[ Dia 11-06-2004 ] – Pedro Soares, candidato de Setúbal na lista do Bloco de Esquerda (BE).

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Eleições Europeias 2004

Pedro Soares, candidato de Setúbal na lista do Bloco de Esquerda (BE)
“O BE quer derrotar a política de direita”

Professor universitário da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa e membro da Mesa Nacional do BE, Pedro Soares, de 46 anos e residente no Seixal, ocupa o quinto lugar na lista ao Parlamento Europeu (PE). O candidato aponta como grandes objectivos do BE a eleição de, pelo menos, um eurodeputado e a derrota da direita. Defende a construção de uma Europa com uma maior participação dos cidadãos e, no seu entender, os poderes do PE deveriam ser reforçados. O desemprego e os problemas da sub-urbanização no distrito de Setúbal, são questões que gostaria de ver tratadas, com especial atenção, em Bruxelas.

Setúbal na Rede – Porque é que aceitou integrar a lista de candidatos do BE às eleições europeias?

Pedro Soares – Eu acho que o BE tem ideias e a grande diferença, em relação às outras candidaturas, é que nós falamos da Europa e temos propostas concretas para a Europa. Além disso, é um desafio de grande interesse poder contribuir para a renovação da esquerda e para a formação de uma política mais social na Europa. Sou dirigente do Bloco de Esquerda e, para além da obrigação, foi também com muito gosto que aceitei o convite da Mesa Nacional para aderir às listas.

SR – Tendo em conta as últimas sondagens que apontam para a eleição de dois deputados do BE para o Parlamento Europeu, qual seria a importância caso se concretizem estas expectativas no dia 13 de Junho?

PS – A importância seria muito grande. Mas, no princípio, o BE definiu que o objectivo destas eleições seria reforçar a influência política, social e eleitoral e obter representação no PE. Se conseguirmos concretizar estes objectivos, então a nossa participação sai vitoriosa. Queremos também contribuir para a derrota da direita. Estamos convencidos de que será um sinal importante, por parte do eleitorado português, poder demonstrar o seu descontentamento em relação à política que se tem vindo a fazer. Para além de um castigo ao Governo, será também a necessidade de afirmação de uma política europeia à esquerda.

SR – Apesar de ocupar um lugar não elegível, o que ganharia Setúbal, no seu entender, com a eleição de um eurodeputado do BE para o distrito?

PS – Quando um eurodeputado é eleito não vai representar uma região, mas o país. No entanto, conheço bem as problemáticas do distrito de Setúbal e, naturalmente, que isso não deixaria de influenciar as iniciativas políticas que viesse a tomar no PE. O distrito está confrontado com uma situação gravíssima ao nível do desemprego. Há mais de 11% de desempregados em Setúbal, o que corresponde a uma média muito superior à da Região de Lisboa e Vale do Tejo e também à média nacional. A Europa deve dar um contributo para resolver os problemas de Setúbal, que tem sido uma região massacrada, desde há muitos anos, pelo desemprego, encerramento de empresas e falta de investimento.

SR – Que outras áreas do distrito considera que merecem especial atenção por parte da UE?

PS – No distrito, em particular na Península de Setúbal, considero que há um problema onde é necessária a intervenção da UE para a sua resolução. Trata-se do crescente processo de sub-urbanização que está a acontecer na região. Há uma certa deslocação demográfica da Área Metropolitana de Lisboa (AML) para sul e este processo de crescimento urbano e demográfico não tem sido feito nas melhores condições. Por isso, hoje confrontamo-nos com problemas muito graves ao nível das infra-estruturas e da qualidade de vida nos espaços públicos. É preciso alterar esta situação e criar uma região de qualidade, em termos da vivência dos cidadãos e da própria fruição da região. Seria fundamental a criação de um programa de reabilitação urbana para beneficiar, não só o distrito de Setúbal, mas também outras regiões em processos de sub-urbanização na Europa.

SR – Quais os principais objectivos do BE para estas eleições?

PS – O BE quer eleger uma representação no PE, dar um forte contributo para a derrota da direita e desta política de direita. Queremos também contribuir para renovar a esquerda e obter, na Europa, uma melhor ligação aos movimentos sociais que tratam de áreas que não estão a ser tratadas pela UE. Temos uma Europa económica e monetária, mas não temos ainda uma Europa social e cultural, e este é um trabalho essencial que tem de ser feito.

SR – Qual será o maior adversário do BE no dia 13 de Junho?

PS – O nosso adversário é claramente a direita, ou seja, a coligação entre PSD e PP. No entanto, consideramos que a campanha que tem vindo a ser desenvolvida pela direita contribui também para um certo alheamento das pessoas e, consequentemente, para a promoção da abstenção. Este será também um adversário do BE, porque nós lutamos para que haja mais participação eleitoral. Se na própria campanha eleitoral não são discutidas as questões europeias e outras que interessam às pessoas no seu quotidiano, isso servirá para afastar os cidadãos.

SR – Acredita que a abstenção poderá ser muito elevada?

PS – O nível de abstenção em Portugal é superior à média europeia e é natural que essa tendência se mantenha. No entanto, os números variam conforme as regiões do país. Na AML a abstenção é menor do que em outras regiões, por isso, espero que a Península de Setúbal contribua para que não haja muita abstenção.

SR – Será que os eleitores estão motivados para votar, ou saberão mesmo quais os objectivos destas eleições?

PS – Acreditamos que as pessoas, pelo menos, saibam que no dia 13 de Junho há eleições para o PE. Também reconhecemos que não há um esclarecimento total sobre as funções do PE e, sobretudo, sobre a importância da Europa no dia-a-dia das pessoas. Caberia ao Governo, no nosso entender, investir nesse esclarecimento. Cada vez mais, no nosso quotidiano, as coisas mais elementares estão ligadas à Europa. Por exemplo, o aumento do desemprego prende-se também com uma política europeia relativamente ao défice – o Pacto de Estabilidade e Crescimento (PEC) –, que tem conduzido a que haja um aperto dos vários governos, no sentido de restringir o investimento público. Aqueles aspectos que nos parecem meramente nacionais têm, de facto, repercussões a partir da Europa. Muitos dos nossos problemas têm resolução a uma escala europeia. Era necessário que as pessoas estivessem esclarecidas sobre isto.

Devia, por outro lado, haver um reforço da capacidade de intervenção dos cidadãos no processo de construção europeia. A forma como se está a construir a Europa é afastada dos cidadãos e parece-se um pouco hipocrisia quando os responsáveis por esta construção vêm lamentar a abstenção. Isto nota-se quando se pretende aprovar um Tratado Constitucional para a Europa, no qual os cidadãos não participaram, nem têm qualquer conhecimento do que se trata. A futura Constituição da Europa vai mesmo prevalecer sobre a nossa constituição. Perante este cenário, como é que os cidadãos se podem ligar à Europa e mobilizar-se para votar? É uma hipocrisia a direita dizer que está muito preocupada com a abstenção, quando apoia um tipo de construção europeia que está muito afastada dos cidadãos.

SR – Este foi um ano de mudanças na Europa, sobretudo com a entrada de novos países. Como é que o BE está a assistir a este ano crucial?

PS – O BE apoiou o alargamento da UE, porque nós não somos contra a Europa, somos europeístas. Não temos uma visão nacionalista dos problemas dos portugueses. Cada vez mais as quatro linhas que definem o nosso rectângulo, para além das ilhas, são permeáveis, por isso não podemos ter uma visão autárcica deste território. O nosso problema diz respeito à forma como se está a construir esta Europa. Num processo de entrada de dez novos países, com níveis de PIB e rendimento, em geral, inferiores à média europeia, a UE deveria ser mais solidária e promover programas de investimento e de apoio a esses países para ajudar ao seu desenvolvimento. Isto sem, no entanto, desproteger aqueles com mais problemas, como é o caso de Portugal e da Grécia. Pelo contrário, assistimos aos países mais ricos, como a Alemanha, a quererem restringir e diminuir o orçamento da UE. Isto é contra-producente. Os novos países precisam de fundos. Quando Portugal aderiu à Comunidade Económica Europeia (CEE), em 1986, precisou de fundos para dar um salto e construir muitas infra-estruturas. Os novos Estados-membros também precisam, como, por exemplo, a Polónia que está com uma taxa de 20% de desemprego. Parece-nos errado a UE não ter preocupação de apoio e de entreajuda. O BE quer o alargamento da UE, para que haja mais Europa social, por isso a Europa tem de se construir e se unir de forma democrática, com a participação dos cidadãos.

SR – A Europa poderá estar a caminho do Federalismo, tendo em conta a anunciada criação de uma Constituição Europeia?     

PS – Aquilo que existe actualmente é próximo de uma Federação. Toda a lógica europeia é uma lógica federal. Neste momento, a UE é dirigida pelo chamado triângulo institucional. Num vértice temos a Comissão Europeia (CE) que é formada por comissários indicados pelos estados. Noutro vértice, temos o Conselho Europeu que é formado pelos governos dos vários estados. Finalmente, temos o PE que, em princípio, será o representante dos cidadãos. Mas, neste triângulo, é o PE que tem menos pode. Para que a Europa seja realmente uma Europa dos cidadãos, defendo o reforço dos poderes do PE, sem, no entanto, colocar em causa a possibibilidade de intervenção e o papel importante que as nações têm na construção europeia. Mas não pode continuar a haver este desiquilíbrio que existe actualmente, em que a CE não depende, em absoluto, do PE. O Governo da UE deveria depender da representação dos cidadãos com o PE.

SR – A região de Setúbal e o país, em geral, estão preparados para enfrentar a concorrência dos novos países?

PS – O país e, sobretudo, as regiões que, como Setúbal, têm tradição de indústria confrontam-se agora com novos países na UE com mão-de-obra mais barata do que a nossa, em muitos casos mais qualificada. Muitos têm também áreas com sectores industriais mais desenvolvidos que os nossos, em termos tecnológicos. Os fundos que vieram para o país com a adesão em 1986, em vez de serem investidos em betão, alcatrão e numa “espécie” de formação profissional, deveriam, antes, ter sido investidos na renovação do tecido produtivo e na formação e qualificação dos trabalhadores portugueses. No entanto, apostou-se num quadro de desenvolvimento que era o de se competir apenas com a mão-de-obra barata. Ou seja, os nossos produtos seriam competitivos no resto da Europa só porque um dos factores de produção, que é o trabalho, era barato. Este modelo tem de ser alterado. Até pode ser que a entrada dos novos países confronte este Governo e os empresários com esta realidade. Temos duas alternativas. Ou queremos que o país se desenvolva, cresça e que os cidadãos tenham melhores condições de vida. Ou então queremos como modelo para as nossas vidas o mesmo que se passa no sudeste asiático. Este é o modelo de quem perde. Portugal precisa de um modelo ganhador de desenvolvimento. Para isso é preciso valorizar o trabalho, desenvolver a economia portuguesa e a base produtiva. É preciso apostar muito mais na qualificação, na investigação e na inovação. Por isso, o confronto com os novos países pode ser positivo, pode ser um choque para a nossa economia. Portugal não pode continuar a ter os salários mais baixos da Europa, os níveis de qualificação mais baixos da Europa e as condições e qualidade de vida com os menores indíces. É preciso dar um salto.

SR – Que balanço faz da aplicação dos fundos comunitários no distrito? Setúbal tem ou não sido penalizado nos quadros comunitários de apoio?

PS – Setúbal teve uma operação de grande desenvolvimento, em finais dos anos 80 e princípios dos anos 90, quando foram canalizados para a península fundos comunitários importantes. A Península de Setúbal foi alvo do maior investimento industrial de sempre, em Portugal, com a Autoeuropa. Não digo com isto que não são precisos fundos, a questão está em saber aplicá-los. Muitos dos fundos aplicados na península destinaram-se a empresas que acabaram por fechar ao fim de pouco tempo. Foram mesmo feitas inaugurações, com alguma pompa e circunstância, de empresas que foram objecto de investimentos importantes por parte do Estado português e da UE. Ao fim de pouco tempo encerraram. Qual será a mais valia desses fundos para a Península de Setúbal? Temos áreas industriais abandonadas e desqualificadas. Isto não pode acontecer.

Não posso precisar dados, mas eu próprio já estudei este problema. Algumas conclusões que se retiram da operação integrada de desenvolvimetno da Península de Setúbal é que não houve uma diversificação do tecido produtivo e não houve um crescimento significativo do emprego devido ao encerramento de indústrias, como a Siderurgia e a Quimigal. A compensação que se pretendia através do investimento dos fundos comunitários não foi suficiente. Houve aspectos positivos, pois a instalação da Autoeuropa foi muito relevante para o distrito e para o país, mas a qualidade do investimento continua a estar em causa na Península de Setúbal.

SR – O que é que os eurodeputados eleitos pelo BE prometem fazer no Parlamento Europeu?

PS – Temos um programa eleitoral palo qual vamos lutar. Entre muitos outros aspectos, estamos preocupados com a forma como a Europa se integra no mundo e o papel que desempenha no mundo. O que se está a passar com situação de guerra no Iraque é muito preocupante para nós. O presidente dos Estados Unidos da América não abandona a lógica de guerra na qual este país tem vindo a colocar o mundo. O BE considera que a Europa devia distanciar-se dessa forma de ver o mundo e devia ser um espaço de paz e desenvolvimento. Não estamos de acordo com aqueles que pensam que o grande papel da Europa é competir com os EUA, pois isso cria uma lógica terrível. Ou seja, se nós competimos ao nível económico, também temos de competir ao nível militar, ao nível social, entre outros. Há até quem defenda que deve ser criado um exército europeu para nos podermos afirmar perante os EUA. Isso é um erro terrível, porque a lógica não pode ser a de consumir os recursos europeus em armas. Temos também absoluta consciência de que é impossível competir a esse nível com os EUA, neste momento. Se a Europa investir um euro ou um dólar num exército, os EUA investem dois ou três dólares, com toda a facilidade. É uma guerra sempre perdida. Uma das críticas que temos em relação à Estratégia de Lisboa – que não é de Lisboa, mas sim a estratégia de Blair, Berlusconi e outros – é que toda a estratégia é definida em função da competição com os EUA. Nós temos um modelo social europeu que queremos defender e melhorar. Não queremos a americanização deste modelo. O BE vai defender no PE uma Europa de paz, de desenvolvimento e mais democrática.

Isto reflecte-se em outras políticas, como a económica e a monetária. Por exemplo, o BE está contra o Pacto de Estabilidade e Crescimento, porque consideramos que deve haver um pacto para o emprego e o crescimento. Um pacto que produza equilíbrio nas contas e orçamentos de cada país, mas que não conte para isso com o investimento público, pois este tem de continuar a ser feito. O BE defende políticas concretas em relação aos problemas urbanos e políticas de maior igualdade de assumpção dos direitos das mulheres. O PE pode ter um papel muito importante de incentivar os parlamentos nacionais, nomeadamente o português, para acabar com a lei medieval do aborto. Esta questão toca particularmente Setúbal, pois, no próximo dia 15 de Junho, vai haver um novo julgamento, no Tribunal de Setúbal, de três mulheres acusadas de prática de aborto. Isto é inqualificável nos dias de hoje. O programa do BE é, essencialmente, de modernidade. Queremos uma sociedade mais moderna, mais avançada, mais próxima da realidade europeia.  seta-9235206