[ Dia 18-10-2004 ] – Entrevista com João Raposo, director-geral da Justocar.

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EMPRESAS, MOTORES DE DESENVOLVIMENTO DA REGIÃO

João Raposo, director-geral da Justocar
“Os impostos automóveis são
“a galinha dos ovos de ouro” do Governo”

“As alturas de crise são boas para pensarmos no que andamos a fazer”, afirma João Raposo, director-geral da Justocar, representante das marcas Volkswagen, Audi e Seat, sedeada no Barreiro. Para fazer face à crise a empresa apostou na modernização dos métodos de trabalho e na “adequação dos produtos” às necessidades dos clientes, o que leva o director a afirmar que são “uma oficina do século XXI”. Em entrevista ao “Setúbal na Rede”, João Raposo fala das vantagens de pertencer a um grupo sólido, de ter “relações privilegiadas” com a vizinha Autoeuropa e aponta a necessidade de alterar a incidência dos impostos sobre os automóveis, reconhecendo no entanto, que “essa será uma medida a muito longo prazo” dado que estes são “a galinha dos ovos de ouro para o Governo”. Segundo o director, a Justocar é uma empresa que aposta na formação profissional e que chama os funcionários a intervir, pelo que a “produtividade não é problema”, sendo essa uma questão que se põe em “empresas que estagnaram no tempo”.

Setúbal na Rede – O comércio de automóveis ainda é um negócio rentável?

João Raposo – Eu diria que é rentável, porém nos últimos dois anos, com a entrada em vigor dos novos acordos da União Europeia, os resultados finais desta actividade estão longe do que eram antigamente. O negócio é rentável, caso contrário as empresas pensariam em fechar ou mudar de actividade, mas no caso específico da Justocar, o que fizemos foi alterar métodos de trabalho que tornaram a empresa melhor.

A famosa crise que se espalhou pelo país foi encarada por nós pela positiva, até porque considero que estas alturas difíceis são boas para pensarmos sobre o que andamos a fazer. Na Justocar fizemos face à crise através de alterações internas e de imagem exterior que levaram os accionistas a continuar a acreditar em nós.

SR – Quais foram as alterações implementadas?

JR – São alterações de estrutura e de meios. O que tentámos fazer foi adequar, o máximo possível, os nossos produtos aos desejos dos clientes. Em vez de desperdiçar dinheiro e recursos a tentar vender o que o cliente não quer, procurámos fazer uma adaptação às necessidades do cliente. Esta era uma medida que já deveria ter sido tomada há mais tempo, mas como no “tempo das vacas gordas” ninguém se preocupa com essas questões isso não foi feito, só que em situação de crise tem forçosamente que haver alterações. A empresa foi reestruturada de modo a trazer valor acrescentado para todos, clientes, empresa e, consequentemente, accionistas.

SR – Como é que a empresa consegue manter uma relação mais próxima com o cliente?

JR – O que nós fizemos foi “desmontar” uma empresa com uma cadeia hierárquica muito rígida e criar uma empresa mais “elástica” e com acesso directo, quer para clientes quer para funcionários. Um cliente que queira falar com qualquer pessoa dentro da empresa tem essa possibilidade. Somos certificados pelas normas ISO 9001 e nessa medida temos que ter meios capazes de manter uma relação clara e aberta com os clientes. Existe uma equipa que trata das relações com o cliente e quando detectamos alguma dificuldade somos nós que oferecemos ajuda. O que procuramos é antecipar a reclamação do cliente para que ela não chegue a existir e por consequência evitar a quebra.

SR – Já há resultados visíveis?

JR – Penso que sim. As empresas certificadas pelas normas ISO são auditadas pela TUV, pela Volkswagen, pela Audi e pela Seat, que medem o grau de satisfação dos clientes e somos melhor ou pior remunerados pelo importador em função desses resultados. Temos reuniões internas mensais, reuniões trimestrais com os importadores, fazemos planos de melhoria e somos informados do trajecto que a marca quer seguir. Em resumo, temos duas ferramentas de trabalho distintas, por um lado temos os métodos de trabalho que adequamos às necessidades do cliente e por outro temos a gestão da empresa e as marcas que nos obrigam a andar para a frente. As marcas são muito produtivas em formas de gestão direccionadas ao cliente porque sem ele não sobrevivemos.

SR – Como é que a empresa tem sentido a crise?

JR – Temos sentido muito a crise por dois motivos base. Estamos inseridos na sub-região do Barreiro, um local onde a crise chegou mais tarde mas também vai sair mais tarde. Além disso, esta é essencialmente uma região dormitório e o que acontece é que, por falta de tempo, as pessoas passam a comprar mais os carros ou a fazer a sua manutenção na zona onde vão trabalhar. Na Justocar temos tentado encontrar aliciantes para contrariar esta tendência e para que o cliente continue a preferir os nossos serviços, sendo que essa tem sido a nossa maior dificuldade. O que temos feito é flexibilizar os horários de entrega, caso seja marcado previamente temos aqui alguém ao fim-de-semana para receber os carros, temos mão-de-obra mais barata que em Lisboa, Almada e Setúbal, e tentamos prestar um serviço mais personalizado.

A crise no Barreiro prende-se com o desemprego, pois esta é uma região que vive quase exclusivamente de serviços, já que a indústria está a desaparecer. O cliente que comprou um Volkswagen fez um grande investimento, tem revisões mais caras que se tivesse comprado outra marca, sendo por isso mais exigente. O que nós queremos é fazer perceber ao cliente que tem vantagens em vir aqui e que pode exigir um melhor atendimento porque comprou um produto melhor.

SR – O facto de estarem instalados numa zona de pouca densidade urbana tem sido penalizador?

JR – Sim, tem sido. Existem estudos que indicam que, devido à restrição dos limites do Barreiro, existem pessoas que saem daqui para adquirir casa noutros concelhos, como a Moita, Barreiro ou Alcochete. O que acontece é que temos que cativar as pessoas que vão para fora para usufruírem dos nossos serviços em vez de irem a outro local. Este é um trabalho contínuo e difícil que exige a criação de alternativas. Temos carros de substituição para emprestar aos nossos clientes de modo a causar-lhes o mínimo transtorno possível.

SR – É importante cativar novos clientes?

JR – Os serviços de marca apostam muito mais na manutenção dos clientes que têm do que na aquisição de novos. Para vender carros novos temos, evidentemente, que angariar novos clientes. Os carros Volkswagen têm uma vida útil prolongada e um cliente da marca só volta a comprar um carro, em média, seis anos depois, pelo que é importante garantir que ele utiliza os nossos serviços. Quando o objectivo é vender carros novos, recorremos à publicidade e aos vendedores para cativar clientes para a nossa marca.

SR – Qual a resposta dos colaboradores ao grau de exigência necessário para as mudanças na empresa?

JR – O aumento de exigência implicou que a empresa investisse mais em formação profissional, isto porque a maioria das pessoas não são autodidactas e têm que ser ensinadas. Como estamos agregados a uma marca que sempre apostou na formação, cada vez que o importador tem acções de formação, seja em que aspecto for, mandamos os nossos funcionários.

SR – Mas não tem havido uma reacção negativa como geralmente acontece quando aumenta o nível de exigência?

JR – A maior parte das pessoas que trabalham connosco tem consciência das dificuldades diárias e elas próprias vêem que existe a necessidade de fazer alguma coisa. Se um líder de uma empresa apostar numa mudança e forem fornecidas as ferramentas necessárias é fácil motivar os colaboradores. Para atingir bons níveis de qualidade numa empresa é necessário investir em equipamento e ferramentas e nós temo-lo feito. Estamos ligados informaticamente à Alemanha e quando um carro aqui chega é ligado a um computador e através da Internet a própria fábrica indica o que devemos fazer. Estamos modernizados e actualizados, somos uma oficina do século XXI. Se a empresa investe, os funcionários sentem-se motivados e quando todos ajudam, as coisas vão para a frente.

SR – Aqui não existe a ideia de que o trabalhador português é pouco produtivo e preguiçoso?

JR – Como regra ela não existe. Acredito que esse tipo de mentalidade tem mais a ver com empresas que estagnaram no tempo, onde não existe informação para os trabalhadores nem tão pouco eles são chamados a intervir. Se existir interacção entre empresa e funcionários, apenas poderão haver excepções que confirmem essa imagem. Na Justocar temos um nível de absentismo muito baixo. A maior parte dos nossos colaboradores são jovens que têm ambição de evoluir profissionalmente e financeiramente e a empresa também tem correspondido com aumentos de salários bastante razoáveis. O nosso objectivo é que os nossos funcionários venham trabalhar satisfeitos.

SR – As políticas da empresa são definidas aqui ou o facto de pertencer a um grupo retira autonomia às decisões?

JR – Existem regras do grupo que estão implementadas e definidas pelo grupo, porém existem outras que são ajustadas em função da empresa. O grupo tem empresas em vários locais de Portugal e no Brasil, pelo que as realidades são diferentes de local para local. Neste caso os gestores têm autonomia para adaptar as regras de acordo com a dimensão e a realidade de cada empresa.

SR – Podemos afirmar que a Justocar tem identidade própria e pertence à região em que está inserida?

JR – Eu gostaria que essa fosse a leitura dos clientes. Gostaria que não houvesse a intenção de massificar as empresas que compõem o grupo. Aliás, se reparar, apenas a chapa de matrícula tem o nome do grupo, mas nada nesta empresa a identifica como tal. A Justocar é uma empresa do Barreiro que vive segundo as especificidades do Barreiro e que pertence a um grupo, o que pode ser bom na medida que dá mais segurança a toda a estrutura. Resta-nos coordenar essa imagem para que os clientes se sintam confortados com essa situação.

SR – Quais as vantagens de pertencer a um grupo?

JR – A grande vantagem é a transparência. Devido às suas obrigações legais, o grupo obriga todas as empresas que o constituem a trabalhar com o máximo de transparência. Reconheço que a situação já foi diferente, mas actualmente as contas são fechadas até ao nono dia útil do mês seguinte e qualquer pessoa as pode verificar. Depois, também temos o cuidado de ter alguma transparência para com o cliente no que toca às responsabilidades de cada um dentro da empresa.

SR –  Não existe organização a mais para uma empresa tão pequena?

JR – Existe, mas isso tem muitas vantagens. Mesmo sendo pequena, a empresa tem todas as vantagens em estar a trabalhar em grupo e com normas bem definidas. O facto de sermos obrigados a cumprir normas específicas tem-se traduzido em bons resultados pelo que considero que as vantagens de estar agregado a um grupo são muito grandes, quer para nós quer para o cliente.

SR – O facto de ter ao lado um grande produtor Volkswagen como a Autoeuropa é importante?

JR – Em primeiro lugar somos fornecedores de serviços à Autoeuropa a nível de oficina, pois damos assistência aos carros de serviço da fábrica, bem como aos funcionários, já que existe um acordo entre as duas empresas que visa criar preços específicos para estas pessoas. A Autoeuropa também tem relações muito estreitas com a SIVA, o importador Volkswagen. Além disso, atendendo ao peso que a imagem da Autoeuropa tem na região, a Justocar só tem a ganhar com esta relação.

SR – Tem consciência que comprar um carro em Portugal é mais difícil que noutro país, em particular quando se trata da Volkswagen?

JR – A importação paralela da Audi, da Volkswagen, da Mercedes e da BMW deve-se sobretudo ao preço, pois custa mais dinheiro comprar o carro aqui do que fazer a sua importação directa. Porém verifica-se que esse fenómeno está em queda, em parte porque as pessoas não têm dinheiro disponível para comprar estes carros a pronto e com a liberalização do comércio automóvel os preços começam a uniformizar-se. Nós temos o Imposto Automóvel (IA), mas os outros países têm outros impostos o que acaba por ser idêntico.

Além do que já referi, as pessoas também têm consciência que vão ter muito mais dificuldades sempre que precisem de fazer alguma reparação porque os carros são efectivamente diferentes. Como o carro não é do mercado português implica que as peças tenham que ser encomendadas, o que leva a um aumento de tempo de reparação que as pessoas não querem suportar, algo que também ajuda a diminuir a importação paralela.

SR – Com a implementação das regras europeias de que falou anteriormente, pode esperar-se que o comércio automóvel seja facilitado no futuro?

JR – A entrada em funcionamento destas regras obrigou a que as empresas se organizassem e se modernizassem, sob pena de deixarem de ser concorrenciais e terem que fechar as portas. Se o cliente for inquirido sobre estas mudanças a única coisa que sente é que têm de facto um melhor serviço. O cliente ganhou qualidade mas a concorrência não levou a uma baixa de preços. Tende a haver uma uniformização de preços a nível europeu, mas no entanto, como Portugal tem dos preços base mais baratos, não houve grandes mudanças.

SR – O consumidor português continua a pagar 50% do preço do carro para impostos.

JR – Se juntarmos tudo, sim. Eu não acredito que seja fácil alterar essa situação já que ela é a “galinha dos ovos de ouro” para o Governo. Quem compra um carro não pode adquirir uma chapa de matrícula sem pagar os impostos correspondentes. Se o IA e o IVA não forem pagos na totalidade o cliente não levanta o carro. Depois, os combustíveis também implicam o pagamento de mais impostos. Em suma, não acredito que a situação se altere nos próximos tempos.

SR – Os comerciantes de automóveis vivem bem com essa realidade?

JR – Vivemos muito mal e no futuro o Governo vai ter que achar uma alternativa. Seja ela o desfasamento do IA com a divisão do imposto pela vida útil da viatura, o que diminuía o preço do carro, ou qualquer outra. Existem várias situações em estudo mas não acredito que o Governo possa prescindir destas verbas. Com a crise, o Governo recebeu menos IA porque se venderam menos automóveis, porém tem lucrado mais com o aumento dos combustíveis, além de que os carros com mais anos têm mais reparações que pagam IVA. Resta saber se as regras comunitárias não vão obrigar a que seja feita alguma coisa, mas não será certamente nos tempos mais próximos.  seta-4846844