ESTAR PRESENTE
por António Manuel Ribeiro
(Músico e Autor)
9/11
Só agora nesta paragem do Natal pude visionar o documentário de Michael Moore “Fahrenheit 9/11”. Depois do livro “Brancos Estúpidos”, do mesmo senhor, que li a meio da primavera deste ano, dou graças por haver mais um norte-americano que vive e respira para além do clima de intoxicação, propaganda e ‘marketing’ que o pós-11 de Setembro instalou dentro das fronteiras locais e por todo o globo, embrulhado em histeria e ansiedade programadas.
A ganância dos homens tem conduzido a humanidade a este estado de vivência precária, sofrida, selvagem em que nos situamos – e para isso temos tantas desculpas. Pensar na densidade intelectual do sujeito que ocupa o cadeirão principal da Casa Branca já nos fazia há muito sorrir: a sua primeira eleição teatral e fraudulenta ensinou ao mundo avisado como uma democracia pode ser um regime viciado.
Ao longo deste documentário, que tanta polémica e tantos espectadores concentrou dentro e fora dos Estados Unidos, percebemos quão débil pode ser nos dias de hoje a personagem que tem o privilégio de dirigir os destinos de uma nação – não que eu acredite que o senhor Bush dirija o que quer que seja, as corporações americanas a tanto não o deixariam ir. Permitem-lhe a pose e o sorriso alarve, o teatro, as gaffes, os rituais e o cinismo que o american way of life há muito divulga: na América, terra de oportunidades, qualquer um pode chegar a muito rico, um qualquer pode chegar a presidente. É como se a corrida pelas pradarias, desde o leste até às minas californianas, se mantivesse como possibilidade de virar o idiota em génio poderoso. Ao longo do “9/11” esse papel é perfeitamente assumido.
É um filme que nos faz pensar no rumo que as coisas tomam – agora que na Ucrânia se descobriu que a melhor forma de ganhar democraticamente eleições é envenenar o opositor –, no destino que o nosso tempo nos reserva, que tarefas são estas que cumprimos, no momento em que a crosta terrestre mostra a sua energia brutal e chocalha os mares e as praias e as vidas. O mundo poderia ser melhor se o quiséssemos mudar, começando por nós. Mas o medo do risco e da inovação produz a gritaria de todos os dias em que os velhos padrões de comportamento, exangues, são defendidos com garras afiadas.
Fevereiro
Eis que nos chegam novas eleições. E vão elas mudar o estado a que isto chegou ou apenas substituir a incompetência pela impotência? Alguém vai correr o risco de governar extirpando os vícios da nação?
Preparam-se programas de governo – agora – como se os passes de mágica retóricos, que ninguém lê e depois ninguém cumpre, pudessem corrigir o défice, o PIB, a balança de pagamentos, a taxa de inflação, a convergência europeia, os capitalistas que são maus empresários, os empregados que não trabalham, os tribunais que não funcionam, as escolas que ensinam pouco e mal, a doença crónica dos hospitais, os condutores que adoram matar-se nos sítios do costume, as exportações que não exportamos, o franchising em que naufragamos, as lojas dos 300, as lojas dos chineses, o quintal de celebridades em que estes dez milhões de portugueses se tornaram. Mas sobre isto nada ouviremos, ou melhor, ouvir-se-á: “o povo português é capaz” (de não votar, acrescento eu e dá jeito a uma certa esquerda), “somos os melhores entre os melhores” (nem na bola amigos, nem na bola), “o futuro será risonho connosco no poder” (sobretudo para os clientes partidários e os empreiteiros do costume, digo).
A 20 de Fevereiro vamos votar e este país que tão mal está desde há nove anos, que nos últimos meses viu o pior impossível de ver, espera na sua decência saloia que os principais partidos nacionais redijam, a cinquenta (50) dais das eleições, os seus programas políticos, ou seja, o espectro do nosso futuro para os prováveis próximos quatro anos. E chamam-lhes, com pompa e circunstância, profissionais da causa pública.
A queda
Não me lembro de um governo tão capaz do suicídio como o de Santana Lopes, um governo que aceitou o poder em condições precárias e não se constituiu de homens indiscutivelmente competentes, com currículo profissional e provas dadas, como o momento exigia.
Foi o que se viu. Esta legislatura tornou-se em mais um desperdício de tempo, de energias, de dinheiros comunitários, de salto para a qualidade que as nossas vidas merecem. Esta oportunidade perdida vai doer quando mais dez países discutirem os fundos comunitários a que estávamos habituados e de muito pouco nos serviram – serviram-se alguns.
Santana Lopes vai correr pela primeira vez para o lugar de primeiro-ministro, com um PSD em lume brando, crítico, à espera de um ajuste de contas se na meta não for primeiro. Rodeado pelos amigos do costume Santana vai ao fundo, como foi com este governo sem história.
Sócrates, do outro lado, quer apresentar-se como a alternativa credível, apesar de não ter ideias novas (a co-inceneração dói), o discurso ser soletrado sem convicção, e o grupo envolvente ser o do costume: logo os vícios, logo a incompetência.
Resume-se a isto a política caseira actual: um partido, em plenário de mil e tal militantes, elege por maioria um sujeito que, a partir daí, se acha dramaticamente investido para aspirar a conduzir os destinos de um país de milhões de pessoas diferentes. Irão sempre lutar pelo bem comum, valha isso o que valer, como se tem visto.
Muito naturalmente, cinquenta por cento dos portugueses votantes irão trocar o voto pelo passeio de domingo ou pela sessão da tarde, a julgar pelo que tem acontecido nos últimos escrutínios. É por isso natural que o vencedor das próximas eleições grite que os portugueses votaram maioritariamente no seu (deles) partido e que, o valor da abstenção, obriga a pensar na reforma do sistema político… pois.
Portugal não pode suportar um novo ensaio destes politiqueiros do costume.