anos. O que a empresa também sabia (e os trabalhadores também) é que esta empresa é viável e que vai receber no semestre de 2005 novo produto. Ora este novo produto precisa de mão-de-obra para ser construído e foi nessa base que se iniciaram as negociações, com uma primeira proposta da administração que tinha dois vectores. Um primeiro que era o do despedimento de cerca de 895 trabalhadores ou então que os dias de paragem necessários fossem compensados com trabalho aos sábados a proporção de 1 por 1 (quando a empresa os paga em dinheiro a 3/1). Ambas as propostas foram linearmente rejeitadas pela CT. Julgo que seria fastidioso explicar todo o processo negocial mas era importante saber-se onde as coisas começaram para perceber o alcance do resultado.
Do que consta o acordo então. Em primeiro lugar e talvez o mais importante deste acordo foi o de não haver despedimentos colectivos até Dezembro de 2005 e que a Autoeuropa laborará a dois turnos rotativos de modo a que os trabalhadores não sejam penalizados no seu salário através da perca do subsídio de turno. Em compensação do não aumento de salários cada trabalhador recebe um prémio de 550 euros em Setembro de 2004. Cada trabalhador fica também com o direito ao 24º dia de ferias sempre que não tenha faltas superiores a 24H e 25 dias para faltas não superiores a 8H. Deixei para o fim os dias vitalícios adquiridos que são num total de 22. E deixei para o fim de modo a explicar como este dias aparecem e como serão usados. Os trabalhadores da Autoeuropa abdicam de um aumento de 3,9% entre 10/2003 e 9/2004 e de um aumento de 3,3% entre 10/2004 e 9/2005 para passarem a ter direito a 12 e 10 dias não trabalháveis respectivamente. Serão estes dias que serão usados para fazer face as paragens (90 dias) que se avizinham, sendo que o cenário mais provável será o de ser necessário hipotecar alguns destes dias de 2006 e 2007. A partir do momento em que o saldo seja 0 os trabalhadores da Autoeuropa se trabalharem estes dias terão direito ao 15ª mês de salário ou se não os trabalharem ficarão com 47 dias de férias. O último dado relevante deste acordo é que este é feito para uma vigência de dois anos.
Uma pergunta se põe agora que o acordo anda nas bocas do mundo. Será que os trabalhadores da Autoeuropa fizeram as melhores escolhas ou se haveria outras alternativas. Logicamente que outras alternativas há sempre. Podíamos sempre pegar na “bandeira” da luta tradicional e fazer greves e concentrações. Mas onde é que isso nos levaria? Que resultados obteríamos por essa via sabendo de antemão que a empresa precisava de parar 90 dias? Será que os trabalhadores da Autoeuropa, na maioria jovens sem tradições de luta, aguentariam lutar nestas condições? Por outro lado sabíamos que precisávamos de nos estruturar dentro do Grupo Volkswagen de modo a criarmos ferramentas que salvaguardassem agora e no futuro os postos de trabalho. Todas as fábricas do grupo possuem este tipo de ferramentas e convém lembrar que em muitos casos estas foram conseguidas através de redução do salário, ao contrário do que aconteceu na Autoeuropa.
Por fim, gostaria de deixar aqui um apelo que vem no seguimento do que também foi dito após o acordo de Março de 2003. Qualquer pessoa que tenha dúvidas sobre este acordo pode sempre contactar os representantes dos trabalhadores da Autoeuropa para falar e debater pois achamos que passa muito pela troca de experiências e informações o crescimento do movimento sindical em Portugal.