[ Dia 05-08-2004 ] – CRÓNICA DE OPINIÃO por José Pedro Calheiros.

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CRÓNICA DE OPINIÃO
por José Pedro Calheiros
(Director Geral da SAL)

Era uma Sexta Feira no final de Setembro de 1991. Final da tarde. Apercebemo-nos que o sol não estava apenas tapado pelo fumo espesso que subia da mata mediterrânica. Eram nuvens de chuva vindas do mar. Passado uma hora começava a chover.

O homem que abriu a Sagres de litro (como se de D.Perignon se tratasse), e distribuiu pelo pessoal que ali estava, tinha bem marcadas na face as quatro noites sem dormir, sem se lavar e quase sem comer. Era um dos duros, da velha guarda dos Bombeiros de Setúbal. Quando deu ordem de marcha aos seus homens, disse profeticamente “Vamos, que a Arrábida vai descansar !”.

Tinham sido quatro dias de pavor, calor e chamas. Setúbal e Portugal choraram a ferida e a Arrábida recuperou, a pouco e pouco, a custo.

Passaram 13 anos. Novo cenário de calor e chamas. Na Costa da Arrábida, navegava-se num dos tradicionais Galeões do Sal quando, em borbotões, um fumo espesso passa a Serra para o lado do mar. A dor rói o coração de quem pressente o pior. Desta vez há telemóveis. E a custo percebe-se por onde “ele” está e por onde vai seguir. Adivinha-se que a Arrábida vai mudar de cor.

O pequeno fogo da véspera, nos Arneiros, tinha sido mal rescaldado. Não há bombeiros de rectaguarda em Portugal e os ventos quentes de Domingo de manhã, fazem fogachos passar a estrada das Necessidades. O incêndio numa zona rural, quase aberta em campos agrícolas, estende-se ao início dos bosques de carvalhos e sobreiros. Não há meios nem capacidade de bloquear o avanço no local onde ele iria chegar. Não há bombeiros de frente de fogo em Portugal. Os bombeiros que temos, os célebres Voluntários, muito deles jovens rapazes e raparigas mal equipados e protegidos, esses “Bravos do Pelotão” apenas conseguem num esforço sobre-humano proteger pessoas e casas. E conseguem, mas muitas estão dispersas e não têm meios próprios de defesa.

Quem tem uma casa no meio da floresta deve estar consciente dos riscos que corre quando a faz, da mesma forma que quem constrói junto às praias sabe que tem um casa a prazo. Na floresta, as casas deveriam ter bocas de incêndio e meios de protecção. Caberia às entidades licenciadoras importarem-se com isso e não com mais uma dezena de metros quadrados construídos, com as caves ou com as piscinas que têm que ser projectados como tanques de rega (mas que depois falta fazem como depósitos de água para os helicópteros).

E a Arrábida ? A Serra da Arrábida, afinal ?! A Natureza é equilibrada, desta vez foi numa zona completamente distinta. Em resumo, um rescaldo de um pequeno fogo mal feito; uma passagem das chamas por um corredor estreito mas veloz; a necessidade de proteger as populações e as casas; a coordenação (?!); as prioridades num país em chamas. E de novo parte da Arrábida passou de verde a cinzento. Nada de dramas, acima de tudo. O cenário é desagradável, mas também o é quando visitamos um amigo doente, e continuamos a gostar dele e a dizer com toda a convicção: “Vais ficar bom !”.

Vai ser assim com a Arrábida, recuperará a área ardida, pequena face a toda a sua plenitude e à grandeza que ocupa nos nossos corações. Não choraremos pelos troncos queimados, vamos sim assistir emocionados ao rebentar das flores na próxima Primavera. Deixemos a Arrábida descansar !