[ Dia 10-06-2004 ] – Odete Santos, candidata de Setúbal na lista da CDU.

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Eleições Europeias 2004

Odete Santos, candidata de Setúbal na lista da CDU
“Se for eleita vou para o Parlamento Europeu”

Com 62 anos, Odete Santos é advogada, presidente da Assembleia Municipal de Setúbal e deputada à Assembleia da República. Ocupa o terceiro lugar na lista da CDU ao Parlamento Europeu (PE) e acredita que vai ser eleita. Se assim for, garante que vai cumprir esse mandato e defender os interesses do distrito de Setúbal e do país no PE. No caso do distrito, Odete Santos promete fazer elevar mais a sua voz por uma maior diversificação do investimento na área da indústria, para que Setúbal “não dependa só da indústria automóvel”.

Setúbal na Rede – Porque é que aceitou integrar a lista de candidatos da CDU às eleições europeias?

Odete Santos – A aceitação surge devido ao meu grande empenhamento e gosto pela política. O PCP entendeu que eu poderia dar um bom contributo e eu aceitei o convite. 

SR – Acredita que o terceiro lugar que ocupa na lista pode ser elegível?

OS – Pela aceitação que a CDU tem tido no país inteiro e pela boa aceitação que tenho sentido, por parte da população, em relação à minha própria candidatura, penso que é possível eleger o terceiro candidato.

SR – Se for eleita, vai mesmo para o Parlamento Europeu? 

OS – Se for eleita vou para o PE. Não tenho na minha história de eleições uma única que tenha sido só de fachada e que tenha dado origem a que eu depois peça a substituição.

SR – Qual será o maior adversário da CDU nestas eleições?

OS – É a abstenção. As propostas da CDU são aquelas que vão de encontro às pessoas que estão desencantadas com a política e que não têm visto os seus problemas resolvidos. Se esses são também aqueles que mais facilmente desistem de lutar porque acham que não vale a pena, então a abstenção toca particularmente a CDU.

SR – A abstenção pode sair vencedora no dia 13 de Junho?

OS – Eu acho que pode ser vencedora, depende do nível que atingir. Segundo se diz, a abstenção pode ser muito alta e também não me admira que assim seja. Para além do desencanto com a política, tudo tem sido feito para promover a abstenção. Desde os insultos mútuos entre os candidatos e manobras absolutamente de diversão para não discutir propostas concretas. Para não se dar a perceber que as propostas de alguns partidos são praticamente idênticas recorre-se a outros processos e isso promove a abstenção.

SR – Acha que se tem discutido pouco as questões europeias?

OS – Tendo em conta o diário da campanha transmitido pela comunicação social, há partidos que não discutem as questões europeias. No entanto, a CDU tem discutido estas questões de várias maneiras, em sessões, comícios e através do contacto directo com a população à porta das empresas. A CDU tem discutido questões concretas relacionadas com a Europa e com os reflexos da política da União Europeia no nosso país.

SR – Nesses contactos que tem mantido com as populações, tem sentido se as pessoas estão informadas sobre os objectivos destas eleições e, mesmo, se estão motivadas para votar?

OS – Há pessoas desinformadas. Encontrámos algumas pessoas que nem sequer sabiam que ia haver eleições. Muita gente continua a pensar que o Parlamento Europeu é muito longe e não vêm qualquer ligação.

SR – O que é que Setúbal ganharia com a eleição de um eurodeputado da CDU?

OS – O mesmo que o pais inteiro. Mas, no caso concreto do distrito de Setúbal, ganharia em termos de exigência de uma nova política por parte da União Europeia. A actual política serve os interesses capitalistas e não os interesses dos povos. A CDU irá luta a favor de uma política para os povos, para os trabalhadores e que tenha em conta a necessidade de industrializar o país. Para Setúbal é necessário um projecto diferente, na área da indústria, porque, praticamente, todo o distrito assenta numa única indústria, que é a automóvel, e tudo o que gira em torno dela, através da Autoeuropa. Não é difícil antecipar que um dia, quando a Autoeuropa acabar, também vão acabar todas as outras empresas a ela ligadas e vai haver uma crise no distrito. Aliás, já tinha havido uma crise em Setúbal resultante da não diversificação.

Por outro lado, o distrito de Setúbal foi vítima de destruição de postos de trabalho. Nomeadamente, na indústria têxtil houve empresas muito importantes que acabaram. Houve outras que acabaram há mais tempo para servir interesses capitalistas, como as desnacionalizações e as privatizações. É o caso da Quimigal, indústria química que era ligada à agricultura por causa dos adubos, que acabou por desaparecer. A agricultura também foi vítima de uma política errada, porque Portugal poderia ter exigido da União Europeia cláusulas de protecção para este sector, mas não o fez. A comprovar isso estão as quotas para os agricultores que não podem produzir mais do que uma determinada quantidade de determinados produtos.

Outro exemplo é também a Siderurgia Nacional que acabou por ser vendida aos espanhóis, quando Portugal está a importar produtos de indústria siderúrgica e metalomecânica que poderíamos produzir cá. Temos um défice na balança corrente, por exemplo, em relação à Eslováquia, porque Portugal vai lá comprar os materiais para a indústria automóvel, para a circulação rodo e ferroviária. Isto é absolutamente incrível. Os eurodeputados da CDU têm lutado por outro modelo de indústria.

SR – Acha que Portugal está preparado para enfrentar a concorrência dos novos países que entraram, este ano, na União Europeia?

OS – Não, não está. Isso é mais visível em sectores como o da agricultura, em que o alargamento deveria ter sido uma razão para Portugal pedir cláusulas de protecção, mas isso não aconteceu. Quando a Espanha entrou na União Europeia, a Grécia exigiu e obteve cláusulas de protecção para a agricultura do país. Portugal não está preparado para enfrentar a nova concorrência, nem nada foi exigido pelo Governo em relação a isso.

SR – Está também em marcha outra mudança na Europa, nomeadamente a criação de uma Constituição Europeia. Poderá ser este um passo para o Federalismo?

OS – Pode ser, mas eu não lhe chamaria Federalismo. É uma coisa atípica que pode traduzir-se na perda de soberania e independência nacional. Mas não será bem Federalismo, porque todos os estados federados têm iguais direitos e, neste caso, haveria estados com mais direitos em relação a outros no que diz respeito às votações. Significaria também a submissão da nossa constituição a esse documento (Constituição Europeia), que ainda não se sabe o que é e nem está a ser negociado por pessoas eleitas pelos povos. Seria um prejuízo para Portugal, porque, apesar de tudo, ainda tem, nomeadamente na parte laboral, leis muito progressistas, e esse documento muito ficaria a dever à Constituição da República Portuguesa. As directivas da Constituição Europeia entrariam em vigor directamente, sem qualquer adaptação à legislação portuguesa e aos princípios constitucionais.

SR – Está prestes a chegar ao fim o terceiro Quadro Comunitário de Apoio. Que balanço faz da sua aplicação, nomeadamente no distrito de Setúbal?

OS – Os fundos comunitários, em Portugal, não foram devidamente aproveitados. Houve muitos que serviram como uma espécie de aspirina para acabar com a febre, mas sem atacar as causas da doença. Os deputados do PE, como Ilda Figueiredo, Joaquim Miranda e Sérgio Ribeiro, até obtiveram algumas vitórias, por exemplo, em relação aos fogos florestais. Exigiram maiores apoios e subsídios e conseguiram que, há um ano, fosse aprovado o aumento do plafond.

Os fundos comunitários poderiam ter sido realmente investidos no desenvolvimento do tecido produtivo, mas como, paralelamente, ocorria o desmantelamento do tecido produtivo, no distrito e em todo o país, não houve esse investimento. É até incrível que se dê subsídios a grandes agricultores do sul do país para que não produzam.

Para o futuro, a verba destinada para os fundos comunitários é exígua. A CDU já tem propostas para um aumento da percentagem. O cabeça-de-lista da coligação Força Portugal também já disse que é pouca a verba que está destinada e quer resolver isso através dos impostos, o que significa ainda mais impostos a recair sobre o povo. A CDU defende que os fundos têm de ser aumentados e devem ser os países ricos a reforçar a sua contribuição e não devem ser os cidadãos a pagar.

SR – Setúbal, por estar integrado na Área Metropolitana de Lisboa (AML), pode ficar penalizado na atribuição dos fundos comunitários?    

OS – Se o gigantismo de Lisboa abafar os outros parceiros que pertencem à ÁML, a região de Setúbal ficará prejudicada. Por isso é que a CDU defende, e isso também se aplica à AML, que a UE deve ser caracterizada pela coesão económica e social, e pela solidariedade entre os povos, onde se discute onde é que é preciso mais apoios. Por exemplo, em Portugal é preciso colocar os ordenados e as pensões ao nível dos restantes países da UE. Em termos de AML, poderá haver, embora seja difícil, uma colaboração entre os concelhos para que não haja um grande derrotado e se obtenha a igualdade para os vários concelhos. 

SR – O que é que os eurodeputados eleitos pela CDU prometem fazer no Parlamento Europeu?

OS – A CDU tem alguns documentos dirigidos, especificamente, aos agricultores e às mulheres, e, de um modo geral, a todo o povo português. Daquilo que é possível deduzir das críticas que fiz anteriormente, a CDU promete lutar para que as empresas não se deslocalizem com muita facilidade. A CDU já propôs no PE que os conselhos de empresa tenham direito de veto em relação às deslocalizações e se possam opor ao encerramento de empresas. A CDU promete lutar por um política que desenvolva as capacidades produtivas do país, quer na indústria, quer na agricultura. Relativamente a este sector, vamos continuar a exigir alterações na Política Agrícola Comum para que a agricultura portuguesa possa produzir, pelo menos, uma grande parte daquilo que a população gasta em alimentação. Actualmente, Portugal produz muito menos de metade do que precisa para se alimentar. Também prometemos lutar para que os espanhóis não invadam a Zona Económica Exclusiva (ZEE) portuguesa e levar todo o pescado. Vamos lutar pelo direito à navegação e à utilização da nossa pesca, pois aqui também os nossos direitos estão limitados.

Outro aspecto importante que é necessário haver na Europa, e que não há devido à valorização do capital, é a valorização do trabalho. Esta valorização é importante para que haja produtividade e implica a exigência de novas tecnologias aplicadas nas indústrias. Portugal é o país com a maior taxa de pobreza persistente (mais de três anos) e um país com um nível muito elevado de desemprego, sendo mesmo o país com a maior taxa de desemprego entre os jovens, na UE. São também necessários níveis salariais e pensões de reforma condignas, pois só assim é que pode haver aumento de produção. Há quem defenda que o equilíbrio orçamental se faz à custa do desemprego. Isso está mesmo no relatório da Comissão Europeia, publicado pelo Banco de Portugal, segundo o qual Portugal agiu bem quando congelou o emprego e aplicou a moderação salarial. Mas considero que isto é precisamente aquilo que avoluma a crise, pois se os portugueses não puderem comprar bens de primeira necessidade – e o vestuário é um deles -, não são os ricos que vão colmatar essa falha na procura. O problema é que se não houver procura, não é necessário produzir mais e, consequentemente, não haverá investimento. O contrário é que desenvolve a produção e o investimento, ou seja, as pessoas ganharem para um nível de vida digno que lhes permite aceder a bens de primeira necessidade e, até, de segunda para viverem um pouco melhor.

Outra questão muito importante diz respeito aos direitos sociais. Tudo o que tem sido feito é para reduzir até ao mínimo a máquina do Estado, porque se reduzem direitos sociais, como o direito à saúde. O caminho da privatização marcha a passos largos para as multinacionais e seguradoras que mantém o negócio da saúde nas suas mãos. Também se reduzem direitos à Segurança Social, roubando os trabalhadores nos subsídios de doença e desemprego. Está também a pensar-se na privatização da educação, o que é muito preocupante. O Banco Mundial disse, num encontro recente em Lisboa, no próprio dia em que o Governo discutia e aprovava na Assembleia da República a Lei de Bases da Educação, que o Estado na educação deveria ser apenas uma entidade reguladora e não prestadora de serviços. Isto é preocupante, pois as multinacionais da Organização Mundial de Comércio querem a educação a seu cargo. Se assim for, teremos um modelo de educação para os pobres, que não podem pagar, e outro modelo para os ricos, que podem chegar aos mais altos graus de ensino. seta-2473248