[ Dia 04-10-2004 ] – Entrevista com Jorge Milne Carmo, presidente do conselho de administraçã da A. Milne Carmo.

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EMPRESAS, MOTORES DE DESENVOLVIMENTO DA REGIÃO

Jorge Milne Carmo, presidente do conselho de administração
da A. Milne Carmo

“Somos um caso de afirmação de uma marca
no mercado estrangeiro”

Criada em 1980, com base na Anglo-Portuguesa de Produtos Químicos, a A. Milne Carmo, sedeada em Pegões, forma hoje o Grupo Carmo, com três centros de produção em Portugal, empresas em Espanha, França e País de Gales, além de clientes em várias partes do globo, desde o continente americano ao médio oriente. Em entrevista ao “Setúbal na Rede”, Jorge Milne Carmo, presidente do conselho de administração da Carmo SGPS, explica como é que, “com boa organização”, uma empresa de cariz familiar se torna líder de mercado na preservação de madeiras a nível europeu e afirma que este é um “caso de sucesso de uma marca consolidada no estrangeiro”. Devido à destruição da floresta provocada pelos incêndios, a empresa vê-se obrigada a importar “90% da matéria-prima de que necessita, do Brasil”, já que “a inércia dos vários governos não tem dado início” a um programa de reflorestação eficaz, refere o presidente. Dedicando-se inicialmente à produção de postes para a rede telefónica e eléctrica, foi com os postes para os mais diversos fins agrícolas que a empresa viria a firmar o nome no mercado. Actualmente, a Carmo dedica-se também à fabricação e comercialização de parques infantis, sendo esta uma ideia concebida pela marca, vedações para auto-estradas, além de outros produtos essencialmente ligados ao ramo agrícola. A Carmo conta com 400 colaboradores em Portugal e 1000 no Brasil, onde explora 200 mil hectares de floresta.

Setúbal na Rede – Como é que surgiu a necessidade de reestruturação das empresas que levaram à criação do grupo Carmo?

Jorge Milne Carmo – Eu não gosto de chamar grupo Carmo, mas sim o conjunto das empresas Carmo, já que a palavra grupo está associada a empresas de muito maior dimensão que a nossa, pois nós temos apenas uma facturação de 50 milhões de euros por ano. A A. Milne Carmo, a Anglo-Portuguesa de Produtos Químicos e a Carmo constituíram a Carmo SGPS, para além das participações em várias empresas, nomeadamente na Carmo Ibérica, com sede em Madrid, na Carmo França, com sede em Bordéus, na Silvita, com sede no País de Gales, entre outras.

SR – De qualquer forma, antes da criação do grupo as empresas já eram todas da mesma família.

JMC – Esta é uma empresa familiar que pertence a cem por cento à família Milne Carmo. A primeira empresa a ser criada foi a Anglo-Portuguesa de Produtos Químicos, fundada em 1955, que se dedica à comercialização dos produtos produzidos pelas empresas industriais, para além da importação e exportação de produtos. Porém, as empresas Carmo acabam por surgir a partir da A. Milne Carmo, localizada em Pegões e fundada em 1980. A Carmo SA surge muito mais tarde, em 1992, dentro do mesmo mercado. As outras empresas nas quais temos participações são, sobretudo, fruto da internacionalização.

SR – Mas qual foi a necessidade de criação de uma SGPS?

JMC – Isto foi um arrumar da casa, pois quando começamos com uma empresa e a partir dessa começam a surgir outras, a dada altura só nós é que entendemos como é que elas estão organizadas. O que pretendemos fazer é clarificar, para o exterior, a organização das nossas empresas, além de criarmos um órgão executivo, o conselho de administração, que é comum a todas elas.

SR – Houve a necessidade de assumir uma nova imagem, uma nova relação com o exterior?

JMC – Sim, houve a necessidade de definir claramente o órgão executivo da empresa para que quem está no exterior tenha noção de quem é responsável pelo quê e quais as relações entre as várias empresas. Além disso, esta é uma forma de nos prepararmos para uma eventual abertura de capital, que se torna mais fácil com a constituição de uma SGPS. Esta reorganização permitiu criar também os comités executivos, já que existiam vários gerentes e directores, o que acabava por ser uma grande confusão.

SR –  O facto de ser uma empresa familiar não cria embaraço ao seu desenvolvimento?

JMC – De modo nenhum. O meu conceito de empresa familiar não implica que ela tenha que ser gerida pela família. Neste caso até é, mas não tem que ser. Esta é uma empresa familiar mas apenas aqui trabalham dois elementos da família, num universo de 300 pessoas. Do meu ponto de vista, uma empresa familiar deve preservar uma cultura própria, o seu órgão de gestão deve ser escolhido pela família, porém, o sucesso depende da equipa que nela trabalha e não da própria família.

SR – Os valores da família são passados para a empresa?

JMC – Sim, a estratégia base da empresa é definida pela assembleia-geral e nela é a família que tem assento. Existem negócios com os quais a família concorda e outros que não, pois os nomes dos produtos estão ligados ao nome da família pelo que é necessário um cuidado redobrado.

SR – Neste tipo de empresas a componente sentimental tem mais peso?

JMC – Existe de facto um grande peso sentimental. A empresa não é como um filho mas não anda longe. Neste tipo de empresa contam mais valores como a seriedade e o cumprimento das responsabilidades assumidas do que o lucro, pois existe um nome a defender. Numa empresa onde existem accionistas, o que interessa são os lucros no final do ano e o accionista não se interessa como se chegou a esse lucro. No entanto, acredito que uma empresa pode continuar a ser familiar e integrar capital de outros accionistas.

SR – Está confiante que esta empresa vai poder continuar nas mãos da família?

JMC – Não tenho qualquer dúvida.

SR – Como é que a geração seguinte encara este património?

JMC – Esta é uma situação um pouco invulgar, já que depois das perturbações políticas de 1974, o património industrial da família desapareceu, tendo ficado apenas a Anglo-Portuguesa de Produtos Químicos, que tinha uma facturação muito pequena. Posteriormente, a A. Milne Carmo surge através de um projecto comum entre pai e filho. Quanto à terceira geração, nós temos um protocolo familiar que obriga a que cada elemento da família trabalhe durante alguns anos fora da empresa e que tenha um bom desempenho. Eu não admito que entre alguém nesta empresa só por ser da família, desprezando os conhecimentos e o valor de outras pessoas que estão aqui há muito mais anos.

SR – O verdadeiro nascimento do actual grupo dá-se então com a A. Milne Carmo?

JMC – A A. Milne Carmo, em Pegões, surge para fazer a preservação industrial de madeiras redondas. Fazíamos postes de telefone, para electricidade e para a agricultura, pelo que inicialmente utilizávamos a denominação de Postes Carmo, nome que muitas pessoas ainda retêm. Mais tarde criámos outras unidades, uma em Almeirim, outra em Oliveira de Frades, e passámos para a internacionalização. Primeiro em França, com uma unidade que vende produtos da casa mãe, além de produtos provenientes de outros países, e que conta com oito colaboradores. Depois surgiu a Carmo Ibérica, em Espanha, uma estrutura idêntica à que temos em França. Além disso, trabalhamos directamente com outros países da Europa e Norte de África.

SR – Como é que uma empresa criada em 1980 consegue crescer tão rápidamente e internacionalizar-se desta forma?

JMC – Consegue fazê-lo com uma boa equipa de trabalho, com bons colaboradores, com uma boa organização e uma estratégia bem delineada. Para desenvolver uma empresa pequena, a organização é fundamental e as pessoas são extremamente importantes. Depois é preciso não ter medo de apostar numa marca e torná-la forte. Nós temos uma marca forte. Em França, um poste para vinha é conhecido como um “Carmo”, ou seja, a marca chega ao ponto de se confundir com o próprio produto. Temos um produto que é quase sempre mais caro em qualquer mercado, porém somos muito competitivos em termos de qualidade. O marketing e a publicidade são também importantes no desenvolvimento de uma empresa.

SR – O facto de ser uma empresa portuguesa nunca constituiu obstáculo no processo de internacionalização?

JMC – Não, nem vejo porque deveria ser. Os produtos portugueses têm boa fama no estrangeiro e o país é bem visto. Quando os produtos são bem apresentados e bem promovidos, com pessoas que demonstram qualidade, o mercado rapidamente se apercebe que a empresa é boa, independentemente da sua origem.

SR – O facto de não se conhecerem outras marcas portuguesas também não é obstáculo?

JMC – Na realidade não temos a conexão que existe, por exemplo, com os produtos alemães. Por vezes os nossos clientes perguntam o que se faz mais em Portugal, além dos nossos produtos e do vinho do Porto, e temos alguma dificuldade em responder, mas já existem algumas boas empresas em Portugal.

SR – Esta é uma empresa que tem apostado na inovação?

JMC – Constantemente. Temos desenvolvido produtos tradicionais para mercados novos e produtos novos para mercados tradicionais. Neste âmbito, posso referir duas inovações nossas. Uma são os eco-parques, parques infantis totalmente desenhados por designers portugueses, desenvolvidos para o mercado português, espanhol, francês e italiano. Este é um produto comercializado por vendedores nossos e com a marca Carmo bem visível, já que existem muitos produtos feitos em Portugal mas que não se sabe que são fabricados aqui. O outro exemplo não é um produto desenvolvido por nós, mas considero-o importante porque é uma aquisição de tecnologia que não existe em Portugal. Quando não somos capazes de desenvolver um produto, devemos comprar a melhor tecnologia e adaptá-la às nossas necessidades. Estou a falar dos “decks” onde estamos em parceria com uma empresa inglesa. Este é um produto para o qual não há oferta em Portugal ou em Espanha, excepto a nossa.

SR – Os trabalhadores são chamados a participar nos processos de inovação?

JMC – Constantemente e a todos os níveis. Nós temos uma gestão muito ‘plana’, com poucos níveis hierárquicos para estarmos mais perto das pessoas e podermos ouvir as opiniões de todas elas, desde o operário ao gestor. Somos certificados em termos de qualidade pela norma ISO 9001 e no nosso plano de qualidade temos como objectivo reduzir as reclamações dos clientes, sendo que, para atingir esta meta temos que recolher informações de todos os sectores da empresa e de todas as pessoas.

SR – Esta empresa sentiu a crise que tem afectado o país?

JMC – Sentimos a crise em Portugal, dado que 45% da nossa produção se destina ao mercado interno. E sentimos sobretudo a crise nas vendas às autarquias locais, nomeadamente no que se refere à venda de parques infantis e mobiliário urbano. Quando se verifica um corte tão grande na despesa do Estado, temos forçosamente que sentir dificuldades.

Na agricultura, não sentimos tanto a crise porque variámos a nossa oferta e soubemos estar nos locais onde há desenvolvimento. As vinhas, por exemplo, não sentiram tanto a crise. Começam a sentir agora porque os vinhos portugueses têm preços muito elevados. Houve um esforço no sentido de plantar vinhas que dessem origem a vinhos de qualidade e essas vinhas estão a começar a produzir, o que leva a um excesso de produção dentro do país, já que a maior parte dos vinhos são vendidos em Portugal. As vendas são sobretudo em Portugal porque os preços exorbitantes do vinho não permitem que um empresário os tente colocar no estrangeiro. Com o excesso de produção tem que haver um ajuste do mercado, logo os preços vão baixar.

SR – No resto da Europa não se sentiu a crise como em Portugal?

JMC – O que baixámos nos nossos negócios em Portugal, ganhámos no estrangeiro. Temos crescido continuamente e, este ano, já estamos com 15% de crescimento. Nos produtos que comercializamos não temos sentido a crise europeia, mas para além da Europa temos investido em novos mercados como a Tunísia. O que nós procuramos é nichos de mercado em que possamos investir e que permitam colmatar dificuldades que existam noutros produtos que comercializamos. Apesar da crise que possa existir, um produto novo vai significar sempre crescimento num mercado tradicional assim como um produto tradicional vai ter crescimento num mercado novo.

SR – Não sendo Portugal um grande produtor de madeiras, onde vão buscar a vossa matéria-prima?

JMC – Portugal já foi um grande produtor e exportador de produtos em madeira, mas com a delapidação do património florestal no que respeita às madeiras com que trabalhamos, essencialmente o pinheiro bravo, temos maiores dificuldades. O país tem sido assolado, ano após ano, por incêndios que devastam áreas de pinhal, e não tem havido, por parte dos governos, uma política de reflorestação. Compramos alguma matéria-prima em Portugal, mas muito pouca, e vimo-nos obrigados a procurar madeiras de qualidade igual à nossa noutros países, algo que encontrámos no Brasil, onde exploramos cerca de 200 mil hectares de floresta, que nos fornecem 90% da madeira que necessitamos para a nossa actividade.

SR – Seria mais rentável adquirir a matéria-prima em Portugal?

JMC – Seria, se isso fosse possível. Apesar das explorações de trabalho intensivo, como a florestal, serem baratas no Brasil, o preço do transporte não compensa, mas não temos alternativa. No Brasil temos aproximadamente 1000 pessoas a trabalhar para nós, pelo que muitas das madeiras que recebemos já vêm semi-trabalhadas, o que por sua vez faz com que a empresa continue a crescer mantendo o mesmo número de efectivos em Portugal.

SR – A A. Milne Carmo tem sede em Pegões, embora a Carmo esteja instalada em Lisboa. Esta continua a ser uma empresa do distrito de Setúbal?

JMC – A A. Milne Carmo é uma empresa do distrito de Setúbal, foi aí que ela nasceu e que tem funcionado, embora sempre tenha tido escritórios em Lisboa. Ainda que a sede da empresa esteja nos escritórios de Lisboa, toda a transformação, produção e comercialização de produtos passa pelo distrito de Setúbal.

SR – Não sente que, apesar de toda a projecção que tem no estrangeiro, esta é uma empresa pouco conhecida em Portugal?

JMC – Nos sectores onde trabalhamos, acho que somos bastante conhecidos. Os arquitectos, os agricultores, as autarquias e as empresas de construção de estradas conhecem a Carmo. A promoção dos nossos produtos é dirigida a ramos específicos, pois não temos produtos de grande consumo. São produtos de investimento industriais ou semi-industriais, daí não sermos tão conhecidos do grande público.

SR – Esta empresa pode ser um exemplo para outras?

JMC – Não me compete a mim fazer essa afirmação, mas na realidade e à escala da nossa dimensão, somos um caso de afirmação de uma marca no mercado estrangeiro. Continuamos a crescer, a ter sucesso, a produzir produtos novos e a implantarmo-nos em mercados novos. Temos casos de produtos que vão directamente da nossa produção do Brasil para os Estados Unidos, postes que vêm da Rússia, são transformados em Portugal e vendidos em França. Essas são situações que podem ser exemplo para outras empresas. seta-7263967