Quando em 2010 manifestei a minha preocupação sobre o estado da saúde mental comunitária no distrito de Setúbal, especialmente preocupado pelo que assistia na comunidade da Amora, os responsáveis consideraram exageradas, pessimismo meu, essas mesmas preocupações. Pretendi, então, separar as situações de prevalência de perturbações psiquiátricas, pois estavam enquadradas na política nacional de saúde, da prevalência de situações que podem resultar da qualidade de vida que as comunidades oferecem e contribuem para o estado de saúde mental dessas mesmas comunidades. O CLAS da freguesia da Amora aceitou o desafio e iniciou-se um estudo sobre esta situação. As conclusões, não sei se existem pois deixei o CLAS em 2012, mas numa avaliação preliminar dos inquéritos realizados já se podia concluir que havia áreas da freguesia com situação grave de saúde mental.
Ao ler na primeira página do semanário “ SEMMAIS “, edição de 31 de outubro, que a “ região (Setúbal) está entre os distritos com maior taxa de suicídio do país “, pergunto-me em que distrito vivemos? O suicídio preocupava-me, na altura, com grande incidência sobre adultos jovens, procurando a resposta, não no sistema, mas na comunidade. Para chegar ao desespero do suicídio, deveria haver antecedentes para além das situações de pessoas com perturbações mentais graves. O sistema nacional de saúde procura respostas de natureza clínica e procura afastar-se da questão de fundo, como as causas que conduzem à perturbação mental grave.
Conhecendo a situação da comunidade da Amora, com uma prevalência de uma comunidade pobre, ruma à pobreza extrema, a que se associam as comunidades migrantes e ciganas, a vida comunitária torna-se agressiva e depressiva. Na verdade, sempre que entrevistava uma família, foram 20 anos como dirigente duma IPSS, encontrava as pessoas a viverem em ansiedade, com intensa depressão e ansiedade. Os baixos salários, o desemprego de longa duração, a falência da família, a falta de qualidade de vida nos bairros degradados, a droga, o alcoolismo, tornam num barril de pólvora que fere de morte o princípio da Constituição da Organização Mundial de Saúde (OMS): a saúde é um estado de bem-estar físico, mental, e social completo e não meramente a ausência de doença ou incapacidade. Será que as comunidades do distrito de Setúbal, na sua organização de qualidade de vida oferecem condições para que “ a saúde seja um estado de bem-estar físico, mental, e social completo “? Quando A sua saúde mental é influenciada pelo acesso do indivíduo a serviços de saúde, à educação, ao emprego, à habitação, *a qualidade de vida comunitária, aos serviços sociais e de justiça, então temos que reconhecet que são as políticas nacionais e municipais o centro do problema.
Durante 20 anos estive numa instituição que tinha resposta sociais, entre elas às crianças e jovens. Apercebi-me que na comunidades o problema nascia com o desenvolvimento da saúde mental infantil. Os sinais crescentes de violência infantil; as perturbações comportamentais e emocionais, a perturbação de défice de atenção/hiperatividade, as competências de aprendizagem das crianças dos dois primeiros níveis escolares e o abandono escolar, causariam danos na saúde mental da comunidade. E a saúde mental do adolescente? Na escola existem problemas de álcool e de drogas, na família existe violência infantil e violência doméstica? Passando a um nível superior encontramos a saúde mental do adulto, a viver a depressão da pobreza, do desemprego permanente, da fome e da miséria. São ingredientes para a dependência e abuso do álcool e drogas e violência doméstica. E, por último a saúde mental dos idosos, pobre, abandonado, sem apoios sociais dignos, muitos já trazendo em si o percurso descrito acima, a quem só resta o suicídio.
Existe negligência governativa para as questões de saúde mental da sociedade, ignorando os custos substanciais que estes distúrbios impõem aos indivíduos, famílias, comunidades, e sistemas de saúde quando não tratados. A abordagem ao problema continua a ser meramente clínico, como o mostra a vontade de só se construírem hospitais ou grandes unidades de tratamento já na fase de perturbações psiquiátricas graves, quando seria mais razoável ter uma política de prevenção, considerando o raciocínio acima. Na linha das recomendações da OMS, devria ser estabelecida uma política que “ reconheça a importância de programas baseados na comunidade, que são os cuidados autogeridos, cuidados no domicílio ou cuidados de saúde mental informais prestados por membros da comunidade “. Melhorar a qualidade de vida, alterar situações no seu aparecimento, podem, em boa verdade, ser conseguidos pela proximidade com custos reduzidos.
O documento da OMS define os “ serviços de saúde mental comunitários são basicamente serviços de saúde mental especializados, baseados na comunidade. Incluem centros de dia, serviços de reabilitação, equipas de crise móveis, serviços terapêuticos e residenciais supervisionados, lares comunitários, apoio domiciliário, apoio a famílias e outros serviços de apoio “. Temos que reconhecer que as políticas de desenvolvimento comunitário deveriam ser capazes de assegurar o conjunto completo de serviços de saúde mental, baseados na comunidade, isto é, uma combinação de componentes baseados nas necessidades e requisitos locaisl. Mas, como se lê no documento da OMS, “ os poucos recursos que são dedicados à saúde mental, são frequentemente usados inapropriadamente: a maioria dos recursos para saúde mental são gastos em cuidados caros em hospitais psiquiátricos em vez de em cuidados primários, cuidados comunitários ou cuidados hospitalares perto de onde as pessoas vivem.”. Por cá também…
Se a qualidade de vida no distrito de Setúbal não é das melhores como poderemos ser surpreendidos pelo estado da saúde mental da sua população? Só nos surpreendemos porque andamos de olhos fechados e os decisores políticos a brincar.