Eleições Europeias 2004
Miguel Frasquilho, candidato de Setúbal na lista da Coligação PSD/PP
“Portugal não pode continuar
a ser o parente pobre da Europa”
Deputado à Assembleia da República, desde 2003, com uma passagem pela Secretaria de Estado do Tesouro e Finanças, no ano anterior, Miguel Frasquilho foi escolhido para representar o distrito na lista da coligação Força Portugal às eleições para o Parlamento Europeu (PE). Ocupa um lugar não elegível, o último da lista, mas foi por mútuo acordo que assim foi, já que pretende apenas “ajudar” o PSD a “desmistificar” as políticas económicas “desastrosas” do anterior Governo. Acredita que apesar de impopulares, as reformas que o Governo de coligação está a realizar no país constituem o único caminho para a retoma económica e para Portugal não continuar a ser o parente pobre da Europa.
Setúbal na Rede – Porque é que aceitou integrar a lista de candidatos da coligação PSD-PP ao Parlamento Europeu?
Miguel Frasquilho – Sou o último da lista da coligação Força Portugal e tenho consciência que não estou em lugar elegível. No entanto, foi por vontade mútua, minha e do meu partido – o PSD –, que eu integrasse esta lista e foi por mútuo acordo que este lugar surgiu. Pensámos que a minha participação poderia ser útil, em eleições com esta importância, pois tínhamos a certeza que o tema Economia iria para cima da mesa, tendo em conta que o cabeça de lista do PS é Sousa Franco. Eu considero que o candidato socialista foi um dos grandes responsáveis pelo actual momento da ecomomia portuguesa, por todos os erros cometidos entre 1996 e 1999, com a pasta das Finanças. Dada a minha formação como economista e também por já ter pertencido ao Governo achei que podia ajudar o meu partido nesta batalha. Acredito que temos uma oportunidade única para desmistificar o consulado de Sousa Franco enquanto ministro das Finanças. Sublinho que nada me move contra ele como pessoa – até pode ser uma pessoa excepcional – mas como ministro das Finanças foi um desastre.
Sousa Franco não exerceu um consulado de rigor, nem de consolidação orçamental, nem realizou reformas estruturais. Não é o PSD que diz isto, mas sim a Comissão Europeia, o próprio Banco de Portugal e o Governador do Banco de Portugal, que concordam que Portugal é um caso que não deve ser seguido por outros países que queiram aderir à união económica e monetária. Portanto, somos apontados como um mau exemplo ou um mau aluno. É um case study pela negativa. Eu penso que posso ajudar o PSD a desmistificar este consulado. Esta é a razão principal pela qual surjo na lista, mesmo que seja em último lugar, pois estou aqui única e exclusivamente para ajudar.
SR – O que é que o distrito de Setúbal poderia ganhar com a eleição de um eurodeputado do PSD?
MF – Não se tratam de eleições regionais e regionalizarmos uma eleição deste género é estarmos a fugir às questões europeias essenciais. Eu penso que é o país como um todo que deve estar no centro das atenções. Num quadro em que temos uma União Europeia cada mais alargada – agora 25 membros, daqui a dois ou três anos são 27 –, fazer ouvir a voz de Portugal em Bruxelas é cada vez mais essencial, mas é também cada vez mais difícil. Não será caso para dizer que Setúbal ganhe ou perca, é o país todo que ganhará ou perderá.
SR – Mas insistindo numa perspectiva regional, que áreas do distrito de Setúbal considera que merecem especial atenção por parte da União Europeia?
MF – Por exemplo, o sector das pescas é fulcral para o distrito. Há cerca de um ano, depois de uma proposta não muito razoável por parte da União Europeia, Portugal conseguiu manter as quotas de pescado. É o caso do peixe de espada preto e da sardinha, já para não falar do goraz que é mais importante nos Açores. O peixe de espada preto é mais importante para Sesimbra, onde existe um dos principais centros piscatórios do país e, sem dúvida, o principal do distrito. Já a sardinha é mais importante para Sines, por exemplo. São duas espécies de pescado onde se conseguiu manter as quotas e aumentá-las bastante em relação à proposta inicial da Comissão Europeia.
Em termos agrícolas, também deve ser dada especial atenção à região. Neste aspecto, os deputados do PSD eleitos por Setúbal na Assembleia da República têm dado um bom contributo aos produtos agrícolas e regionais, de um modo geral. Temos realizado muitas iniciativas, promovendo vinhos, queijos, tortas e esses de Azeitão. Os vinhos da região de Setúbal têm tido uma promoção muito interessante em Estrasburgo e Bruxelas, também em acções na Assembleia da República e na própria Quinta da Bacalhoa e outros locais do distrito. Não nos restringimos à região e ao país, promovemos no nosso espaço natural que é a União Europeia. Estou certo que vamos desenvolver outras acções, em breve, pois este é um dever dos deputados que são eleitos.
SR – Quais os objectivos da coligação Força Portugal para estas eleições europeias?
MF – Obviamente ganhar.
SR – Quantos eurodeputados espera a coligação eleger?
MF – Estas eleições vão ter resultados ainda mais imprevisíveis que o habitual, devido à elevada abstenção que, infelizmente, esperamos. Tem vindo a crescer cada vez mais nas eleições europeias. Penso que aqui os políticos têm uma quota parte de responsabilidade, por não conseguirem passar a mensagem europeia da melhor forma para as populações.
SR – Acha que as pessoas estão pouco informadas sobre os objectivos das eleições europeias?
MF – Acredito que estão pouco informadas. No entanto, há alguns dias ouvi afirmações de Mário Soares com as quais concordo. Não quer dizer que as pessoas saibam exactamente o que é a Constituição Europeia, o que é o Tratado, entre outras coisas. O importante é que as pessoas tenham uma ideia de para onde querem ir. Eu próprio não conheço a Constituição Eurpeia em todos os seus artigos e na sua plenitude, até porque essa é uma tarefa para quem está todos os dias nessa área. Mas têm-se realizado sondagens que têm referido explicitamente que entre estar na Europa e não estar, Portugal quer claramente estar na Europa. Entre dizer sim ou não à Constituição Europeia, Portugal claramente diz sim. Nós sabemos para onde queremos ir, sabemos que estamos melhor na União Europeia e na zona Euro. Há uma plena consciência disso no país.
SR – A abstenção pode sair vencedora nestas eleições?
MF – Se isso acontecesse já não seria a primeira vez, porque já nas últimas eleições europeias ultrapassou os 50%, aliás, creio mesmo que ultrapassou os 60%. Foi uma taxa muito alta. As eleições têm que ser realizadas entre 10 e 13 de Junho, pois estas são as datas colocadas à disposição pela União Europeia. Qualquer uma das datas entre estes dias seria má, porque se trata de um fim-de-semana prolongado, já que temos o feriado de 10 de Junho. Dia 13 seria a data menos má para combater a abstenção, mas acho que, infelizmente, será muito elevado.
SR – O que acha do modo como está a decorrer esta campanha eleitoral?
MF – Tem-se optado muitas vezes pela parte mais pessoal, tentando-se atingir as pessoas e acho que este não é o modo mais correcto de fazer a campanha. Também não se tem discutido devidamente os temas europeus, o papel de Portugal no mundo e o papel da Europa no mundo. Tem-se optado mais por discutir questões de política interna, como a economia. Aqui, o PS deu uma boa ajuda para que o tema central não fossem as Eleições Europeias, até pela escolha do cabeça de lista, Sousa Franco…
SR – É a esse cabeça de lista que Miguel Frasquilho aponta erros no passado. Que erros são esses que, no seu entender, fizeram Portugal passar por “mau aluno” na Europa?
MF – Sousa Franco não se apercebeu quando se decidiu adoptar a moeda única, em 1996, que, com a descida das taxas de juro, as famílias e as empresas portuguesas endividaram-se muito. Esta situação teria de ter uma contrapartida. As taxas de juro baixaram de mais de 13% para 3% e as pessoas aproveitaram para contrair empréstimos, para comprarem casas e carros e as empresas aproveitaram para investir. Tinha de ter havido um contrabalançar do lado da política orçamental, que não existiu.
Além disso, a política orçamental – que compete ao ministro das Finanças – teria de ter um papel muito acrescido. Isto porque, Portugal perdeu a liberdade de mexer nas taxas de juro e também política monetária, questões que são decididas em Frankfurt. A nossa moeda passou a ser o euro tal como a de outros 11 países, que são os nossos principais parceiros comerciais. Perdendo política cambial e monetária, resta a política orçamental. As receitas e as despesas aumentaram a par e passo, cerca de 10% por ano, e não foi feita nenhuma consolidação orçamental. Os erros são muito claros. Portugal é um exemplo a não seguir. As revisões do défice e o apregoado rigor foram de tal forma falsos, pois se tudo tivesse sido claro, Portugal nem sequer tinha entrado na moeda única em 1999 porque o critério do défice tinha deixado de ser cumprido em 1997 e não em 2001. Aliás, em 2001 o ministro das Finanças, Pina Moura, já apanhou o carro desgovernado e, por isso, o défice excessivo desse ano não surge por acaso. Não é de um ano para o outro que as contas públicas ficam de repente muito más. Foi todo um processo que veio de trás. Pelo contrário, outros países da Europa, como a Espanha, Irlanda, Finlândia e Holanda, hoje podem dar-se ao luxo de terem uma boa margem orçamental para fazer face ao alargamento e à recessão. Isso Portugal não tem.
Entre 1996 e 2000, criaram-se 130 mil novos empregos na função pública e reduziu-se artificialmente o desemprego. Artificialmente, porque o emprego deve ser criado, não na esfera do Estado, mas nas empresas para se pder mexer com o tecido empresarial do país e com a competitividade. Isso não foi feito. Por outro lado, se nós estivermos vários anos sempre a gastar mais do que recebemos algum dia vamos ter de pagar as nossas dívidas. É isso que está acontecer nesta altura e estamos num processo de ajustamento que eu estou convicto de que já está a passar. Daqui a alguns meses, acredito que os efeitos positivos vão começar a ser sentidos. A comprovar isso, está o facto de o desemprego ter baixado, novamente, no mês de Maio, em relação a Abril, em todo o país e mesmo na Península de Setúbal. Penso que é um sinal importante para o nosso distrito, até porque, em termos homólogos (em relação ao mês de Maio do ano anterior) também baixou. A receita fiscal do distrito de Setúbal cresceu, este ano, mais de 30%, em relação ao mesmo período do ano passado. É das que mais cresce no país. Acho que este é um sinal do dinamismo do nosso distrito e de que estamos a ultrapassar a fase menos boa. Era inevitável termos tido a recessão, dado os erros que Sousa Franco cometeu enquanto ministro das Finanças. É uma factura muito cara que o actual Governo está pagar. Este Executivo está a fazer o que é necessário, embora eu gostaria que tivesse ido mais longe noutras áreas, o que ainda não foi possível. Mas este é o único caminho que nós temos para enfrentar a competitividade acrescida dos novos países que entraram na União Europeia.
SR – Portugal está preparado para enfrentar essa nova concorrência?
MF – Penso que não. Esse trabalho deveria ter sido feito entre 1996 e 1999, até entrarmos na zona euro. Isso não aconteceu. O resultado é que na competitividade fiscal estamos muito atrasados. Portugal tem taxas de imposto que, face às outras desvantagens do país, não são minimamente competitivas. A qualificação de recursos humanos, em Portugal, é mais baixa do que quase todos os novos países que entraram na União Europeia. Além disso, as nossas leis de trabalho são muito pouco flexíveis. A maioria dos novos Estados-membros da União Europeia tiveram regimes comunistas, e, no espaço de dez anos, fizeram um trabalho extraordinário. Fizeram em dez anos o que Portugal não fez em 30. É certo que passaram por quatro ou cinco anos muito difíceis, mas agora estão a registar um sucesso extraordinário em termos económicos. Outra vantagem é que são países muito menos burocráticos e os processos desenvolvem-se de forma mais célere. No entanto, vão ser feitas algumas mudanças neste aspecto, em Portugal. Por exemplo, é intenção do ministro da Economia avançar com um projecto, até final do ano, para que seja possível constituir uma sociedade, através da Internet, em apenas 48 horas. É um passo fundamental para recuperarmos o dinamismo da nossa economia.
No entanto, o Governo vai ter de realizar reformas que são impopulares, como as da Administração Pública, Segurança Social e Código Laboral, sob pena de o país ficar para trás. Se isso acontecer, os investidores, nacionais ou estrangeiros, vão-se deslocalizar para outras paragens. O Governo não pode deixar de fazer o seu trabalho, mas tem de explicar à população o que está a fazer e porque é que está a fazer. São reformas necessárias para Portugal não continuar a ser o parente pobre da Europa.
Estou convicto, no entanto, de que a imagem negativa de Portugal na Europa já está a passar, e é sintomático que o país tenha sido retirado da lista de países com défice excessivo. Isso é positivo para a credibilidade externa do país. Outro aspecto positivo é que, assim, as taxas de juro da dívida pública não aumentam tanto, nem os encargos para as empresas e famílias. É um sinal claro de que estamos a ir no caminho certo. É óbvio que é uma pena termos de recorrer a receitas extraordinárias, mas o importante é termos a noção de que as despesas públicas estão agora a crescer a 4 e 5%, quando no tempo de Sousa Franco subiam a 9 e 10%. Agora estão muito mais controladas.
SR – Como têm sido geridos os fundos comunitários pelos sucessivos governos portugueses?
MF – Os fundos comunitários têm sido geridos de forma razoável. As taxas de execução são altíssimas, a maior parte acima dos 80%.
SR – Acha que a região de Setúbal tem sido penalizada pelos fundos comunitários?
MF – Em termos de PIDDAC e comparticipação comunitária, no ano passado, o distrito foi o que mais cresceu no país. A prova é que há muitas infraestruturas que estão a ser construídas e outras prestes a serem iniciadas. É o caso do Metro Sul do Tejo, o IP8, o IC33, também têm sido inauguradas vias de ligação aos portos e mesmo novas estruturas dentro dos portos. Pode haver ainda uma terceira travessia do Tejo e até um túnel subterrâneo que ligue as duas margens.
SR – Quais as suas expectativas para o próximo Quadro Comunitário de Apoio?
MF – Boas. A proposta inicial feita pela Comissão Europeia é muito razoável para o país, pois faz com que Portugal não perca fundos comunitários face ao III Quadro Comunitário, entre 2000 e 2006 (o IV vai abranger o período entre 2007 e 2013). Tendo em conta que vão existir dez novos países, penso que é uma boa proposta.
SR – O que é que os eurodeputados eleitos pela coligação Força Portugal prometem fazer no Parlamento Europeu?
MF – Prometem fazer ouvir a voz de Portugal cada vez mais. Prometem tornar clara a voz de Portugal na Europa para fortalecer a voz da Europa no mundo, porque é através da Europa que Portugal é grande. O país faz parte da União Europeia e da zona Euro. Cada vez mais a Europa tem importância. A própria Constituição Europeia se vai sobrepor, em muitos casos, às leis nacionais. Portanto, estamos a ficar cada vez mais europeístas. Isto é bom, porque Portugal só tem a ganhar com a Europa. Por isso, é importante que em Bruxelas, todos os eurodeputados portugueses, independentemente da cor partidária, dêem as mãos e defendam os interesses do país.
SR – Poderá esta Constituição Europeia ser meio caminho andado para o Federalismo na Europa?
MF – Penso que estamos longe ainda disso. Mas a constituição é importante para ajudar a fortalecer a voz da Europa no mundo e aproximar mais os países europeus. Tendo em conta esta proposta, deverá haver, no futuro, um presidente da Europa, um ministro dos Negócios Estrangeiros europeu e vai-se acabar com as presidências rotativas. Estas alterações vão tornar cada vez mais importante a presença dos eurodeputados portugueses em Bruxelas e das idas do Governo às reuniões europeias. Cada vez mais, tudo vai passar a definir-se em Bruxelas ou em Estrasburgo, e é preciso que cada país faça ouvir a sua voz. Isto não é uma ameaça, é uma oportunidade.
Estas eleições europeias são, por isso, muito importantes. Não podem ser eleições para avaliar a política inerna. As pessoas ainda não sentem as melhorias das políticas realizadas pelo Governo, mas este é o único caminho para podermos ambicionar equiparar-nos aos melhores da Europa.