[ Dia 13-02-2004 ] – ASSENTO PARLAMENTAR por António Gamito Vilhena (BE).

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ASSENTO PARLAMENTAR
por António Gamito Vilhena
(Coordenador do Bloco de Esquerda de Grândola)
 

“Hoje há conquilhas, amanhã…não sabemos”, dizia, não há muito, “um amigo, maior que o pensamento”. Hoje também há golfinhos roazes e, amanhã…, não sabemos. Com a aprovação do Plano de Urbanização de Tróia e do Plano de Pormenor da UNOP1 de Tróia os autarcas de Grândola propuseram a construção de uma marina, pondo em causa a existência destes mamíferos no Estuário do Sado.

Se o Plano de Urbanização não mereceu a unanimidade dos autarcas, aquando da sua aprovação, o mesmo não se passou no dia 9 de Janeiro no Carvalhal, onde os autarcas da Assembleia Municipal presentes foram unânimes na sua aprovação. O mesmo já se havia passado com os membros da Câmara Municipal de Grândola.

É curioso notar que o Decreto-regulamentar nº26/93, no artigo 22º-3, diz que “a criação, ampliação ou beneficiação de obras portuárias marítimas ou terrestres apenas é permitido nos seguintes locais… e, no que diz respeito ao estuário do Sado, nas proximidades de Alcácer do Sal e também entre o limite Sul da Caldeira de Tróia e o Canal da Comporta”. No entanto, a marina não está prevista para esta localização, já que o local proposto para a sua construção é junto ao actual cais de embarque.

Como foi torneado este preceito legal, não me compete a mim responder.

Que consequências poderiam advir da construção desta marina? Em primeiro lugar, não se trata efectivamente de uma marina, mas sim de uma estuarina, o que não é o mesmo. O estuário de um rio é uma imensa maternidade. Há que protegê-la.

Sabemos já da desgraça que se abateu sobre a produção de ostras. Com a deficiente gestão do rio desapareceram as ostras e cerca de três milhares de postos de trabalho.

No relatório síntese do Estudo de Impacte Ambiental da Marina e novo cais dos “ferries” do Troiaresort, afirma-se que “a singularidade desta população de golfinhos roazes residente em meio estuarino traduz um elevado valor conservacionista, com repercussões económicas decorrentes de possíveis actividades de turismo ambiental”. O mesmo estudo também refere que “A população residente no estuário será directamente afectada pelos projectos em apreço, nomeadamente em relação às actuais zonas de alimentação e socialização”. E, mais adiante, “De facto o presente nível de perturbação é já significativo, desde afecções dérmicas, até morte de crias e juvenis”:

Os roazes são considerados os sentinelas do Estuário do Sado. Eles atestam a qualidade das águas, a abundância de alimento e a tranquilidade do local. Se a sua população já se resume apenas a 30 indivíduos que estão a ficar envelhecidos, com a agitação de mais 151 barcos da estuarina ou porto de recreio e com o afastamento do cais dos ferrys para uma zona por eles muito procurada, certamente que pode ser dado um passo em falso, contribuindo para o seu desaparecimento. Isso seria uma enorme perda para o desenvolvimento turístico da região.

Sem os roazes poderá ainda a Baía de Setúbal fazer parte das mais Belas do Mundo!?

Mas, o levar por diante a construção de tal marina, estuarina ou porto de recreio náutico tem, igualmente um impacto directo negativo, sobre as pessoas, em especial as que precisam de se deslocar de Setúbal para Tróia ou vice-versa. Junto ao actual cais está prevista uma carreira não regular de barcos (anexo III da resolução de conselho de ministros nº22/2000). Ora, se está prevista uma carreira de transporte não regular entre Setúbal e Tróia, como é que as pessoas de Comporta, Carvalhal ou Tróia se deslocam a Setúbal !? Ou como é que as pessoas de Setúbal, Palmela e Moita vão até Tróia!?

O que ficaria, então, regularmente durante o ano, (caso a “estuarina” seja construída) seriam os ferry-boats, que atracariam na Península de Tróia, a Sul dos fuzileiros. Mas, isto é também um prejuízo para a população que tem de se servir destas carreiras, já que está prevista a redução de dezoito carreiras por dia, com um preço superior e cerca do dobro do tempo de viagem.

Há quem chame de irresponsabilidade os dirigentes do Bloco de Esquerda quebrarem a unanimidade em torno da construção do “porto de recreio” previsto para Tróia. Mas outra coisa talvez não pudesse ser a sua posição já que têm compromissos assumidos com a população e a defesa do ambiente.

Esconder estas preocupações à sociedade civil seria, certamente, imperdoável.

Enquanto este processo não estiver concluído, a população pode ter ainda uma palavra a dizer.seta-6362382