Eleições Europeias 2004
Joel Hasse Ferreira, candidato de Setúbal na lista do PS
Abstenção é o maior adversário do PS
Engenheiro civil e professor universitário, Joel Hasse Ferreira é deputado eleito por Setúbal à Assembleia da República e tem-se dedicado às questões europeias, nos últimos anos. Ocupa o 14º lugar da lista do Partido Socialista ao Parlamento Europeu e tem consciência de que não deverá ser eleito. Acredita que o PS vai vencer as eleições, pois esta é “a melhor lista alguma vez apresentada pelo partido”. Relativamente à concorrência dos novos países que aderiram à União Europeia, Hasse Ferreira reconhece que o país não está preparado para enfrentar algumas das vantagens dos novos Estados-membros.
Setúbal na Rede – Porque é que aceitou integrar a lista de candidatos do PS ao Parlamento Europeu?
Joel Hasse Ferreira – Estas eleições para o Parlamento Europeu são muito importantes. Em primeiro lugar, porque a Europa alargou-se, são já 25 Estados-membros, depois porque o destino do distrito de Setúbal é inseparável de um projecto europeu e de uma Constituição Europeia. Em terceiro lugar, porque houve no distrito um conjunto de pessoas que me indicaram para a lista, por acharem que eu era o candidato adequado pela minha experiência em assuntos europeus. Hoje em dia, as questões europeias são indissociáveis das questões nacionais e o Parlamento Europeu (PE) cada vez mais vai alargando os seus poderes e é conveniente estar-se presente.
SR – Acredita que o 14º lugar que ocupa pode ser elegível?
JHF – É difícil. A última sondagem aponta para a eleição de 13 eurodeputados. As anteriores apontavam para 10 a 14, mas acredito que o mais provável é que o Partido Socialista consiga entre 10 a 13. Depende da votação. Se fosse por uma questão de merecimento, a coligação de direita merecia ter um resultado péssimo e o PS um bom resultado. Mas nem sempre as coisas funcionam assim. Às vezes as sondagens, que dão bons resultados a um partido, podem desmobilizar o eleitorado que pensa que as eleições já estão ganhas e, por isso, não vale a pena votar. Isto já aconteceu em outros actos eleitorais.
Apesar de ter consciência que estou num lugar que pode não ser elegível, no futuro pode haver substituição de eurodeputados, como já aconteceu outras vezes. Pode acontecer que alguns candidatos, depois de eleitos, tenham de abandonar o cargo por vários motivos, como participar em eleições nacionais, legislativas ou autárquicas. Isso é normal. Por exemplo, aconteceu com António José Seguro. Algumas pessoas consideram que eu deveria terminar a legislatura, em Portugal, e ir para o PE apenas em 2006, quando for renovada a legislatura.
SR – O que é que Setúbal ganharia com a eleição de um eurodeputado do PS para o distrito?
JHF – Ganharia uma melhor atenção. Setúbal é um distrito que não tem tido representação no PE. O facto de Setúbal estar representado no PE poderia ser benéfico para veicular, por exemplo, informações sobre investimentos para o distrito. No entanto, houve deputados europeus que colaboraram bastante comigo, como João Cravinho, Fernando Gomes e José Apolinário. Deles obtive, frequentemente, informações importantes para o distrito de Setúbal, para determinados investimentos, para empresas e autarquias, para certas actividades, entre outras coisas. Estes deputados sabiam que eu estava interessado nos problemas e passaram-me um conjunto de informações. Mas estando lá, é possível gerar mesmo informação, projectos e parcerias. Podem gerar-se contactos a nível internacional que pode facilitar uma melhor inserção de Setúbal na construção europeia.
SR – Que áreas do distrito merecem uma melhor atenção por parte da União Europeia?
JHF – Por um lado, há que continuar com o processo de renovação do tecido empresarial do distrito. Há alguns investimentos internacionais de grande importância, como a Autoeuropa, há um conjunto novo de pequenas e médias empresas e um tecido novo de certas áreas. Houve muitos avanços nas infra-estruturas do distrito. Hoje há alguma paralisia, não só nas do distrito, mas também das que servem o distrito, porque Setúbal tem uma localização estratégica entre o mar, a capital portuguesa e o Alentejo. É preciso conjugar a área económica, industrial e de serviços com a área económica do ponto de vista do turismo e lazer. A questão turística é vital e é preciso aproveitar e promover um conjunto de potencialidades para beneficiar esta área. É preciso também dar o apoio à reconversão empresarial e ao desenvolvimento de Setúbal como um distrito com fortes potencialidades a nível logístico. Também é importante proceder à reconversão da agricultura e avançar com projectos de sustentabilidade ambiental. Também são precisas medidas no sentido da reconversão do sector da energia e da gestão dos recursos. Outra área que merece atenção é a qualificação e formação das pessoas. Na União Europeia há muitos recursos, mas é preciso ter-se capacidade para ajudar a drenar esses recursos para o distrito e envolver-se os protagonistas económicos, sociais e culturais do distrito no trabalho europeu.
SR – Quais os objectivos do Partido Socialista para estas eleições europeias?
JHF – Um dos grandes objectivos do PS é colaborar para que os socialistas europeus vençam estas eleições, o que permitiria relançar uma estratégia de desenvolvimento à escala europeia e alterar as regras de ligação entre o monetário e o económico. É preciso relançar os grandes projectos das redes internacionais, também proceder à potenciação e a coordenação da investigação científica e tecnológica e à coordenação das políticas económicas. Além disso, o PS quer contribuir para as possibilidades do comissário António Vitorino presidir à Comissão Europeia.
Além disso, o estado em que o Governo de coligação está a deixar o país merece uma manifestação de descontentamento. Os portugueses têm uma grande oportunidade de mostrar ao Governo, no dia 13 de Junho que estão efectivamente descontentes. Essas eleições não são para a formação de um novo Governo, por isso pedir que seja mostrado um cartão vermelho é um pouco demagógico, mas os eleitores podem mostrar um cartão amarelo.
Outro objectivo do PS é ajudar a dinamizar e a aprofundar o debate sobre as questões europeias. É preciso que as pessoas entendem que cada vez mais as decisões passam pela União Europeia. Também é preciso voltar a dar aos portugueses, na construção europeia, a projecção que tivemos no tempo do Governo de António Guterres. João Cravinho, na área dos fundos, Maria João Rodrigues, na área das políticas de emprego, Mariano Gago, na área das políticas científicas e tecnológicas, tiveram um papel determinante.
SR – Acha que as pessoas estão motivadas para votar no dia 13 de Junho, ou melhor, acha que estão informadas sobre os objectivos das eleições europeias?
JHF – Há uma grande desinformação. Houve mesmo pessoas no oeste, no Cadaval e em Sobral de Monte Agraço, que me perguntaram para que é o voto de dia 13. Também encontrei pessoas que sabem os objectivos destas eleições e pessoas que diziam “É pena estas eleições não serem legislativas para se mudar de Governo”. No entanto, há pessoas mal informadas, realmente, e é preciso um esforço permanente. No entanto, o Governo não está muito entusiasmado para isso e até parece que quer desvalorizar estas eleições para poder não tirar grandes consequências. Estou mesmo consciente que grande parte dos portugueses não vai votar.
SR – A abstenção pode sair vencedora nestas eleições?
JHF – Não se pode dizer que seja vencedora porque quem não corre não ganha nada. É uma completa ilusão e uma cegueira de pessoas, como José Saramago, que fazem o apelo à abstenção.
SR – Qual será o maior adversário do PS nestas eleições?
JHF – O maior adversário é a abstenção. O segundo é a coligação de direita, onde participam conservadores que se auto-intitulam sociais-democratas, mas estão no Partido Popular Europeu, e populares em Portugal que na Europa estão ligados ao grupo dos fascistas italianos. É uma nova direita pelo meio da qual estão elementos anti-europeus e com outras características que têm vindo a ser referidas.
SR – Acredita que o PS pode ser vencedor?
JHF – Acho difícil não ser. As pessoas estão muito descontentes e sabem que só há uma alternativa possível em termos de mobilização de massas. O PS apresentou uma equipa de pessoas excepcionais, com provas dadas no plano diplomático, como Ana Gomes, e no plano governativo, como Sousa Franco. É a melhor lista que o PS alguma vez apresentou e, no meu entender, é a melhor de todas as listas que estão apresentadas a estas eleições. Acho que estão reunidas as condições para o PS ganhar. O PS é um partido que se tem batido pela Europa. Foi Mário Soares quem assinou a carta de entrada na União Europeia. Foi com Sousa Franco e Guterres que Portugal entrou no euro. Foi Guterres quem propôs a Estratégia de Lisboa. O PS tem uma grande parte de responsabilidade em todo o impulso positivo que Portugal tem tido na União Europeia.
SR – Este foi um ano importante de mudanças na União Europeia, nomeadamente com o alargamento a 25 países. Acha que a região de Setúbal e o país estão preparados para enfrentar a concorrência dos novos países?
JHF – Acho que não. Alguma preparação que se vinha a fazer, talvez mais lentamente do que eu gostaria, parou. Ou seja, a maior parte dos países da Europa de Leste, embora com rendimentos per capita inferiores ao português, tem mão-de-obra, em geral, melhor preparada. São pessoas melhor preparadas e que ganham menos do que nós. Devíamos ter preparado melhor o tecido empresarial e os trabalhadores para enfrentar essa concorrência. Mas não é dramático, ainda estamos a tempo, e também já há empresas portuguesas já a investir e a trabalhar nesses países.
SR – Tendo em conta também a concorrência dos novos países, quais as suas expectativas para o próximo Quadro Comunitário de Apoio para Portugal?
JHF – O Governo não nos dá informação. Não sabemos se estão a ser bem utilizados os fundos que estão em curso. Os novos países vão ter uma limitação quanto à utilização dos fundos. Vão ter uma relação entre a utilização dos fundos e a riqueza que existe em cada um – o Produto Interno Bruto (PIB) – que lhes limita o acesso aos fundos. Não vão ter a mesma facilidade de acesso como Portugal, Espanha, Grécia, França, entre outros.
Com o actual Governo é uma grande confusão. A ministra das Finanças não tem tempo para tratar dos fundos e é preciso alguém que fique incumbido dessa tarefa. Os governos de Guterres e de Cavaco preocupavam-se com esta questão, este Governo não. Mas estou convencido que podemos, apesar de tudo, para boa parte das regiões ter acesso a um bom conjunto de fundos, no período entre 2006 e 2013. Já os novos países vão ter um acesso gradual aos fundos.
SR – Relativamente ao distrito de Setúbal, acha que tem sido penalizado na atribuição dos fundos comunitários, nomeadamente por nove concelhos estarem integrados na Área Metropolitana de Lisboa?
JHF – Acho que há benefícios e prejuízos. Há alguns grandes investimentos na área dos transportes e equipamentos. O facto de a região estar ligada a Lisboa, nesta plataforma que tem os dois estuários (dos rios Sado e Tejo) tem ajudado um pouco. Setúbal tem problemas sérios, a nível ambiental. Se houver energia, capacidade e lucidez, esta é uma das áreas onde é mais fácil ter projectos. Noutros grandes projectos, Setúbal isolado não tem massa crítica. Há que retirar alguma capacidade das vantagens de Setúbal. Na área ambiental haverá condições para haver alguns apoios.
SR – Quer deixar alguma mensagem aos setubalenses?
JHF – O funcionamento do distrito de Setúbal em Portugal e no contexto europeu só ganha se for visto numa perspectiva solidária. A votação para as eleições europeias também implica uma vontade de mostrar que estamos vivos e queremos participar neste processo. Seria uma grande prenda no dia de Santo António, dia 13 de Junho, se houvesse uma votação elevada em Setúbal e com especial incidência no PS. Mas o importante é que as pessoas votem em consciência e manifestem, quer a sua adesão ao avanço do processo da Constituição Europeia de forma participada democrática e solidária, quer o descontentamento face a este Governo.