[ Dia 03-01-2005 ] – José Miguel Leonardo, director-geral da Imperalum.

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EMPRESAS, MOTORES DE DESENVOLVIMENTO DA REGIÃO

José Miguel Leonardo, director-geral da Imperalum
“Em Portugal não existe proteccionismo
mas também não há regulação”

Uma cultura empresarial que “visa o pioneirismo” e a procura “diária da excelência no trabalho que desenvolve” são dois factores que valem à Imperalum a liderança do mercado nacional na produção de betumes modificados. Em entrevista ao “Setúbal na Rede”, José Miguel Leonardo, director-geral da Imperalum, declara que a empresa está “fortemente empenhada na internacionalização”, em particular para Espanha, e lamenta que os portugueses “gostem de se fazer pequeninos”, já que considera que são “tão capazes como os outros”. Sobre a crise económica que atravessa o país, José Miguel Leonardo afirma que “existem sinais de recuperação”, ainda que o caminho a percorrer “seja longo e difícil”, em parte devido à descapitalização que as empresas têm sofrido. Para sobreviver às dificuldades, a Imperalum aposta no controlo de despesas e na exigência na negociação das matérias-primas, já que “sendo a empresa cumpridora dos seus deveres tem autoridade para exigir”, refere José Leonardo. Para além dos betumes modificados a Imperalum, que conta com 35 anos de existência, dedica-se também à comercialização de materiais de isolamento e de revestimento.

Setúbal na Rede – Em Portugal e especificamente nesta área de actividade, ainda há capacidade para inovar?

José Miguel Leonardo – Ainda que exista uma infinidade de empresas no âmbito europeu que produzam os mesmos materiais que nós, existe capacidade e espaço para a inovação. O mercado português é muito receptivo ao que vem de fora pelo que a concorrência é grande, mas este é um factor que considero positivo e a Imperalum tem sabido lidar com isso. 

Não é por acaso que somos uma das poucas empresas sobreviventes no fabrico e comercialização destes materiais. Em Portugal já houve cinco ou seis mas actualmente existimos nós e duas outras empresas de carácter regional. Esta posição só foi possível devido à nossa capacidade de inovar e de melhorar, pois a concorrência obriga a isso e todos os dias procuramos fazer algo melhor do que fizemos no dia anterior. Tentamos melhorar a forma como chegamos ao mercado, a forma como procuramos as matérias-primas, como produzimos, em resumo, tentamos melhorar constantemente e não é uma melhoria retórica, é uma preocupação. 

Eu não gosto de ouvir comentar que Portugal está muito longe do centro da Europa, é um país pequeno e só faz fronteira com Espanha, pois todos estes comentários me soam a desculpas de mau pagador. É um facto que Portugal está onde está e ainda bem, apesar de enfrentarmos algumas dificuldades com a nossa localização. Uma empresa como a nossa na Alemanha ou em Itália teria à partida menos custos de produção porque o mercado base é maior, logo tem acesso a matéria-prima mais barata porque consome mais e tem menos custos logísticos. Nós estamos em desvantagem com uma empresa destas porque temos todas as condições opostas às que acabei de referir, porém isso aguça o nosso engenho e a vontade de inovar.

SR – Como é que a Imperalum gere as dificuldades que enumerou?

JML – Por vezes fazemos quase milagres diariamente. Na realidade o segredo está na nossa forma de agir, pois não gastamos mais do que é absolutamente necessário e refiro-me aos gastos de energia, água ou viagens. Outro factor importante é a nossa exigência na negociação das matérias-primas e nos transportes, se bem que esta exigência só é possível porque também somos muito cumpridores com as nossas obrigações, as facturas são pagas escrupulosamente dentro do prazo e essa cultura empresarial permite-nos ter autoridade para exigir dos outros. É a compra e o controlo de gastos que nos permite obter bons resultados.

SR – Mas esta empresa compete com as do resto da Europa?

JML – O mercado português é um mercado muito aberto tal como já referi e embora nos cheguem produtos de outros países como a França, Alemanha e Itália, a verdade é que o nosso principal concorrente é a Espanha, onde estão instaladas empresas com muita experiência, muito conhecimento e capacidade técnica. A Península Ibérica é cada vez mais um mercado único, mas enquanto os espanhóis exigem normas muito específicas para o seu mercado, Portugal baseia-se apenas nas normas europeias. Os produtos que vendemos em Elvas, com todas as certificações e garantias de qualidade, em Badajoz não prestam à luz da lei espanhola. Para contornar o proteccionismo do mercado espanhol optámos por criar uma linha de produtos que homologámos lá, uma tarefa que é muito mais fácil e rápida que em Portugal.

SR – Pode concluir-se que a Imperalum tem dificuldades acrescidas, pois enfrenta mais concorrência no mercado interno e mais dificuldade de penetração no mercado externo.

JML – Essa é a história do nosso dia-a-dia. Mas devo sublinhar que existem duas realidades distintas, pois uma coisa é o proteccionismo descarado, que existe, outra é a regulação técnica e comercial do mercado para evitar a diminuição da qualidade e a concorrência desleal. Em Portugal não temos nada disso, já que não existe proteccionismo mas também não há regulação, algo que nos fazia muita falta. Em muitos países existe proteccionismo mas a regulamentação existe em todos eles.

Apesar de 90% da nossa produção se destinar ao mercado nacional, penso que somos uma empresa que tem capacidade para se afirmar no mercado internacional e o nosso mercado natural é o espanhol. Por variadas razões ainda não avançámos para a internacionalização mas este ano estamos muito empenhados nessa realidade. Recentemente nomeámos um distribuidor que vende os nossos produtos em Espanha de forma regular. Já estamos em todas as províncias espanholas, nem sempre com grande expressão mas como muita vontade de crescer. Embora estejamos muito centrados em Portugal, a verdade é que somos a terceira maior empresa deste ramo na Península Ibérica.

SR – Porque nunca houve, até hoje, uma maior aposta no mercado internacional?

JML – Houve muitas tentativas de o fazer mas a internacionalização é mesmo um conjunto de tentativas, aprendizagem, erros e por cada erro existe um período de frustração e de análise. A Imperalum está há quatro anos a tentar entrar no mercado internacional com mais assiduidade, mas no passado existiram muitos períodos que se destinaram à cicatrização de feridas por tentativas falhadas. A Imperalum nunca parou de crescer ao longo dos anos de forma estruturada e hoje acredito que estamos melhor posicionados para a internacionalização. Colocamos produtos em Angola com assiduidade, estamos em Espanha, Bélgica, Bahrain, Dubai, Brasil e Chile. Não são grandes quantidades mas acabam por ir ao encontro dos nossos objectivos, que são a implantação para além das fronteiras do nosso país.

SR – Sente que deveria haver mais apoio às empresas para que elas se desenvolvam?

JML – Tenho participado em vários encontros da AIP e não só, onde se debate a questão da internacionalização das empresas portuguesas. Durante quinze anos trabalhei numa multinacional, sendo que treze dos quais trabalhei no estrangeiro e penso que os apoios governamentais podem ser uma brisa que, quando soprada a favor do barco em que vamos, pode ajudar, mas se for contra obriga-nos a remar com mais força. Não acredito que os apoios sejam uma condição fundamental, pois acredito que o problema reside em algumas deficiências estruturais.

A nossa chamada pequenez é porque nos queremos fazer passar por pequeninos. Nós somos capazes, somos iguais aos outros países. A mudança de mentalidades tem que começar dentro das empresas com a vontade de trabalhar de forma séria, objectiva e com os recursos necessários, e é neste ponto que as ajudas são bem vindas. Em Portugal as ajudas são dadas à posteriori, mas não faz sentido que os subsídios sejam atribuídos depois dos objectivos terem sido conseguidos, pois nesse caso deveríamos chamar-lhes prémios. Os subsídios no momento certo poderiam ser um complemento importante mas não são a condição essencial para o desenvolvimento.

SR – Portugal tem mão-de-obra capaz de exercer uma actividade ligada à investigação e à inovação?

JML – A questão que se põe é se existem perfis para desempenhar as tarefas a que nos propomos. Temos carências ao nível técnico e nessa medida as empresas precisam de formar os seus técnicos de acordo com as suas necessidades, isto porque não existem universidades para cada especificidade. Existem cursos de âmbito mais vasto que se adequam às nossas necessidades. Temos mais de 35 anos de experiência, somos membros de organismos internacionais onde participamos em fóruns de conhecimento e trabalhamos com fornecedores que têm todo o interesse em colaborar na inovação e na investigação. Da nossa parte temos técnicos devidamente preparados ao nível do bacharelato e da licenciatura e temos muita experiência acumulada que permite dar formação aos nossos funcionários.

SR – A formação tem um peso muito importante dentro da empresa?

JML – A formação contínua tem muita expressão, nomeadamente ao nível dos procedimentos e da utilização informática. Ainda que se considere sempre insuficiente, a verdade é que temos que agir de acordo com a nossa dimensão e com as possibilidades que temos. Tentamos fazer o que é necessário mas sabendo que as necessidades são maiores do que o que temos possibilidade de dar.

A formação tem custos que englobam a própria formação e o tempo que temos que lhe dedicar, o que numa estrutura relativamente pequena se torna um pouco complicado. Porém, temos programas de formação que já existiam antes da lei os obrigar, até porque somos uma empresa certificada pela I.S.O. 9001 desde 1994 e neste momento estamos em fase de certificação ambiental. Existem várias formas de dar formação e os seminários que são organizados a nível internacional são de grande importância para nós.

SR – Os produtos que a Imperalum comercializa são concebidos dentro da própria empresa ou provêm da representação comercial de produtos concebidos no exterior?

JML – A Imperalum nasceu como uma empresa produtora de membranas de impermeabilização, mais conhecidas por telas asfálticas. Porém, a nossa imagem no mercado como empresa idónea e capaz permitiu acessos ao mercado que temos vindo a optimizar. Para além da vasta gama de impermeabilizações que fabricamos temos vindo a alargar as nossas competências dentro da nossa área de mercado, pelo que neste momento alargámos a nossa actividade aos revestimentos e aos isolamentos. Nos isolamentos térmicos representamos marcas líderes a nível mundial, não sendo produtores somos líderes de mercado na comercialização. Existe uma grande complementaridade entre as impermeabilizações e os isolamentos. Além do que já referi, temos também produtos que não são produzidos por nós mas estão registados com a marca Imperalum e são comercializados pela empresa.

SR – Mas qual é o peso da investigação em novos produtos?

JML – O peso é muito grande, até porque a tecnologia dos betumes modificados requer que essa investigação exista. Muitas vezes as pessoas tendem a confundir os betumes com tela de alcatrão, mas uma coisa não tem nada a ver com a outra e é bom que isso fique claro. As nossas fontes de betume são as empresas produtoras de petróleo, como a Galp Energia entre outras, e esse betume tem que ser modificado através da utilização de polímeros de vários tipos. A nossa tarefa diária consiste em encontrar o polímero adequado para modificar o betume.

Os betumes são muito diferentes porque dependem dos aditivos que lhe são colocados na refinaria, daí ser necessário pesquisar até encontrar o produto certo para obter os resultados que pretendemos. A procura de novas matérias-primas é uma fatia importante da nossa investigação para que tenhamos produtos mais resistentes aos ultravioletas, com mais longevidade, melhor flexibilidade e maior facilidade de aplicação. Apesar de o betume ser sempre preto tem características diferentes consoante aquilo que lhe é aditivado e é aí que está o nosso engenho.

Temos ainda outro foco de investigação que consiste em saber o que existe de novo no mercado e neste ponto os fornecedores são aliados importantes, porque nos trazem produtos para experimentar. Nas nossas reuniões internas discutimos os resultados das experiências e optamos pelos produtos que nos trazem valor acrescentado. Tentamos saber junto do mercado quais os produtos que o cliente deseja, o que está na moda, que tipo de produtos complementa a nossa oferta, e estas são tarefas diárias.

SR – O pioneirismo é o segredo do sucesso da Imperalum?

JML – Essa forma de estar deve-se muito ao fundador da empresa, o engenheiro Manuel Beatriz, que foi sempre uma pessoa que procurou estar à frente na indústria e isso acabou por fazer parte da cultura da empresa. A preocupação em estar na linha da frente faz parte da nossa forma de estar no mundo empresarial e é aplicada sem esforço, é parte integrante do nosso código genético enquanto empresa.

SR – A crise económica que se tem vivido, tem afectado a empresa?

JML – Sem dúvida. Vamos fechar o ano de 2004 com uma facturação inferior à do ano anterior, o que significa que não crescemos. Acreditamos que não perdemos quota de mercado, mas a retracção do mercado da construção levou a que a facturação fosse mais baixa. Esperamos que esta seja uma situação passageira. Curiosamente, o ano passado, com a crise já bem visível, conseguimos ter o melhor ano da nossa existência. Este ano tivemos ainda mais cuidado na negociação das nossas matérias-primas, já que estas estão quase todas directamente relacionadas com o preço do petróleo, e os resultados têm sido satisfatórios.

Além disso, temos restringido ao indispensável os nossos gastos internos e temos recolhido os frutos de acções que vínhamos a desenvolver com vista ao aumento da produtividade. O critério de selecção dos fornecedores e a diminuição dos gastos permitem-nos chegar ao fim do ano com uma boa rentabilidade. Já cumprimos 35 anos de vida e queremos estar preparados para outros tantos e isso só é viável mantendo os pés bem assentes na terra e antecipando as dificuldades do mercado, o que é perfeitamente possível.

SR – Quais são as perspectivas para a crise que se vive?

JML – Acredito que vai melhorar. O que tivemos foi um ciclo negativo muito longo, pelo que a recuperação também será demorada. Creio que existem sintomas de recuperação, ainda que muito ténues. O que fizemos até agora foi protegermo-nos, mas temos que lutar para continuar a crescer. As empresas estão muito fragilizadas e isso nota-se pelo número de empresas que fecham todos os dias, pelas dificuldades em receber, e nós não temos sido muito prejudicados por isso mas também não somos imunes, pelo que procuramos estar atentos. As empresas não estão a investir para preparar o seu crescimento, o que significa que o futuro vai ficar adiado. Só porque existem indícios de retoma económica não é aconselhável pensar que os nossos problemas estão todos resolvidos, pelo contrário, agora é que vão começar.

SR – A localização geográfica da empresa contribui para o que é a Imperalum?

JML – Não sei, nunca me tinha colocado essa questão. Esta é uma zona bastante privilegiada actualmente, pois está perto de tudo, tem boas infra-estruturas rodoviárias, está perto dos centros de decisão, não temos dificuldade em encontrar mão-de-obra especializada, logo é um bom sítio para estar. Todavia, estas razões não terão estado na base da instalação da empresa há 35 anos atrás, mas se tivesse que instalar a empresa de novo, por certo que o faria aqui, pois é um bom lugar para estar.

SR – E o Montijo, o que ganha com a presença desta empresa?

JML – O Montijo tem a ganhar porque ter uma empresa líder de mercado interno e externo deve ser motivo de orgulho para qualquer região. Somos uma empresa muito conhecida em todo o país e apesar de não sermos produtores de grande consumo, somos bons na produção especializada. Saber que existe uma empresa que procura a excelência e que a pratica com humildade, penso que é motivo de orgulho para o Montijo. seta-7708002