EMPRESAS, MOTORES DE DESENVOLVIMENTO DA REGIÃO
António Freitas, vice-presidente da Pioneer Portugal
“É difícil competir com empresas instaladas na Ásia”
Implantada no Seixal desde 1996, a Pioneer Portugal faz parte de uma multinacional que, em Portugal, se dedica à fabricação de auto-rádios e ao fornecimento de peças para terceiros, tendo actualmente a Visteon em Palmela e a Bosch em Braga como principais clientes. Em entrevista ao “Setúbal na Rede”, António Freitas, vice-presidente da Pioneer em Portugal e administrador na Bélgica, fala sobre a crise europeia que afecta a empresa e da “luta diária” pela criação de novos ciclos de produção que “permitam a manutenção desta unidade”, salientando que “é muito difícil” competir com as empresas implantadas na Ásia em termos de custos directos. Face ao problema das tendinites, que o administrador define “como uma doença inerente a este tipo de trabalho”, António Freitas enumera os esforços que a Pioneer está a efectuar no sentido de minimizar o problema, nomeadamente através de exercícios de ginástica. “A falta de flexibilidade” dos contratos de trabalho, que “não acompanham” a flexibilidade dos negócios, é um ponto criticado pelo administrador que não considera que a falta de produtividade “seja um defeito dos trabalhadores portugueses”, mas sim da conjuntura do país.
Setúbal na Rede – Esta empresa também sente as flutuações económicas do mercado?
António Freitas – Esta é uma empresa que está aqui implantada desde1996, cuja produção se destina ao mercado europeu, pelo que sentimos a crise europeia e não a portuguesa.
Desde 1997 estamos também a fornecer para o mercado português peças que são incorporadas em produtos de terceiros, sendo que esta é uma área que está a ter uma grande expansão neste momento. Actualmente estamos também a produzir leitores de CDs, no ano passado fornecemos aproximadamente 740 mil e este ano prevemos fornecer mais de dois milhões, pelo que surgiu a necessidade de investir. Assim, estamos a construir um novo armazém de 1000 m2 de modo a garantir a continuidade da evolução dos postos de trabalho. Sentimos a crise mas não a mesma que se sente em Portugal, sentimos a crise do mercado europeu. Neste momento já se nota alguma recuperação, mas em mercados diferentes daqueles a que estávamos habituados, do mercado de substituição estamos a passar cada vez mais para o fornecimento de peças para produtos de terceiros.
SR – Essa é uma decisão da Pioneer Portugal ou vem da estrutura internacional da empresa?
AF – Essa é, cada vez mais, uma política conjunta. Foi definido, a nível das fábricas da Europa, designar uma gestão comum às fábricas da Bélgica e de Portugal. Eu pertenço à administração da fábrica da Bélgica e o director de produção e da qualidade exercem as suas funções em Portugal e na Bélgica, enquanto eu sou responsável por toda a cadeia de fornecimento.
SR – Isso acontece porque as duas fábricas actuam dentro da mesma área?
AF – Sim, tanto a empresa belga como a portuguesa têm o mesmo tipo de linhas de fabrico. A fábrica da Bélgica esteve na génese da criação da Pioneer Portugal e neste momento tem um corpo de gestão comum para as duas fábricas que inclui portugueses, belgas e japoneses. Tentamos arranjar as melhores pessoas para desenvolver cada tarefa de modo a criarmos sinergias que nos permitam ser competitivos.
SR – Dentro dessa estrutura, os portugueses estão em igualdade de circunstâncias com os belgas?
AF – Eu diria que estão perfeitamente em igualdade de circunstâncias e isso vê-se pelos resultados. Dentro do processo de fornecimento, que inclui planeamento, aprovisionamento, engenharia de processo, produção, qualidade e distribuição, existem dois portugueses e dois belgas. Em termos globais da cadeia, eu sou o responsável. Neste processo verificou-se quem tinha mais competências para desempenhar as várias tarefas e tudo foi definido sem preconceitos.
SR – Mas continua-se a alimentar a ideia de que os portugueses não têm os mesmos índices de produtividade, nem a mesma capacidade de desempenho, face aos outros cidadãos europeus.
AF – Isso não é verdade, em particular na cabeça das pessoas que têm mais dados para fazer esse julgamento. Existem dados muito concretos que indicam que o Luxemburgo tem um grande índice de produtividade e estão lá muitos portugueses. Também é igualmente verdade que alguns estrangeiros que vêm para Portugal, passado pouco tempo, têm uma produtividade tão baixa como os que cá estavam. Resumindo, penso que esse é um problema de conjuntura.
SR – Esta é uma empresa portuguesa que trabalha em conjunto com uma belga, mas que tem um cérebro japonês. Qual é a cultura desta empresa?
AF – Foi sugerido e negociado por mim que a política operacional da empresa seja japonesa enquanto a política social é portuguesa.
SR – Quais são as diferenças?
AF – A política operacional tem que nos garantir o resultado final da empresa em termos de produto e para isso é necessário assegurar os sistemas da qualidade e os índices de produtividade nos processos operacionais. Por outro lado, a minha experiência diz-me que a tentativa de implementar uma política internacional em Portugal conduz a maus resultados. Então é necessário compreender as pessoas em Portugal, adequar as nossas políticas sociais a essa realidade e tirarmos o melhor partido para ambas as partes, o que nem sempre é fácil de conciliar.
SR – O trabalhador português é mais exigente em termos de regalias sociais? É isso que o diferencia dos japoneses?
AF – Não, existem características dos trabalhadores portugueses das quais não podemos fugir e que se prendem, sobretudo, com a destreza manual e características físicas, que podemos educá-las mas não contrariá-las. Um dos problemas que temos tido são as tendinites, que são inerentes a este tipo de actividade e que só podem ser solucionadas com o impedimento do investimento nesta área, pelo que ambas as partes têm que saber viver com isso.
O que nós temos feito é tentar trabalhar com especialistas nesta matéria, no âmbito da medicina no trabalho, com a Universidade de Motricidade Humana, entre outras. Um dos primeiros passos que demos foi fomentar a queixa antes que ela se tornasse em doença. Tivemos muitas queixas que nos permitiram avaliar os pontos fracos do nosso processo e nessa perspectiva, e em conjunto com os especialistas, tentámos perceber que acções correctivas poderíamos tomar.
Posteriormente, veio a fase de implantação das medidas que considerámos mais adequadas e neste processo foi necessário trabalhar com os operários. Esta é uma fase que leva algum tempo, que produz resultados a médio e longo prazo, condicionados pela atitude das pessoas face à mudança. Posso afirmar que temos tido muito sucesso porque conseguimos motivar as pessoas.
Para evitar as tendinites, uma das medidas que tomámos foi a inserção da ginástica no posto de trabalho. Paramos dentro do horário laboral e cada grupo de trabalho pratica os exercícios. Esses cinco minutos de paragem de manhã e à tarde, em vez de ser um custo está a tornar-se num proveito porque as queixas diminuíram. Para promover cada vez mais a prática do exercício, neste período de verão, contratámos professores de ginástica, que à hora de almoço ou à saída proporcionam aulas de ginástica rítmica, o que permite obter mais destreza corporal. A medida que adoptámos não resolve o problema mas minimiza-o.
Nos países asiáticos, as pessoas são muito menos propensas a este tipo de doença porque têm menos massa muscular, menos inércia nos movimentos manuais e mais precisão, o que se adequa a outro tipo de produção que não é possível em Portugal. Aqui, o que temos que fazer é adaptar os nossos recursos a métodos que sejam adequados à nossa produção.
SR – Essa característica física dos trabalhadores portugueses não pode pôr em causa a existência desta fábrica aqui?
AF – As decisões que as empresas tomam têm que ter em conta muitos factores e não apenas um. Isso pode contribuir, mas se conseguirmos minimizar o problema, podemos valorizar, por exemplo, a capacidade de reacção, o que já é favorável para nós.
SR – A Pioneer investe na investigação de soluções para esta doença ou esse é um problema com que esta actividade vai ter que viver sempre?
AF – Primeiro, perante os dados actuais, as tendinites são um problema que vai existir sempre neste tipo de laboração. Segundo, a Pioneer investe todos os dias na busca de uma solução, tem equipas que trabalham continuamente na melhoria ergonómica dos postos de trabalho, paga a professores de ginástica e está a pagar tempo de paragem para que as pessoas façam exercício adequado.
SR – Que factores contribuem para que esta fábrica se localize aqui e não seja transferida para qualquer outro lugar do globo?
AF – Os factores que levam a um investimento prendem-se com vertentes como o mercado, as políticas de imagem ou os custos e tudo isso dita que qualquer fábrica tenha um ciclo de vida, com início, manutenção e fim. Ora, o início já nós percorremos, o que nós estamos a fazer para que esta fábrica se mantenha por mais tempo é criar novos ciclos que permitam novos inícios de vida, em que quando um decai, já o outro está crescer.
Em 1997 começámos a fabricação dos mecanismos de CDs, em 1998, com a concentração da fabricação dos mecanismos de CDs na Ásia, por questões económicas, negociámos a fabricação dos sintonizadores que vão dentro dos auto-rádios. Em 2000 iniciámos, em Portugal, uma nova linha de negócios para terceiros, já que neste ramo tínhamos apenas o processo de produção, deixando de lado a concepção, a comercialização e o pós-venda. A vantagem foi a utilização dos tempos mortos, o que permitiu a rentabilização dos custos e um aumento da competitividade dos nossos produtos.
Este é um negócio que está para durar, porém, este ano, estamos a aumentar uma parte do negócio que se prende com os testes finais, adequação e logística para as condições dos clientes, incluindo, por questões ambientais, a mudança para embalagens retornáveis. As alterações que temos feito permitiram-nos, como já disse, aumentar o nosso volume de negócio no mercado português. Este tipo de negócio obrigou-nos a investir e esse investimento garante-nos estabilidade do emprego, algum aumento dos postos de trabalho e uma maior qualificação dos mesmos. Um problema que se nos põe é a falta de flexibilidade dos contratos de trabalho que não segue a flexibilidade do negócio. Se as áreas de negócio têm que ser flexíveis, os contratos de trabalho também têm que o ser.
SR – Sente que a actual lei laboral não favorece as empresas?
AF – Não favorece e não estamos a falar em tirar direitos às pessoas nem em prejudicar as condições de trabalho. O que se pretende é que uma pessoa que faz um determinado tipo de trabalho possa ser deslocalizada para outra área que requer competências e qualificação semelhante, mas a actual lei laboral não o permite. Tem que haver polivalência.
SR – Mas o próprio trabalhador também resiste muito à mudança?
AF – Sim e não. Existem trabalhadores que nunca resistem e outros que resistem sempre e que justificam essa resistência na legislação. O que é necessário é repensar os nossos objectivos, se se prendem com a manutenção de postos de trabalho, com a melhoria das condições de vida das pessoas, ou é apenas fazer barulho.
SR – O ciclo de vida das empresas é cada vez mais curto.
AF – Sim. Há alguns anos os auto-rádios tinham um período de vida de seis a oito anos, actualmente estão nos três anos e os que vendemos nas lojas têm um período de vida de dez meses. Por isso, é necessário adequarmo-nos a essa situação. A grande questão é saber como lidar com os ciclos de vida mais curtos e, do meu ponto de vista, a solução não está na extinção das empresas mas na flexibilidade.
SR – Se a lei for alterada no ponto que referiu, aqueles que resistem sempre não vão continuar a resistir?
AF – Não vão estar tão escudados para resistir à mudança. Eu não quero dizer que seja permitido às empresas cometer atrocidades, pois continuo a acreditar que todas as empresas têm uma componente social que têm que cumprir, têm que zelar pelas condições de vida dos seus trabalhadores e nada deve pôr isso em causa.
SR – Como é o clima laboral desta empresa?
AF – Eu diria que é bastante salutar, pois os assuntos são partilhados com as pessoas internamente. Eu acredito que quando temos um problema ele tem que ser tratado internamente, já que nós somos os principais interessados na sua resolução.
SR – Afirma que a empresa tem que encontrar novas soluções para renovar o seu ciclo de vida. Qual a autonomia que tem dentro do grupo para tomar essas decisões?
AF – O negócio que iniciámos em 2000 é único na Pioneer a nível mundial. Fomos nós que o criámos em Portugal.
SR – Qual a posição da Pioneer Portugal dentro da multinacional?
AF – Existem várias formas de medir a posição entre as empresas. Do ponto de vista dos custos não estamos bem, isto porque, em termos de custos directos, é difícil competir com empresas implantadas na Ásia. A nível de sistemas, a Pioneer Portugal foi a única empresa do grupo que foi distinguida durante quatro anos consecutivos com o prémio “satisfação de clientes”.
SR – Quem são esses clientes?
AF – Nós temos clientes externos, no mercado OEM, em que neste momento estamos a fornecer a Visteon, em Palmela, e a Bosch, em Braga, além de outros clientes, como a Honda, que passou para a fábrica Belga. Todos os colaboradores da Pioneer são, ainda, considerados os clientes internos dentro da cadeia de fornecimento. Na realidade, todos somos clientes uns dos outros. O prémio “satisfação de clientes” visa destinguir as empresas que, na prática, conseguem implementar melhores sistemas e é atribuído após várias auditorias que percorrem todas as unidades.
SR – Sendo esta empresa essencialmente produtiva, também se dedicam à concepção de produtos?
AF – Não. A concepção de produtos está concentrada no Japão, apesar de, para além do Japão, termos outros centros de design em Singapura e na China. Existe uma extensão do centro de design do Japão, na Bélgica, que tem por objectivo adequar os produtos ao mercado europeu. Em Portugal temos concepção de processos dentro dos parâmetros base da Pioneer, sempre com o objectivo de melhorar, mas com um grupo de engenharia limitado que conta com o apoio de todos os colaboradores da fábrica que recebem vários estímulos para participarem.
SR – Não existem muitas empresas que trabalhem com esta forma de gestão participada?
AF – Talvez não existam muitas empresas, mas na área das multinacionais essa é uma prática corrente. Nas empresas tipicamente portuguesas, só as melhores adoptam esse sistema.
SR – Uma maior participação dos funcionários em toda a estrutura das empresas poderia ser uma solução para a falta de produtividade nas empresas portuguesas?
AF – Como já disse, o defeito não está nos trabalhadores e se muitas vezes a culpa lhes é imputada é porque o meio ambiente o permite. O meio ambiente é constituído pela conjuntura e pela gestão, que não deve criar falsas expectativas, deve ser transparente, criar motivação e dar segurança ao trabalhador, porque a empresa precisa dele e ele da empresa.
SR – Essa pode ser uma solução para a economia portuguesa?
AF – Sim, mas dá trabalho. As pessoas têm que se predispor a trabalhar de cima para baixo.
SR – Que contributos recebe a região pelo facto de estar aqui esta empresa?
AF – Um dos contributos monetários mais directos são os impostos. Além disso, dentro do melhor que conseguimos, tentamos ter um índice de empregabilidade o mais alto possível e dar primazia às pessoas da região, não só do Seixal mas de toda a região de Setúbal.
SR – Quantos trabalhadores tem esta empresa?
AF – De dia para dia o número de trabalhadores varia porque temos que ter flexibilidade com base nas necessidades dos nossos clientes. A empresa tem que se adaptar para que se mantenham os cerca de 460 postos de trabalho que temos actualmente. Nós temos que ter uma força de trabalho flutuante e quando essas pessoas vêm trabalhar connosco sabem que é temporário.
SR – E como é gerida essa força de trabalho?
AF – Existem contratos de trabalho temporários. Temos características de negócios que são sazonais, temos outros que são pontuais e outros que são emergentes. Temos reuniões gerais que analisam o exercício do ano anterior e as perspectivas para o ano seguinte, para que as pessoas tenham conhecimento das flutuações que nós temos que gerir.
SR – Como é feita a integração dos trabalhadores temporários dentro do espírito da empresa?
AF – Nós gastamos muito dinheiro em formação. Todas as pessoas que vêm trabalhar para a Pioneer estão sujeitas a um período de formação que passa pela explicação do que é a Pioneer no mundo e em Portugal, quais as políticas internas, operacionais e sociais, quais as condições internas e o que se espera das pessoas, e só depois transitam para a formação técnica que deverá durar entre três e cinco dias, dependendo da função a desempenhar.
SR – Mesmo quem entra com estatuto de trabalhador temporário tem essa integração?
AF – Sempre, mesmo quando precisamos de alguém para seleccionar materiais, quando existe um problema de qualidade, por exemplo, e recorremos a empresas de trabalho temporário, nós damos formação. Isso é garantido para todos os nossos colaboradores, quer internos, quer externos.
SR – Esta é uma empresa do Seixal e do distrito de Setúbal ou poderia estar em qualquer outro lugar?
AF – Esta é uma empresa que se decidiu ser instalada no Seixal porque o parque industrial do Seixal foi o que reuniu melhores condições, em 1995, para que tal acontecesse. Sendo esta uma empresa que tem uma contribuição social para a região, logo é uma empresa do Seixal e da região de Setúbal.
SR – É uma aposta ganha, a decisão de se instalarem aqui?
AF – Sim, o investimento inicial foi muito elevado, devido ao custo dos terrenos e do edifício, mas esse é um custo assumido e o que queremos actualmente é seguir em frente.
SR – Apesar da crise, quais as perspectivas da Pioneer?
AF – Hoje em dia é difícil fazer planos para prazos superiores a três anos. O mais comum são os planos anuais e os imediatos. Essa é a nossa realidade empresarial. Dentro dos nossos planos de médio e longo prazo perspectiva-se a continuação deste tipo de laboração, com um esforço diário na busca de novas soluções que permitam aumentar o ciclo de vida da empresa. Esse é o nosso compromisso.