CARTAS DE MAREAR
por Mendes Ferreira
(Ortopedista e Médico do Trabalho)
De Peniche a Vladivostok
Sou um europeísta de ímpetos moderados. Acho que foi inútil a nossa adesão no tempo e no modo como foi feita. Mas, os meus entusiasmos ficam-se um pouco por aqui. A estabilidade política que então se pretendia foi conseguida. O progresso foi evidente e hoje a vida dos portugueses nada tem a ver com a que tinham no início da década de setenta.
Saímos da cauda da Europa e hoje, dos mais pobres, só a Escócia e a Grécia estão à nossa frente.
… Os outros sempre lá estiveram…
Hoje porém, somos pacífica e sorridentemente invadidos e conquistados pela Espanha, sem tiros ou balas. As armas chamam-se IVA e competitividade.
Aljubarrota pronuncia-se hoje com uma tónica e com um “som castelhano”.
À agricultura chegaram muitos milhões, essencialmente utilizados para comprar jeeps, usados sobretudo para cultivar o asfalto; e a maçã riscadinha compete hoje nas prateleiras dos hipermercados, com as suas irmãs de longínquas paragens, engraxadinhas, uniformes no tamanho, mas sem sabor.
O país refugia-se e delicia-se hoje com o Big-Brother, enquanto a inteligência jovem do país está a fugir e a ser recebida de braços abertos pelos nossos amigos e parceiros.
Neles nada investiram, mas com eles vão progredir.
Afinal foi útil trocar massa de vil metal por massa cinzenta.
Os problemas deste país são hoje muitos e variados, mas o não investimento na inteligência, sobretudo naquela que pode e sabe construir o futuro, é um erro grosseiro que não terá perdão.
A massa cinzenta não se dá bem com a mediocridade. Sente-se bem onde lhe reconhecem o valor e a compensam conforme o merecimento.
E desta simbiose que aqui não conseguem realizar, perde o país, perdemos todos.
A união europeia, resultante dos últimos tratados julga poder resolver a quadratura do círculo.
Querer aplicar as normas padronizadas e decididas em Bruxelas e obrigar à sua prática, de igual modo e com iguais resultados em Berlim, Londres e Lisboa, é como exigir a um Bairradino que goste tanto de salsicha como de leitão.
E, se há coisas onde para podermos ganhar a batalha da competição e qualidade temos que ser tão bons ou melhores que os outros, é contudo perigoso tentar fazê-lo ao arrepio da nossa natureza. Os genes não se podem mudar por decreto ou directivas e não podemos comparar o que não é comparável.
Como é que um parisiense e um coimbrense encaram a mesma realidade? Será impossível por decreto obrigar o habitante de Coimbra a amar a torre Eiffel como ama a torre da Universidade.
Tudo isto para vos dizer, que os meus entusiasmos por esta Europa isométrica do Atlântico aos Urais depara com dificuldades de todo em todo, insuperáveis e de vícios insanáveis, de consequências futuras imprevisíveis.
Se por decreto é possível impor a política monetária ou exigir critérios para estabelecer o défice, não será jamais possível que um alentejano ou um londrino tenham sensações idênticas perante os mesmos factos.
Os nossos genes têm maior percentagem de material genético magrebiano do que anglo-saxónico.
E hoje ninguém já tem dúvidas do papel decisivo que representa a inteligência emocional.
Que ninguém se admire pois, que a tristeza nos invada, que a depressão seja companheira. Inconscientemente e sem o saberem explicar, as pessoas sentem-se hoje como num violento salto no vácuo. Sentem-se não em evolução, mas em mutação.
E os pequenos fenómenos de que se dão conta de que algo os ultrapassa, é verificar que comem as tais maçãs padronizadas e insípidas em desfavor da tal riscadinha.
Penso que esta história de a todo o custo querer estar no chamado pelotão da frente sem que se tivessem tomado outras medidas, como a de estimulação do nosso amor próprio e o despertar da nossa espontaneidade e criatividade pode ter consequências trágicas.
Oxalá consigamos ir a tempo de o perceber e escolher caminho.
Porém, este erro já vem de trás, de há muitas gerações – o que vem de fora é que é bom…-
Agora porém, com uma gravidade que pode ser trágica, porque pode transformar-se em via sem retorno.
Ao complexo de “bom aluno” devemos contrapor a posição firme do “temos aqui para a troca”.
Aos comprimidos de progresso que nos querem fazer ingerir, devemos adoptar o nosso modelo, a nossa via, o nosso tempo, sem nos sentirmos violentados.
Temos porém, que não perder tempo e mudar muito no que concerne às falsas questões, aos complexos de inferioridade, ao pouco rigor, às invejas, aos sebastianismos desculpabilizantes e à subsídio-dependência inferiorizante.
Precisamos de, em conjunto, protagonizar um projecto aglutinizador, mas que potencialize as nossas melhores qualidades.
E precisamos de líderes para o ajudar a executar.
Pois, mas isto já é outra conversa…
E se os actuais já os conhecemos bem demais…os do futuro é urgente que tenham condições para poderem regressar.
Será o melhor investimento antes que passemos a ser:
Portugal – Região Autónoma da Ibéria!