[ Dia 05-04-2004 ] – Entrevistas com João Manuel Dotti, presidente da Comissão Executiva da ADP (Adubos de Portugal).

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EMPRESAS, MOTORES DE DESENVOLVIMENTO DA REGIÃO

João Manuel Dotti, presidente da Comissão Executiva da ADP (Adubos de Portugal)
“A ADP tem vindo a fazer pesados investimentos
na área ambiental”

Criada em 1997 a partir da fusão da Quimigal com a Sapec, a ADP (Adubos de Portugal) detém actualmente cerca de 70% da quota de mercado nacional no fornecimento de adubos. Em entrevista ao “Setúbal na Rede”, João Manuel Dotti, presidente da Comissão Executiva da ADP, mostra-se tranquilo quanto ao futuro da empresa já que “não é possível” alimentar a população mundial sem recorrer aos fertilizantes. O Presidente afirma também que a indústria do adubo “não é mais poluidora que as outras” e que a ADP está a fazer “avultados investimentos” no sentido de se tornar cada vez mais amiga do ambiente. Atendendo a que a actual unidade teve parte da sua origem na antiga CUF (Companhia União Fabril) que iniciou a produção de adubo em 1898, João Dotti, numa breve viagem histórica, assinala as características mais marcantes daquela que foi uma das empresas mais importantes no panorama industrial português.

Setúbal na Rede – O que resta hoje da CUF?

João Manuel Dotti – Dentro da ADP resta a unidade do Lavradio, a antiga União Fabril do Azoto (UFA), uma empresa 100% do grupo CUF e que é hoje uma das mais importantes da ADP. Nos adubos existem basicamente duas grandes famílias, os adubos azotados que são produzidos a partir do azoto e da ureia que provêm da fábrica do Lavradio e os compostos que possuem os três fertilizantes, estes últimos produzidos na antiga Sapec. Existem duas linhas de produção de adubos compostos, uma que já pertencia à Sapec e que estava em Setúbal e outra que veio deslocada do Barreiro.

Da velha CUF fazem ainda parte da ADP cerca de onze armazéns espalhados pelo país, através dos quais é feita a distribuição dos adubos, ainda que estes entrepostos tenham cada vez menos importância dado que, com a melhoria das redes de comunicação, a distribuição pode ser feita de maneira mais rápida e económica directamente para o cliente. Além do que já referi, resta também da CUF toda a máquina comercial.

SR – E da mística da CUF, que incluía até um clube desportivo, o que sobra?

JD – Vivi nove anos no Barreiro, até 1972, e estive ligado ao clube desportivo que chegou a estar no terceiro lugar do campeonato. Passados 20 anos resta muito pouco do espírito que havia na empresa, do paternalismo, até porque o Barreiro foi uma zona muito traumatizada em termos políticos. O que eu penso que resta ainda do tempo da CUF é um certo tecnicismo. As pessoas continuam a gostar de ser tecnicamente perfeitos e a terem apetência para a actividade industrial. A grande empresa CUF e o parque desportivo, isso já desapareceu.

SR – A CUF foi inclusivamente responsável pela deslocação de muitas pessoas do interior do país.

JD – A CUF foi pioneira nisso. Quando eu fui para o Barreiro, em 1964, o Barreiro era um exemplo dentro do panorama nacional em termos de acção social, de escolas, de aprendizagem, do desporto. A CUF estava ligada a várias actividades desportivas além do futebol, tinha também na primeira divisão equipas de hóquei em patins, basquetebol e remo, modalidade onde éramos dos melhores, além de sermos também bons no atletismo. Nessa altura foi construído o pavilhão desportivo coberto, um dos primeiros do país.

No Barreiro o aspecto físico das pessoas distinguia-se do resto do país, não só devido à prática desportiva mas também porque desde muito cedo a CUF começou a distribuir leite nas escolas e uma alimentação racional. Na altura trabalhavam na CUF cerca de seis a oito mil pessoas. Só na zona têxtil, onde eu estive, trabalhavam duas mil pessoas.

SR – Toda a cidade dependia da empresa.

JD – Sim e nessa altura havia qualidade de vida. Eu vivi no bairro dos engenheiros e nunca notei que existisse qualquer tensão entre as pessoas, embora admita que pudessem haver alguns problemas em níveis hierárquicos mais baixos. Porém, para atrair pessoas para aquela zona, tendo em conta as dificuldades de acesso e que a ponte ainda não estava construída, é porque a CUF era uma boa empresa. Mesmo depois do 25 de Abril a empresa era uma das mais evoluídas em termos empresariais e de gestão. Muitos quadros fizeram formação no estrangeiro, eu por exemplo estive em Inglaterra, e nesse aspecto a CUF foi uma grande escola.

SR – O papel social que a CUF e as empresas da época tinham, não faz sentido hoje em dia?

JD – O que eu vejo através da minha experiência é que muitas dessas coisas só são valorizadas quando não se têm. Actualmente, uma das regalias que as pessoas da ex-CUF não querem perder é o acesso ao Hospital CUF, porque consideram que esse acesso é uma grande vantagem devido à qualidade dos serviços prestados. Neste caso estamos a falar de pessoas com 70 anos. Na altura, creio que até eu próprio não valorizava as condições que tínhamos, pois considerávamo-las normais.

Actualmente a assistência na saúde é passada para as companhias de seguros que estão vocacionadas para prestar esse serviço e empresas cotadas na bolsa nem sequer podem ter essas responsabilidades porque não se podem avaliar com exactidão. Eu conheço isso porque estive mais de 20 anos na Fisipe e há dois anos que estou nos adubos, embora já fizesse parte da ADP sem ser executivo.

SR – A ADP herdou algumas das preocupações sociais da CUF?

JD – Fundamentalmente herdou obrigações. Nós temos um acordo de empresa que foi herdado da Quimigal. Lembro-me que um dos direitos que existia na CUF antes de 1978, ano da sua nacionalização, era que as pessoas que atingiam os 40 anos de casa tinham direito a reformar-se por inteiro. Hoje em dia essa regalia tem-se vindo a perder, até porque as pessoas começam a trabalhar cada vez mais tarde, mas na época, quando se começava como aprendiz aos dezoito anos esta era uma regalia muito apreciada.

SR – Durante muitos anos o Barreiro foi conhecido pela sua neblina permanente. A ADP herdou também parte desse problema?

JD – Sim, aquilo que mais impacto tinha era a fábrica dos adubos compostos que nós transferimos para Setúbal, mas é evidente que as nossas preocupações e obrigações ambientais são completamente diferentes do que eram há 40 anos. De facto, a imagem do fumo e da neblina era uma realidade, mas devo dizer que os meus filhos viveram nesse ambiente e são perfeitamente saudáveis.

Nos últimos anos a ADP tem vindo a fazer pesados investimentos na área ambiental porque somos obrigados a cumprir determinados limites. Em Setúbal, numa das granulações, já temos filtro de manga. Noutra chaminé vamos colocá-lo até 2005. Todos os anos estamos a investir em questões ambientais e temos um controlo bastante apertado por parte do Ministério do Ambiente a quem temos que fornecer os resultados das análises periódicas. Temos um período de tempo para apresentarmos um plano de investimentos, depois temos três anos para o concretizarmos e vamos cumprir.

Na realidade existe um passivo que herdámos no Barreiro em termos ambientais. No Lavradio, na fábrica do amoníaco, temos alguns problemas em matéria de efluentes, mas estamos a resolvê-los, ainda que estejamos dependentes da ETAR do Barreiro que não está construída. Este é um problema que se tem vindo a arrastar ao longo dos anos mas que tem que estar resolvido até 2006.

SR – Até lá a ADP continua a contribuir para aumentar a degradação do rio Tejo?

JD – Eu não diria isso. O que temos é custos acrescidos para evitar isso. O facto da ETAR não estar construída não nos inibe de responsabilidade, pois nós temos que controlar os nossos efluentes e as nossas emissões de acordo com a legislação. Na realidade, tudo seria mais fácil se tivéssemos a ETAR.

SR – Esta é uma actividade que tem obrigatoriamente um impacto ambiental pesado?

JD – Sim e isso é reconhecido. O mundo não pode viver sem fertilizantes e se, por hipótese, eles acabassem, nós não conseguíamos produzir alimentos suficientes para a humanidade e isso está mais que provado. Para conseguirmos ter uma produção que permita alimentar a população mundial necessitamos de três elementos base, azoto, fósforo e potássio, sendo que o azoto é o mais necessário. Também é necessário enxofre, magnésio e cálcio, mas em menor quantidade.

O azoto vai-se buscar à atmosfera, tal como fazemos no Lavradio, com um consumo muito elevado de energia eléctrica e a consequente emissão de CO2, ainda que dentro dos limites definidos por lei. Nós estamos na lista para o licenciamento de emissões porque temos caldeiras acima de uma determinada potência em todas as unidades. Para produzir adubo é necessário consumir energia eléctrica e vapor, sendo que a produção de vapor implica fazer uma queima e como tal também liberta CO2, ainda que esta poluição não seja a mais prejudicial. Não me parece que a indústria dos adubos seja mais poluidora do que outras.

SR – Esta empresa não está certificada ambientalmente?

JD – Está apenas certifica pela I.S.O. 9000, mas estamos a preparar-nos para a certificação na 14000, penso que até 2006 tudo isso estará feito.

SR – O que falta para conseguir essa certificação?

JD – A certificação 14000 é simultaneamente da qualidade e do ambiente, mas neste momento estamos certificados em termos de qualidade pela 9000 e estamos a fazer investimentos na área do ambiente. Esta certificação tem que ser obtida até 2006 porque nessa altura todas as unidades industriais têm que rever o seu licenciamento, sendo que todas as vertentes dessas unidades vão ser avaliadas, desde a segurança até ao ambiente. Por isso temos um plano de investimentos que temos vindo a cumprir e esperamos obter a certificação até 2006. Evidentemente que se conseguirmos estar certificados com a 14001 será ainda melhor.

SR – Esta é uma actividade de risco em termos de perigosidade?

JD – Esta é uma actividade que comporta alguns riscos e que exige um bom plano de segurança, especialmente no Lavradio, dado que a produção de azoto se faz através de temperaturas e pressões muito elevadas. Para que o azoto seja retirado do ar é necessária uma pressão elevada e grandes amplitudes térmicas, ou seja, tanto se trabalha com temperaturas muito elevadas como muito baixas, o que comporta algum grau de risco. No nosso caso não utilizamos produtos venenosos, a perigosidade existe devido às temperaturas elevadas e às altas pressões, mas isto no Lavradio porque em Setúbal o problema não se põe.

SR – A que mercados se destina a produção da ADP?

JD – Hoje em dia já somos uma empresa para quem a exportação tem um peso considerável. 54% da nossa produção destina-se ao mercado nacional e os restantes 46% vão para o mercado internacional, sendo que Espanha absorve cerca de metade desse valor. Em Espanha temos a Intergal, uma empresa que comercializa os nossos produtos.

Temos os produtos convencionais e os específicos, que têm margens muito mais elevadas podendo assim ser deslocados para mais longe, uma vez que suportam o preço do transporte, o que não acontece com o adubo convencional. Em Portugal vendemos toda a nossa gama de produtos, mas em Espanha vendemos especialmente na Extremadura e em Castilla-Leon devido à proximidade das nossas fábricas.

SR – Com um índice tão elevado de exportação conclui-se que os vossos produtos têm qualidade em termos de mercado internacional.

JD – Eu diria que o adubo não tem uma grande sofisticação em termos de qualidade e, na realidade, as cerca de 250 mil toneladas que vendemos para o mercado espanhol representam apenas 5 a 6% desse mercado. O que é importante é que a nossa quota de mercado nos locais onde estamos presentes chega aos 30%.

SR – E como é que conseguem essas quotas?

JD – O que normalmente acontece com todos os produtos é que o produtor nacional, se for dominante, como é o caso da Fertibéria em Espanha, apenas consegue uma quota de 50 a 60% do mercado, porque ninguém quer estar dependente apenas de um fornecedor. Tal como aliás também acontece connosco em Portugal.

Não temos acesso a todo o mercado espanhol devido à distância, mas vendemos mais em Espanha do que os espanhóis em Portugal, isto porque o mercado nacional consome apenas 750 mil toneladas de adubo, é muito mais pequeno quando comparado com os cinco milhões de toneladas de Espanha. Também é evidente que o poder da agricultura espanhola não tem nada a ver com a nossa, pois em Espanha a agricultura tem evoluído de forma assombrosa.

SR – Como é que vê a actividade da ADP em Portugal perante a situação actual da nossa agricultura?

JD – Há dois ou três anos que estamos a trabalhar para o mercado ibérico. Temos consciência que não podemos trabalhar apenas para o mercado português porque nessa situação a produção teria que diminuir, os custos aumentavam e deixávamos de ser competitivos. Ainda que existam algumas quebras de mercado verifica-se uma alteração nos tipos de consumo e nos tipos de adubo, o que nos levou a arrancar o ano passado com uma nova fábrica de adubo líquido, isto porque este adubo começa a ser cada vez mais utilizado na fertirrigação. Actualmente já podemos encontrar olivais, pomares de citrinos e vinhas irrigadas.

O que está a acontecer é que há uma diminuição do consumo de adubo sólido, do adubo convencional e um aumento do consumo de adubo líquido. Apesar do mercado ter uma quebra de 3% ao ano, nós vamos compensando com a fabricação de outros produtos de maior valor acrescentado. Um dos mercados que mais tem crescido nos últimos anos é a jardinagem e a floricultura. Enquanto o primeiro é um mercado de quilos o outro é de toneladas, mas os quilos têm margens de comercialização muito maiores.

SR – Apesar da tão falada crise na agricultura portuguesa não se vislumbra um cenário negro para a ADP?

JD – Não, não vejo um cenário negro. Agora o que é necessário é adaptarmo-nos às novas regras do jogo. Pensar que vamos continuar a vender milhares de toneladas de um produto que se comercializa há mais de 20 anos, tal como ainda acontece, não faz sentido. O que se tem passado na Europa, nomeadamente na Alemanha que era um dos maiores produtores de adubo, é que as suas unidades têm vindo a fechar, embora o país continue a ser o maior produtor de adubos especiais para jardins e relvados.

O que vai acontecer é que temos que nos adaptar. O vendedor de adubo de há 20 anos não tem nada a ver com o actual, pois hoje as vendas são cada vez mais técnicas. Nós temos que aconselhar o consumidor através da assistência técnica, embora as vendas sejam feitas aos distribuidores. Costumamos dizer que o distribuidor é um parceiro de negócios e o agricultor o nosso cliente. No norte do país, devido à proliferação de pequenas explorações, a nossa divulgação é feita junto dos responsáveis das cooperativas. Cada vez se torna mais necessário o aconselhamento, até porque as directivas da política agrícola comum (PAC) vão no sentido de produzir utilizando o mínimo de adubo indispensável ao crescimento das plantas.

SR – Existe investigação dentro da empresa, no sentido de conceber novos produtos de acordo com as necessidades dos agricultores?

JD – Eu não diria investigação mas sim desenvolvimento. Temos acordos com universidades, nomeadamente com o Instituto Superior de Agronomia, a Universidade de Évora e a de Trás-os-Montes. Fazemos desenvolvimento de novos produtos com a colaboração das universidades e com a nossa própria equipa de desenvolvimento agronómico.

Cada novo produto tem que ser licenciado e para isso é necessário que se façam experiências em vasos, na universidade, e posteriormente em campos experimentais para provar que o produto funciona e obtermos a licença de comercialização. Mesmo que no futuro perdêssemos competitividade nas nossas fábricas, teríamos que importar os produtos e adaptá-los segundo as necessidades do consumidor português. Por isso, quando me perguntam qual é o futuro da ADP eu respondo que cada vez temos que dar mais importância ao aconselhamento agronómico e à distribuição.

SR – A crise económica que se vive em Portugal e na Europa tem afectado de algum modo o percurso desta empresa?

JD – É evidente que não estamos imunes à situação de crise, mas eu acredito que mais que os problemas com que a lavoura se depara, a grande dificuldade reside na desmotivação das pessoas. Na actividade agrícola cada cultura é um risco porque a pessoa gasta dinheiro nas sementes, nos adubos, nos cuidados com as plantas e depois espera que o São Pedro ajude para obter algum retorno, e quando não se está motivado todo o processo se torna mais difícil.

O que temos verificado é que tem havido uma diminuição da área cultivável, o que em parte se deve à política da PAC que incentiva a cultura extensiva e não a intensiva, que é menos amiga do ambiente. No entanto, o facto de estarmos tão dependentes das conjunturas internacionais que ditam o preço das matérias-primas, faz com que o mês de Janeiro e Fevereiro tenham sido bons para a ADP, isto apesar de todos termos dúvidas quanto ao facto da retoma já ter começado.

SR – Que vantagens tem esta empresa por pertencer a um grupo tão diversificado e tão grande como o Grupo José de Mello?

JD – Eu diria que a grande vantagem da ADP provém da experiência acumulada no tempo da CUF e da Sapec, isto apesar de terem existido alguns choques culturais entre as empresas. Não podemos esquecer que foi a fusão de uma empresa pública com 20 anos, com todos os hábitos e defeitos que isso implica, com uma empresa que foi sempre privada, a Sapec, muito mais exigente e agressiva em termos de gestão, o que não tornou as coisas fáceis. Porém, é uma grande mais valia para a ADP ter pessoas com tão vasta experiência nas mais diversas áreas, desde a parte industrial à comercial.

Quanto ao resto, creio que o nome Mello nos trás alguma credibilidade, em particular junto das instituições financeiras, mas continuo a acreditar que o nosso grande trunfo é a experiência acumulada. Há alguns anos fizemos um inquérito no sentido de determinar qual a importância do nome CUF e ficámos surpreendidos com a quantidade de pessoas que ainda associavam a CUF aos adubos. Dos três nomes, CUF, Quimigal e Sapec, verificou-se que mais de 80% dos inquiridos conheciam pelo menos um dos nomes e esse é que me parece ser o grande activo da ADP. seta-4503580