EMPRESAS, MOTORES DE DESENVOLVIMENTO DA REGIÃO
Francisco Amado, director-geral da Xiscópia
“Às empresas portuguesas falta capacidade
de organização e gestão”
Ser cada vez mais, “líder de mercado”, apresentando uma “solução completa” para o cliente, que vá desde a venda do equipamento informático até à assistência técnica, passando pela personalização do software, é o grande objectivo de Francisco Amado, director-geral da Xiscópia, num país onde, garante, a maioria das empresas “não têm capacidade de organização nem de gestão”. Em entrevista ao “Setúbal na Rede”, o director aponta o dedo à “inércia dos gestores” portugueses, que acusa de terem “dificuldade em tomar decisões rápidas”, em particular quando se trata de optimizar os seus recursos humanos, uma condição que Francisco Amado considera “fundamental para o sucesso das empresas”. Em época de crise, e apesar de considerar que a retoma económica já está em curso, o director geral da Xiscópia prevê que “muitas empresas acabem por não resistir” e engrossem a lista de falências, isto porque os gestores nacionais “não apostam” em instrumentos de gestão, porque “não querem gastar dinheiro em algo que não se vê”. A Xiscópia é uma empresa sedeada no distrito de Setúbal, que teve o seu início com a assistência a material para cópia, passando depois para a distribuição de componentes de informática, área que viria a deixar de lado em 2003, devido à crise. Segundo o director-geral, a empresa prepara-se para voltar aos componentes com a importação directa dos Estados Unidos, ao mesmo tempo que visa cimentar a liderança no âmbito da assistência técnica.
Setúbal na Rede – Como é que uma empresa de comércio surge entre as maiores do distrito de Setúbal?
Francisco Amado – Dada a diversidade da actividade em que estamos inseridos, essencialmente a área de hardware para informática, temos um grande volume de facturação, ainda que as margens de comercialização sejam muito baixas. A justificação para que a facturação da Xiscópia tenha disparado em 2000 reside no facto de ter entrado, precisamente nessa altura, ano campo do hardware.
SR – Essa é uma área onde há muita concorrência, onde existem alterações constantes e onde surgem a todo o momento várias empresas.
FA – Na maior parte das vezes, existe uma concorrência desleal. Esse facto, associado à estagnação do mercado, levou a que a empresa abandonasse, quase totalmente, esse sector em 2003 e tivesse continuado com a sua actividade tradicional.
SR – O que levou a essa estagnação do mercado?
FA – Tem a ver com o mercado a nível mundial e com o facto do mercado português ter sido reacondicionado pelo desaparecimento de vários importadores e fornecedores. Tivemos que ser mais selectivos na escolha das empresas com que trabalhávamos e algumas não cumpriam os requisitos que nós exigíamos, o que acabou por prejudicar os nossos clientes. Como se verificou um aumento da exigência do mercado dos componentes, quer a nível de fornecedores, quer de clientes, foi necessário tornarmo-nos mais selectivos por questões de segurança.
SR – Mas continuam a comprar-se componentes?
FA – Sim, mas não no volume inicial. Inicialmente o nosso volume de negócios poderia rondar os dois milhões de euros mensais e agora reduziu em menos de 10% desse valor. Isso verifica-se porque exigimos a garantia de que a origem dos componentes que compramos é a correcta e legal. Se esses critérios não forem cumpridos, não podemos satisfazer as necessidades dos nossos clientes.
SR – A que se refere quando fala em concorrência desleal?
FA – Não sei se é concorrência desleal, mas existem empresas que fazem negócios com os quais é impossível competir. Como os nossos clientes não compram a essas empresas, por questões de segurança, nós temos que encontrar os parceiros certos, e daí estarmos a desenvolver uma parceria com os Estados Unidos, que ainda não está concretizada devido a questões financeiras que estão quase resolvidas neste momento.
SR – Que critérios de segurança são exigidos?
FA – Para adquirir produtos a uma empresa é necessário saber se ela está registada, se paga as suas contribuições para a segurança social e para o fisco, além de cumprir os requisitos normais de transporte de material. Se a empresa não cumpre estas exigências, nós não arriscamos. Como não nos foram fornecidas as certidões comprovativas dos nossos requisitos, optámos por deixar de comprar aos fornecedores habituais.
SR – Na situação de crise actual, é normal que algumas empresas tenham dividas.
FA – É normal, mas isso não invalida que entreguem as certidões.
SR – Esta empresa afirmou-se pelo facto de trabalhar com grandes marcas.
FA – Nós somos o ponto de referência da Solbi, em termos de City Desk, da TI no que se refere a Art Soft, e somos distribuidores da Olivetti. Existem outras marcas que têm tentado aumentar a sua cota de mercado através da Xiscópia, mas nem sempre as condições são as melhores, pelo que não são muito relevantes. Temos também clientes que têm mostrado interesse em estabelecer parcerias connosco para desenvolver algumas linhas, como é o caso da Solbi e da Inforlândia, para citar dois dos mais importantes. Existem outras marcas no mercado com as quais estamos à vontade, porém preferimos fazer melhor restringindo-nos apenas a algumas marcas.
Há dois anos estabelecemos uma parceria com a Olivetti e estamos a tentar cimentá-la. Perante a quebra do mercado dos componentes em 2003, a empresa foi obrigada a voltar-se novamente para a sua actividade tradicional para não perder cota de mercado. Penso que agora estamos a atingir os nossos objectivos, apesar das dificuldades impostas pelo sector.
SR – A que chama mercado tradicional?
FA – Venda de equipamento informático normal, de cópia, fax, registadoras, software e inclusivamente, mobiliário de escritório, uma área onde estamos a ter um impacto significativo. A nível da assistência técnica em informática estamos a registar um aumento cada vez maior.
SR – Esta não é apenas uma loja de venda de equipamento, pois existe uma aposta na diversificação da actividade.
FA – Abrimos recentemente uma loja, no Feira Nova, exclusivamente destinada à venda a retalho. Mas esta empresa começou com o senhor Manuel Gonçalves, com a assistência técnica à cópia, passou para o sector da informática com a distribuição e alguma assistência. Neste momento, estamos a centrar-nos na assistência informática e de cópia, no mercado do mobiliário e agora, que a parte financeira está praticamente ultrapassada, estamos a pensar retomar o mercado dos componentes. Actualmente já temos o apoio da banca para começarmos a importar e voltarmos ao mercado dos componentes de forma segura, para darmos também segurança aos clientes.
SR – Que acordo têm com os Estados Unidos?
FA – Um acordo de importação de componentes, que já está firmado, faltando apenas colocá-lo em prática. Esta importação visa todo o hardware, discos, memórias, motherboards, monitores e dvds. Está também a ser analisada a distribuição de material informático montado nos Estados Unidos, mas é uma questão que está em aberto.
SR – Para além das vendas, a assistência técnica revelou-se uma área apetecível?
FA – A assistência técnica foi uma área que teve uma volta de 180 graus desde Novembro de 2003 e teve a ver com a renegociação da nossa parceria com a Solbi, o nosso principal parceiro nesta vertente, o que nos permitiu aumentar substancialmente a facturação na assistência técnica. A nível da assistência técnica de informática estou perfeitamente descansado e na assistência técnica de cópias estamos no bom caminho. Neste momento estamos a ultrapassar todas as dificuldades que tínhamos nesta área.
SR – São também uma entidade formadora.
FA – Uma das diversificações que iniciámos em 2000 foi a formação técnica para particulares e empresas. Em 2003 registou-se uma quebra na procura, que se deve às contingências do mercado, sendo que actualmente já se está a verificar alguma retoma. Além do que já referi, temos vindo a ser procurados por várias instituições no sentido de darmos formação prática aos seus formandos, e neste momento temos aqui oito pessoas nestas condições.
SR – Ainda não falou da vertente de serviços de software.
FA – Como é lógico, distribuímos software, mas neste momento estamos mais virados para a assistência técnica. A venda faz parte do nosso negócio, mas estamos determinados a apostar cada vez mais na especialização em assistência técnica, isto é queremos ser uma solução completa.
SR – Prestam serviços em termos de manutenção da estrutura física mas também na concepção de programas?
FA – Desenvolvemos programas à medida dos clientes, mas neste momento apenas as grandes empresas fazem essa solicitação e nós ainda não estamos no ponto de competir com as grandes marcas de software. Estamos a actuar no campo das médias empresas que adquirem software e depois pretendem desenvolvê-lo à sua medida. Devo dizer que somos muito competitivos nesta área, além de termos profissionais altamente qualificados para estas funções.
SR – Recorrem a soluções que já existem no mercado e fazem adaptações?
FA – Poderíamos desenvolver alguns programas mas os clientes não estão dispostos a pagá-los, pois apenas as grandes empresas recorrem a esta solução. Mesmo as empresas de média dimensão não recorrem a software personalizado. O que fazemos é agarrar em programas que já existem, apresentar as hipóteses de alteração segundo as necessidades do cliente e a partir daí adaptar o software à empresa.
SR – É válido afirmar que a empresa pretende assumir-se como único interlocutor junto dos clientes para tudo o que tenha a ver com a área de informática?
FA – Sim. Temos consciência de que existem concorrentes no mercado, de que existe muita oferta, porém existem poucas empresas a fazer um serviço completo como nós fazemos.
SR – A informática é uma das áreas onde há maior oferta.
FA – Neste momento o consumidor final já não procura apenas o preço mais baixo, também quer qualidade e já tem informação sobre o que quer. Infelizmente, ainda existe muita concorrência que consegue iludir as necessidades dos clientes, mas mais tarde ou mais cedo o profissionalismo e a qualidade de uma empresa como a nossa acaba por vir à tona. Nós estamos a investir no futuro.
SR – A crise tem-vos penalizado?
FA – Penalizou-nos muito e a empresa foi levada a repensar as suas necessidades em termos de pessoal. Este ano dispensámos pessoas, única e exclusivamente, porque não produziam. É um mal das empresas portuguesas não terem a capacidade de dizer às pessoas que não estão ali a fazer nada. Temos que ser frios, tomar atitudes e perante isso os resultados vêm ao cimo. O problema das empresas portuguesas reside na parte humana, não tem a ver com tecnologia ou saber estar no mercado. Eu costumo afirmar que para haver sucesso é necessário que as pessoas que estão à frente tenham bom conhecimento do negócio, mas sobretudo, é necessário que exista uma boa organização dos recursos humanos. Nestas condições todas as empresas são viáveis e mesmo que sejam absorvidas por uma multinacional, ninguém é penalizado.
SR – Ser absorvido por um grande grupo é também um cenário que se põe a esta empresa?
FA – Eu espero que sejamos nós a adquirir um grande grupo, mas essa é uma situação que é possível, pois no mercado nada é estático. Todavia, neste momento, essa é uma situação que para nós não é a ideal porque primeiro a empresa tem que estar cimentada no mercado e numa posição de liderança.
SR – Ainda não existem sinais de retoma económica?
FA – Contrariamente ao que se diz já se verificam sinais de retoma. Do meu ponto de vista, 2003 foi o ano em que se bateu no fundo em termos de economia. Ainda no ano de 2003 houve uma tentativa de arrumar a casa e em 2004 está a terminar essa arrumação e começam de facto a surgir os sinais de retoma económica.
SR – A abertura da vossa loja foi o aproveitamento de um período de crise para investir. Isto é um contra-senso ou tem que ser mesmo assim?
FA – É um contra-senso, mas se a empresa pretende dominar o mercado e mostrar que está na vanguarda, tem que mostrar que aposta no mercado. Esta é uma forma de demonstrar que o consumo público existe, a empresa é um sucesso e a loja também. Agora, para se atingir esse sucesso, é necessária boa organização, dar aos clientes o que eles querem, fazer um estudo de marketing adequado e saber onde se vai abrir a loja.
SR – Não é estranho que perante esta crise continue a haver tanto consumo?
FA – Não existe assim tanto consumo, pois o consumo está mais selectivo. Apesar de sermos um dos países que mais consome, o consumo já não é o que era, as vendas de todas as empresas, excepto algumas empresas de serviços, apresentaram quebra em 2003. Pessoalmente, não acredito que estejamos a falar de uma coincidência, creio que se está a verificar uma retoma, as empresas é que ainda não estão preparadas para dar continuidade a essa retoma. Espero sinceramente que 2004 não se torne uma cópia de 2003 no que toca ao número de falências, mas na verdade todos os indicadores apontam para isso porque as pessoas não têm capacidade.
SR – O que quer dizer quando afirma que as empresas não estão preparadas para a retoma?
FA – Não têm capacidade de organização nem de gestão e não gostam de investir nessas áreas. Não gostam de gastar dinheiro em algo que aparentemente não se vê, e esse é o grande problema. As empresas necessitam de reestruturar o mercado informático porque o que têm não lhes dá a informação de que necessitam, pelo que é preciso pagar serviços e comprar material. Ora, como isso não se vê, os gestores vão adiando a tomada de decisões, decisões que por vezes chegam demasiado tarde.
SR – Mas essa situação não é normal face ao endividamento das empresas?
FA – É perfeitamente normal, por isso é que as empresas necessitam de repensar o negócio ou a sua forma de estar no mercado. Os grandes negócios e as grandes compras fazem-se em épocas de crise. Existe muito dinheiro em Portugal e a prová-lo está o facto de se terem importado mais Ferraris este ano do que nos últimos cinco. O que as pessoas não fazem é pensar como é que vão organizar o seu negócio. Esta situação tem também a ver com a mentalidade dos empresários portugueses, agarram-se ao negócio mas nem lhes falem em gastar dinheiro porque estamos em época de crise e assim acabamos por ter uma pescadinha de rabo na boca. Se não se gasta, não se recebe, e se não se recebe, não se gasta.
SR – Quem são os clientes da empresa?
FA – Particulares, médias e algumas grandes empresas, essencialmente da região da grande Lisboa e zona sul. Temos alguns casos esporádicos noutros locais, como a Covilhã, mas 99% dos nossos clientes são da região da grande Lisboa e do distrito de Setúbal.
SR – A localização geográfica da empresa é de alguma forma condicionante da sua actividade?
FA – Não é condicionante, o mercado que nós tentamos abarcar é que nos condiciona, isto porque não queremos dar passos maiores do que as nossas pernas. Seria muito fácil admitir 20 vendedores para cobrir o país, mas a empresa não tem estrutura para o fazer, nem tem garantias de que esse investimento teria retorno. O mercado actual é muito concorrencial, em todos os pontos do país existem empresas dentro desta área. Perante essa situação, o nosso objectivo é dominar o mercado onde estamos inseridos, aquele que nós conhecemos melhor, e depois disso partiremos para outro.
SR – Existe a ambição de que esta empresa tenha uma dimensão nacional?
FA – Na área dos componentes não estamos limitados pela área geográfica, pois se temos um preço acessível, não necessitamos de sair daqui, já que o cliente vem ter connosco de qualquer parte do país e até da Europa. Dentro do sector tradicional, para já, não vamos sair do local onde estamos bem inseridos, mas queremos é ser cada vez mais líderes nesta região.
SR – Coloca-se a hipótese de abrirem outras lojas em breve?
FA – Não está fora de questão, mas primeiro vamos cimentar esta. Não vamos dar passos maiores do que a perna. Posso garantir que a nossa loja é a melhor de todo o distrito, quer em termos visuais, quer de produtos, logística ou publicidade. A loja presta os mesmos serviços que prestamos aqui, está é mais direccionada para o público em geral, enquanto aqui estamos mais vocacionados para empresas.
SR – Quantas pessoas estão envolvidas nesta empresa?
FA – Já estiveram mais, mas neste momento temos 18 pessoas a trabalhar connosco e acredito que este é o número certo, porque estamos a facturar mais do que quando tínhamos mais gente.
SR – Nessa fase de reestruturação, ao prescindirem da colaboração de algumas pessoas foi necessário exigir mais das que ficaram?
FA – Não, porque o que fizemos foi avaliar a rentabilidade do trabalho das pessoas e quem não tem rentabilidade não está aqui a fazer nada. Os que ficam acabam por poder fazer mais porque têm um leque de acção maior.
SR – As pessoas viram com bons olhos esta reestruturação?
FA – Não, em nenhuma empresa em que seja dispensado pessoal isso é visto com bons olhos e inclusivamente espalharam-se boatos sobre a empresa. Despedir pessoas tem um retorno desagradável em termos da opinião que se gera com o “diz que disse”.
SR – A imagem da empresa é importante para o sucesso do negócio?
FA – Sim e os despedimentos penalizam a imagem da empresa, mas eu dou apenas alguns meses para que essa imagem saia reforçada. Quando as pessoas virem que estamos cada vez mais sólidos e dominantes no mercado vão deixar de dar atenção aos boatos. Este é um retorno que eu espero a médio e longo prazo.
SR – Como é que se vai dar essa volta à imagem?
FA – Neste momento estamos, com o apoio da banca, a tentar rentabilizar ao máximo, optimizar, os nossos recursos humanos, sem ter que despedir mais ninguém. Vamos solidificar a imagem da empresa no distrito de Setúbal e na zona de Lisboa e vamos avançar novamente para o mercado dos componentes sendo esse o grande pontapé de saída para o aumento da facturação, ainda que a empresa já tenha um bom volume de facturação.