EMPRESAS, MOTORES DE DESENVOLVIMENTO DA REGIÃO
Martin Stilwell, administrador-delegado da FIT
“O mercado interno não significa quase nada para nós”
Instalada na região de Pegões, distrito de Setúbal, desde o início da década de cinquenta, a FIT (Fomento da Indústria de Tomate) foi uma das primeiras empresas de transformação de tomate no país e constitui um bom exemplo de afirmação no estrangeiro, já que “mais de 99% da sua produção se destina à exportação”, sobretudo para o oriente, um mercado “particularmente exigente com a qualidade”, tal como refere Martin Stilwell, administrador delegado da empresa. Em entrevista ao “Setúbal na Rede”, o administrador mostra-se optimista quanto ao futuro do sector do tomate em Portugal, dado que “a produção tem vindo a aumentar” mesmo com a diminuição de produtores, o que indica que tem “havido uma especialização na produção”. Sobre a possibilidade de recorrer à manipulação genética para deixar de estar dependente do tomate, uma vez que a produção “é incerta” por estar sujeita às condições climatéricas, Martin Stilwell admite que isso poderá acontecer num “futuro longínquo” mas “nunca” no imediato, dado que a manipulação “não é bem vista” e os clientes exigem mesmo “garantias de que ela não é praticada”.
Setúbal na Rede – Sendo este ano um bom ano de produção de tomate, como é que isso se reflecte numa empresa como a FIT ?
Martin Stilwel – Eu diria que o ano correu bem, cumpriu as nossas expectativas, o que neste sector é sempre uma surpresa agradável. Neste tipo de indústria existem sempre percalços porque estamos inteiramente dependentes das condições climatéricas, mas este ano correu efectivamente bem. Em termos mais específicos, a campanha deste ano foi curta, teve um grande aumento de produtividade, não foi a maior campanha de sempre apenas por uma dezena de toneladas, mas foi a mais eficiente. As melhorias que registámos devem-se ao avultado investimento que foi feito no ano passado no evaporador que temos implantado, o primeiro no mundo, e que é um passo à frente em termos de eficiência energética. Esta foi uma campanha que correu bem a todos os níveis, em produtividade, utilização energética e de qualidade, algo que não é frequente nesta área de negócio.
SR – O escoamento da produção está garantido?
MS – Sim, neste sector é normal que antes da campanha se tente vender parte significativa da mesma, o que equivale a cerca de 70 ou 80% do que pensamos produzir. Neste momento temos colocada no mercado entre 60 a 65% da nossa produção e estamos a negociar o restante. Os nossos produtos são transformados em Agosto e Setembro e vendidos no resto do ano.
SR – Quais os principais destinos desta produção?
MS – Grande parte da nossa produção destina-se ao Oriente, como o Japão ou Taiwan. Estes mercados exigem uma qualidade muito superior ao comum, pagam melhor que os outros mas são também muito sofisticados. Vendemos também para o Médio Oriente, Arábia Saudita, Koweit e Bahrain, e uma parte significativa para o mercado europeu.
SR – Qual o peso da empresa no mercado interno?
MS – Nós exportamos mais de 99% do que produzimos pelo que o mercado interno não significa quase nada para nós.
SR – Mas nesses mercados externos estão sujeitos a muita concorrência?
MS – No mercado oriental não é muito significativa porque este mercado é muito exigente, há mais de 34 anos que exportamos para lá, e exige produtos muito específicos que poucas empresas estão aptas a produzir. Na Europa temos de facto uma grande concorrência de todos os outros países produtores, nomeadamente Espanha, Itália, Grécia, Turquia e mais recentemente a China.
SR – Qual a mais valia da empresa no mercado internacional?
MS – A nossa principal mais valia é a qualidade. Temo-nos especializado na produção de concentrado para a produção de sumo de tomate, pelo que temos investido em equipamentos muito modernos, sendo que alguns são únicos no mundo e essa é uma forma de nos mantermos à frente da concorrência. Os novos equipamentos que temos instalado visam também a poupança de energia, como por exemplo o nosso evaporador mais recente, para a transformação de mil toneladas de tomate, que consome a mesma quantidade de energia que o evaporador que temos desde o início dos anos 60 para transformar 150 toneladas.
SR – Ter equipamentos únicos no mundo significa que existe investigação associada à empresa?
MS – Temos vindo a desenvolver esses equipamentos com os nossos parceiros do Japão. Os japoneses são os peritos da mecânica, nós da matéria-prima. Outra parte dos equipamentos tem sido desenvolvida em parceria com os italianos, país ao qual pertence o maior construtor dentro desta área. O último evaporador que instalámos foi construído em Itália, era um protótipo que visa a poupança de energia aliada à qualidade, e tem-se revelado um sucesso.
SR – Esta empresa investe significativamente na investigação?
MS – Na nossa contabilidade não existe nenhuma verba destinada à investigação, mas investimos em termos práticos. Com os japoneses investimos em investigação aplicada numa escala significativa, tentamos inovar, fazer produtos diferentes com filosofias de produção também diferentes. Diria que parte significativa do nosso trabalho é dedicada à investigação.
SR – Que tipo de parceria têm com os japoneses?
MS – É uma parceria bastante comum quando se produz para o Japão, não é nada formal, mas trata-se de adoptar uma filosofia de trabalho em comum que visa obter resultados num prazo de cinco anos. A perspectiva de trabalho no Oriente é sempre mais a longo prazo do que a que temos no Ocidente, pois lá não se concebe a ideia que no ano seguinte já não trabalhem connosco.
SR – A FIT tem aprendido com os japoneses?
MS – Claro que aprendemos, não temos a presunção de nos acharmos os melhores, mas gostamos de pensar que estamos perto da crista da onda. O facto da principal empresa com quem trabalhamos ser líder de mercado no Japão, vende mais de um milhão de latas de sumo de tomate no país, leva-nos a acreditar que somos bons. Aprendemos com os japoneses e eles também aprendem connosco.
SR – A matéria-prima com que a FIT trabalha é proveniente do mercado nacional?
MS – Os nossos fornecedores de tomate vêm essencialmente da zona de Setúbal e Palmela. Outra parte vem do vale do Sorraia, do vale do Sado e do Alentejo. 80% da nossa matéria-prima é produzida num raio de 50 a 60 quilómetros.
SR – E que garantias tem a empresa da qualidade dessa matéria-prima?
MS – Temos vários sistemas de controlo de qualidade da matéria-prima. Contactamos com produtores de diversas dimensões e um dos controlos que temos apertado cada vez mais prende-se com a forma como o agricultor trata a sua produção. Com o mercado exigente que temos é necessário controlar muito bem os pesticidas que os agricultores usam, pelo que há quatro ou cinco anos adoptámos um sistema de protecção integrada com os nossos fornecedores. A protecção integrada é um sistema em que ensinamos o agricultor a conhecer melhor a sua cultura e a determinar com exactidão os problemas que a afectam, permitindo assim reduzir a quantidade de pesticidas e por conseguinte os gastos da produção. Ao contrário do que acontecia antigamente, que se tratava o tomate de quinze em quinze dias por hábito, agora os tratamentos são efectuados apenas quando são necessários. Esta medida tem muitos benefícios, permite controlar o que se aplica e reduzem-se os químicos utilizados.
Ao ser entregue na fábrica, a matéria-prima é controlada através da recolha de amostras, premiamos o que tem qualidade e penalizamos o que não tem. Controlamos também as variedades utilizadas, já que nem todas têm o mesmo sabor e uma das nossas mais valias é termos um produto com o sabor diferente dos outros.
SR – Esta empresa está entre as melhores na produção de concentrado de tomate. Podemos dizer o mesmo em relação à produção de tomate portuguesa?
MS – Isso é mais difícil. Esta é uma empresa relativamente grande que absorve entre 14 a 15% da produção nacional e apesar de todo o controlo que fazemos também recebemos tomate mau. Todos os anos apostamos na melhoria da qualidade e temos verificado que essa qualidade tem vindo a aumentar progressivamente. Em Portugal, temos também que considerar as excelentes condições climatéricas que permitem que a cor e o sabor do nosso tomate sejam muito bons. O facto de não termos temperaturas extremas nas zonas de produção de tomate permite que o nosso tomate amadureça lentamente e tenha mais qualidade do que o produzido noutras regiões do mundo.
SR – A crise na agricultura que se tem verificado nos últimos anos não diminui o acesso à matéria-prima?
MS – Não, este sector tem vindo a melhorar a sua produtividade nos últimos anos, o que tem permitido aos agricultores e industriais manterem a competitividade aliada à qualidade do produto. Temos sofrido muito o impacto da concorrência chinesa, porque eles têm custos muito inferiores aos nossos, além de terem um forte incentivo do Governo para a exportação, sendo por isso concorrentes muito ferozes. Até aqui temos tido a sorte e o engenho de conseguirmos diferenciar os nossos produtos em termos de qualidade o que nos permite enfrentar essa concorrência.
SR – Quando fala do incremento da produção de tomate, isso deve-se a subsídios da União Europeia?
MS – Não, os subsídios da União Europeia têm vindo a ser reduzidos nos últimos quinze anos para este sector. O aumento e a melhoria da qualidade deve-se essencialmente à especialização do agricultor. Face à concorrência externa o agricultor reconheceu que tinha que aumentar a sua produtividade para continuar no mercado. Tem-se verificado uma alteração do perfil do agricultor que produz tomate, a quantidade de produtores tem vindo a decrescer, e hoje temos um décimo de pessoas a produzirem a mesma quantidade de há dez anos. Quando eu comecei neste sector a produtividade média era de 35 toneladas por hectare e no ano passado muitos agricultores ultrapassaram as 100 toneladas por hectare. Mesmo nos últimos dez anos passámos das 60 toneladas por hectare para as 80 em termos médios nacionais, o que indica uma melhoria significativa do trabalho do agricultor.
SR – Não teme que a produção nacional possa vir a escassear e não chegue para alimentar esta indústria?
MS – Não, a nossa grande preocupação não é a capacidade de produção mas os custos e volto a frisar a ameaça chinesa. Penso que o futuro para este sector é relativamente optimista, embora não existam sectores fáceis e exista sempre a necessidade de reduzir custos, aumentar produções e diferenciar produtos para chegar a nichos de mercado que são mais compensadores a nível monetário.
SR – Num cenário futurista, não seria possível prescindir do agricultor tradicional e recorrer à manipulação genética para obter os produtos necessários ao fabrico do concentrado de tomate?
MS – Sou genético de formação e nesta área existem questões que são difíceis de ultrapassar. Na Europa aceita-se que se façam cruzamentos de plantas para obter outras mas a manipulação genética mais profunda, que consiste em transferir um gene de uma planta para colocar noutra, encontra muita resistência por parte dos nossos clientes, que chegam ao ponto de nos exigirem garantias de que não o fazemos.
SR – Nem é previsível que se venha a produzir concentrado de tomate sem ter tomate?
MS – Não, acredito que isso não seja possível para já. Uma das grandes razões que levam ao consumo do tomate tem a ver com a sua coloração que resulta de um pigmento que é muito benéfico para a saúde, já que está confirmado que tem efeitos anti-cancerígenos e protege o aparelho cardiovascular, sendo esta uma das razões que o leva a ser muito consumido no Oriente. Ainda que, no Ocidente, só agora se comecem a focar propriedades de alguns alimentos benéficas para a saúde, no Oriente há muitos anos que isso é feito. Não tenho dúvidas que seria possível criar artificialmente o licopeno, mas nos ensaios que têm sido feitos o produtos artificial não tem os mesmos efeitos que o do tomate natural. Admito que a ideia pode vir a ser concretizada, mas apenas num futuro longínquo.
SR – Esta actividade vai continuar sujeita às condições climatéricas, sendo por isso uma actividade com pouca segurança a nível económico.
MS – O nosso maior problema, pelo facto de estarmos ligados a um sector agrícola, tem a ver com as condições climatéricas do amanhã que nós desconhecemos e que têm um impacto directo na nossa produção.
SR – Como é possível gerir uma empresa que tem custos fixos, sempre na incerteza de como vai ser o índice de produção?
MS – É difícil e por vezes existe a tentação de acreditar que não vale a pena planear porque não se conhecem todos os factos, mas a realidade é precisamente o contrário. Por não se controlar o sector é cada vez mais necessário planear no sentido de criar contingências e alternativas que possam corrigir algo que corra menos bem. Existem coisas que não são corrigíveis e sofremos com isso, mas na procura de nichos de mercado conseguimos resolver alguns problemas e nos últimos anos temos tido alguma expansão com produtos que têm muita qualidade e são menos concentrados, utilizando portanto menos tomate. Neste momento grande parte da facturação da empresa está dependente de menos quantidades de tomate, o que não quer dizer que a absorção dos custos fixos não esteja dependente do aumento da produção, porém os novos produtos permitem manter a estabilidade mesmo com perda de produção.
SR – Esta é uma empresa com boa saúde financeira?
MS – Apesar de nenhuma empresa ter uma vida fácil actualmente e de ser necessária a contenção de custos permanente, a FIT é uma empresa saudável com a qual temos que ter cuidado. Atendendo ao período difícil que a economia mundial atravessa e apesar de estarmos inseridos num sector que passa um pouco ao lado dos altos e baixos, temos que estar atentos. A FIT está bem mas como todas as empresas tem que estar atenta ao que acontece e para nós há um factor muito importante que é o custo da energia. Esta indústria utiliza muita energia e temos assistido nos últimos meses ao duplicar do preço da energia, o que tem um grande impacto na empresa. Por sorte demos um passo certo na altura certa com a instalação do novo equipamento que permite um menor consumo energético. No último ano reduzimos o nosso consumo de fuel em 30% e não tivemos um grande impacto económico com os consecutivos aumentos do preço do petróleo.
SR – Esta actividade tem um impacto ambiental significativo?
MS – Sim e a FIT tem a honra de ter sido a primeira fábrica do sector a construir uma ETAR. Basicamente, o impacto ambiental resulta da descarga do tomate, a descarga é feita com água, o tomate traz terra e tomate esmagado que acaba por ser deitado fora e a água tem que ser tratada porque contém elevados níveis de açúcar. Tratar os resíduos de uma fábrica deste tipo é fácil porque não contém gorduras nem produtos tóxicos. O que temos que fazer é introduzir oxigénio na água, deixá-la fermentar, esperar que as bactérias consumam a matéria orgânica e depois deitar a água no ribeiro em perfeitas condições.
SR – Quais os benefícios que esta empresa traz para esta região?
MS – Penso que é muito benéfica para a região porque permite o escoamento da produção e assegura o emprego que essa produção envolve, dá trabalho às pessoas e cria bom-nome para os produtos portugueses quando os exporta.
SR – É uma empresa bem integrada nesta região ou poderia estar em qualquer outro lugar?
MS – A FIT nasceu aqui, foi uma das primeiras empresas industriais deste sector, no início dos anos cinquenta. Localizou-se nesta região porque esta era uma boa zona de produção, tinha boa água subterrânea para abastecer a fábrica e chegou a dar emprego a muitas pessoas porque a mecanização era quase nula. Actualmente existem muitas máquinas mas em campanha empregamos cerca de 300 pessoas divididas em três turnos e ao longo do ano temos 60 pessoas em permanência. Estamos bem inseridos e acredito que somos bem vistos na região.