EMPRESAS, MOTORES DE DESENVOLVIMENTO DA REGIÃO
Luís Gonzaga, director de vendas e marketing da DHL Portugal
“Uma empresa não se pode alhear
da responsabilidade social”
Mesmo tendo que “reduzir custos” para fazer face à diminuição de receita provocada pela falência de alguns clientes, a DHL “está num momento de expansão fabuloso”, afirma Luís Gonzaga, director de vendas e marketing da DHL Portugal. Em entrevista ao “Setúbal na Rede”, o director explica o processo de integração das três empresas que deram origem à DHL (DHL, Danzas e Guipuzcoana), enumera os objectivos da Deutsche Post, o gigante alemão responsável pelo grupo, e destaca a preocupação social da filial portuguesa, que valeu à empresa a distinção europeia para a melhor empresa para se trabalhar. Luís Gonzaga enaltece ainda a “excelente gestão” da DHL que tem possibilitado um crescimento sustentado da empresa, apesar da crise, e critica a mentalidade ainda vigente em Portugal, afirmando que “é possível” uma empresa ter lucro pagando os seus impostos, pagando “devidamente” aos seus funcionários e “cumprindo com a sua responsabilidade social”. O Grupo DHL é constituído por cerca de trinta empresas em todo o mundo, tem perto de 400 mil funcionários e visa dar uma resposta eficaz em termos de transporte e logística, afirmando-se mesmo como uma das maiores empresas mundiais nesta área de negócio.
Setúbal na Rede – Como é que tem decorrido o processo de integração das três empresas, DHL, Danzas e Guipuzcoana?
Luís Gonzaga – Neste caso o termo integração surge para se diferenciar de fusão, isto porque numa fusão existe uma empresa que assume o controlo de outras e, no caso específico da DHL, nenhuma das empresas se sobrepôs. Existe um gigante chamado Deutsche Post, que são os correios alemães, que está na lista das 100 maiores empresas do mundo e que, a dado momento, quando começou a existir a ideia de liberalização dos correios, percebeu que o processo de correio não se afastava do processo de logística e de transporte.
A DHL era inicialmente uma empresa americana, na Península Ibérica existia uma empresa de camionagem muito bem organizada e também de raiz familiar, a Guipuzcoana, e na Suiça existia uma empresa centenária, a Danzas, que começou como transitário pela mão de um oficial de Napoleão.
Nos últimos cinco anos a empresa alemã montou uma máquina, a que chamou a grande roda amarela, e que tem por objectivo fazer a ligação entre transporte, correio e logística, adquirindo 27 empresas em todo o mundo, incluindo estas de que falei. Para além deste negócio, a Deutsche Port está também ligada à banca, sendo este o único negócio que está afastado dos correios e da distribuição. O que nos leva a estar aqui é o transporte terrestre, aéreo, marítimo e a logística.
SR – Destinguiu o processo de fusão do de integração mas, na realidade, foi o nome DHL que se sobrepôs aos outros dois.
LG – Sim, embora a empresa não tenha comprado as outras duas, como acontece numa fusão. A escolha da DHL para se sobrepor às outras empresas, deve-se ao facto da empresa mãe ter entendido que a DHL é o nome mais universal das três, equiparando-se mesmo a marcas como a Coca-Cola. Actualmente, nós somos uma das maiores empresas na área do transporte e da logística.
SR – Já alguém afirmou mesmo que a DHL é a Coca-Cola da logística.
LG – Sim e frequentemente a DHL é apontada como a marca com maior presença a nível mundial, tendo mesmo chegado a estar em países de onde as Nações Unidas se tinham retirado durante crises políticas, como é o caso do Afeganistão. Fomos das primeiras empresas a investir na ex-URSS e na China, mercados muito fechados ao investimento privado, onde conseguimos entrar através de parcerias com empresas públicas e, no caso específico da China, através de uma parceria com o próprio exército.
A DHL teve sempre uma cultura de expansão a nível mundial, o que levou a que, apesar de ser uma empresa originária dos Estados Unidos, seja muito mais conhecida no mundo do que no seu país de origem. Voltando à questão inicial, o objectivo da DHL é, através da junção das trinta empresa que compõem este grupo, cobrir o mercado mundial. Aumentámos também a nossa cota de mercado nos Estados Unidos, com a compra de uma companhia de aviação, o que permitiu aumentar o nosso peso no mercado de um para 15%. Embora seja uma frase feita, a empresa tenta pensar globalmente e agir localmente.
No caso da instalação no distrito de Setúbal, foi escolhido este local pelo facto de ter bons acessos e de permitir deslocações rápidas. Toda a equipa de vendas e televendas da DHL, da zona sul, está concentrada neste edifício, temos procurado reorganizar a empresa de modo a que, ao serem extintos determinados postos de trabalho, sejam criadas também novas oportunidades.
SR – Como é que tem decorrido este processo de integração de três empresas que estavam já bem posicionadas no mercado?
LG – De facto não foi fácil. Três marcas fortes, bem implantadas e com liderança forte implicavam que existisse uma boa preparação da administração para que as pessoas se sentissem confortáveis. Todo este processo foi trabalhado durante quatro anos, houve uma pré-selecção dos administradores que iriam ficar ou não, através de estudos de empresas de consultoria, e a partir daí foi estabelecida a administração da empresa.
Ao longo deste período a DHL tem crescido. Foram feitos alguns reajustes a nível de funcionários que não tiveram interesse ou possibilidade de se deslocarem com a empresa, pelo que temos vindo a recrutar pessoas da região. Todo o processo de afastamento das pessoas foi feito dentro da lei, com as indemnizações a que tinham direito, e tudo decorreu sem complicações. Este tipo de reorganizações nem sempre é fácil para as grandes empresas, mas acredito que uma gestão atempada das situações pode conduzir a bons resultados como aqueles que obtivemos.
Eu acredito que as empresas quando se instalam em determinado local, e para além de pagarem os seus impostos e zelarem pela preservação ambiental, devem ter como objectivo a criação de postos de trabalho com formação adequada para os seus colaboradores, para que ao saírem da empresa as pessoas possam arranjar trabalho noutro local.
SR – Para além do recrutamento de recursos humanos na região, que outro valor acrescentado trouxe a DHL para Alcochete?
LG – Podemos trazer valor acrescentado ao cliente oferecendo-lhe maior segurança no transporte e maior rapidez. Para um cliente que pretende fazer chegar uma proposta para um concurso que se vai realizar amanhã em Toronto é fundamental ter a certeza de que a sua proposta vai lá estar. O cliente sabe que se a sua encomenda não chegar por avião, devido a qualquer dificuldade, a empresa vai fazer todos esforços no sentido de cumprir a sua tarefa. Para as regiões onde nos instalamos, o valor acrescentado prende-se com o emprego e com a aquisição de serviços a terceiros.
De acordo com o que é a DHL moderna, mas em particular na DHL Portugal, temos políticas sociais que têm sido encaradas como exemplo dentro do grupo. Para que se tenha uma ideia, o Grupo Deutsche Post tem aproximadamente 400 mil trabalhadores em todo o mundo e a DHL Portugal tem sido pioneira em muitas políticas sociais do grupo, sendo mesmo a primeira empresa do grupo e a segunda em Portugal a ser reconhecida com a certificação SA 8000, uma norma que estabelece regras de conduta da empresa para com os seus trabalhadores. Fomos também a primeira empresa portuguesa a ganhar o prémio europeu de qualidade, que foi atribuído depois de seis dias de auditoria internacional. Enquanto membro desta empresa sinto um grande orgulho em termos ganho estes prémios.
Voltando à responsabilidade social, não nos limitamos à “caridadezinha do Natal”, pois temos uma equipa que se rege por processos e que leva a cabo acções. Temos pedidos de ajuda, que vão desde patrocínios para participar em determinados eventos até pedidos, por exemplo, para comprar uma cadeira de rodas, e se na primeira área não investimos muito, na segunda vertente estamos sempre dispostos a analisar as situações e a colaborar.
SR – Qual o grau de autonomia da DHL Portugal relativamente à casa mãe?
LG – Nas grandes corporações existem regras de actuação muito claras que abrangem todos os quadrantes. No que toca à responsabilidade social temos tido bastante autonomia, até porque temos sido inovadores, porém é compreensível que exista alguém, a nível internacional, que coordene todas as empresas para que não ande cada uma para seu lado. Na nossa informação interna, nas revistas que são distribuídas aos colaboradores do Grupo DHL, Portugal é muitas vezes citado como um país inovador. Na área da gestão temos muita autonomia, sempre dentro dos padrões estabelecidos para a actividade, com objectivos bastante ambiciosos. A Deutsche Post era uma empresa pública que passou a ser cotada em bolsa e que pretende melhorar cada vez mais a eficácia dentro da sua actividade.
SR – Como se consegue conciliar os interesses puramente económicos de um grande grupo com a política de responsabilidade social?
LG – Em todas as empresas existem previsões de vendas e de crescimento, das quais é definida uma percentagem para formação, publicidade e para a responsabilidade social. Há alguns anos contratámos uma camioneta que transportou um grupo de crianças com trissomia 21, de uma associação de Castelo Branco, para visitar uma quinta biológica na Companhia das Lezírias, e que na realidade não custou assim tanto à empresa. Aquilo a que chamamos responsabilidade social, que no fundo não é mais do que ir ao encontro das pessoas que nos rodeiam, não implica oferecer milhares de contos a esta ou aquela instituição que, na maioria dos casos, tem apenas como função dar visibilidade.
Outra acção que levamos a cabo entre nós prende-se com a recolha de roupas, brinquedos e livros, que fazemos durante o ano e que a partir de Novembro são seleccionados e separados para serem distribuídos por várias instituições sociais. Isto são acções que custam muito pouco em termos económicos.
SR – Colaboram também com a revista “Cais” e com o Banco Alimentar Contra a Fome.
LG – Temos várias actuações, umas mais vistosas do que outras. Com pequenas quantias de dinheiro ajudamos famílias em situações verdadeiramente dramáticas, acções cuja divulgação não faz sentido ou seria mesmo escandalosa.
SR – O que leva um administrador a preocupar-se com a solidariedade social e a criar um bom espaço para trabalhar, já que esta empresa foi várias vezes considerada uma das melhores para se trabalhar, quando essa não é a mentalidade vigente na maioria dos empresários?
LG – Eu faço parte desta empresa há dez anos e fui contratado por um homem chamado Américo Fernandes, director de da DHL Portugal, um homem com quem aprendi muito e que é uma pessoa chave na procura da qualidade e da aprendizagem. Todo o nosso trajecto faz parte de uma continuidade, de uma aprendizagem. Há dez anos não imaginávamos ser reconhecidos na Europa como uma empresa de práticas de excelência.
Se por algum motivo, durante a minha vida profissional, tiver que mudar para outra empresa, terá que ser uma empresa com uma cultura semelhante à da DHL, porque eu já não saberia estar de outra forma. Uma empresa tem que trazer lucro para os seus accionistas mas não se pode alhear da sua responsabilidade social, ou seja, as duas vertentes devem andar de mãos dadas.
SR – Afinal, a DHL é uma empresa ou uma instituição de caridade?
LG – É uma empresa e altamente lucrativa. Mas, não querendo dar lições a ninguém, é necessário que as pessoas se convençam que é possível ser uma empresa lucrativa, mesmo com esforço, com necessidade de reduzir pessoas em alguns momentos e de reduzir despesas, mas pagando os seus impostos, pagando devidamente às pessoas e estando inserida na sociedade.
As empresas têm obrigação de criar riqueza. Há algumas que declaram prejuízos constantemente e depois adquirem Ferraris. Não é necessário ser uma multinacional para ser bom e a prova é que outra das empresas portuguesas que é reconhecida por ter práticas de qualidade é familiar é a Cafés Delta. Porém, as multinacionais trouxeram a prática de boa cidadania por parte das empresas, ao rodearem-se de pessoas a quem foi dada formação nesse sentido e a quem foram exigidas determinadas qualidades.
SR – Como é que esta empresa tem vivido do ponto de vista financeiro?
LG – Esta é uma empresa auto-suficiente, pois todos os investimentos são financiados por nós, aliás essa é uma exigência do grupo. Somos uma empresa que, apesar da crise, continua a ter um crescimento moderado, isto porque em 2000/2001, quando a crise se começava a delinear, a empresa tornou-se mais cautelosa na forma como crescia, quer em termos de pessoas, quer de investimento. Esta atitude levou a que, na altura da integração, não tivessem que haver muitos ajustes, dado que não era uma empresa “muito gorda”, algo que é comum na maioria das empresas em tempo de facilidades.
Nos últimos quatro a cinco anos, as empresas que compõem a DHL tiveram a coragem de não fazer investimentos desmesurados e nessa perspectiva somos uma empresa bem gerida. Apesar de termos tido grandes clientes que faliram e da consequente necessidade de reduzir custos, a DHL está num momento de expansão fabuloso.